Mc Tchelinho, do "Corona Funk": "Favela exposta a doença que não é dela"
Na última quinta-feira (19), o funk "Corona Funk" foi disponibilizado no YouTube e já tem mais de cinco mil visualizações. A pedido da iniciativa "Sejamos a B.A.S.E", "Corona Funk" é uma produção caseira composta por MC Tchelinho e produzida por DJ Tai.
Em isolamento voluntário na Cruzada São Sebastião, favela do Rio de Janeiro, MC Tchelinho conversou por telefone com Universa e explicou como vê o cenário da pandemia nas favelas cariocas —cenário esse que o inspirou a compor o funk que explica aos moradores das comunidades quais são as prevenções necessárias contra uma doença que, segundo ele, não é da favela.
Durante a entrevista, o funkeiro se mostra preocupado com a gestão pública neste período de prevenção e isolamento e criticou o presidente, o governador e o prefeito do Rio "é louco o governo exigir soluções dos cientistas agora. Mas como, se precarizou a pesquisa? Precisamos rezar para que o país não fique como a Itália e a China.".
O que você percebeu de diferente entre asfalto e favela, com relação à pandemia?
A diferença entre a favela e o asfalto é social. O favelado não tem escolha e não pode deixar de trabalhar, o patrão covarde deixa bem claro que ele [trabalhador] pode perder o emprego se não for trabalhar. A favela está exposta a uma doença que não é nem dela. Quando eu vejo uma doméstica morrer porque contraiu uma doença da patroa que voltou da Itália tem a ver com isso. Por que essa patroa não liberou a doméstica para ficar em casa? Seria uma pessoa viva agora. É muito fácil você falar na televisão que precisa ficar em casa, mas quem vai ficar em casa? A empregada e o funcionário do metrô?
Na sua experiência, como o Estado deve agir nas comunidades e como ele realmente está agindo?
O Rio de Janeiro já estava entregue as traças há muito tempo, não vai ser simples resolver essa nova situação. Nós estamos vivendo a crise da água que está esquecida, mas que permanece a mesma. Eu acredito na humanidade e estou rezando muito para que os cientistas encontrem uma solução. É louco o governo exigir soluções dos cientistas agora. Mas como, se precarizou a pesquisa? Precisamos rezar para que o país não fique como a Itália e a China. Pois temos um presidente [Jair Bolsonaro] que neste momento só nos envergonha, um governador [Wilson Witzel] assassino, e um prefeito [Marcelo Crivella] que é fanático religioso.
O que você ouviu, desde que lançou a música "Corona Funk", de pessoas que moram em comunidades?
Está rolando um retorno muito legal. Esses dias eu desci a favela para pegar minhas correspondências e encontrei duas criancinhas que gritaram "caraca, canta aí pra gente o funk do corona", eu logo repreendi "vai pra casa moleque".
O objetivo da música é conscientizar as pessoas a ficarem em casa e se prevenirem. E você, onde tem ficado neste período e como tem se prevenido?
Fico em casa o dia todo. Higiene ok: lavo as mãos, tomo banho, roupa de cama limpa. E evito sair. Fico em casa, na Cruzada São Sebastião, no Leblon. As ruas lá estão bem mais vazias [entrevista realizada na sexta (20)], do início da semana pra cá vejo diferença.
Você disse que não sai da sua casa então como foi o processo de gravação desde sua ideia até a divulgação?
Foi uma produção caseira, um áudio no whatsApp. Uma amiga, a Ana do B.A.S.E, veio até mim e pediu, porque sabia da minha facilidade em compor. Era para um projeto chamado "Sejamos a B.A.S.E". Eu entendi a urgência e comecei a escrever. O que me impressionou foi que em dezesseis minutos a música já estava pronta e logo enviei. A base foi feita pelo meu amigo e irmão produtor DJ Tai, de Niterói. Ela [a música] tem a ver com a minha vivência na favela, mas também com a vontade de informar de uma forma diferente. Quando as pessoas se informam apenas por um lugar, elas ficam saturadas de ouvir todos os dias a mesma coisa. Mas quando escuta uma música de alguém que elas já curtem, vão dar uma atenção diferente. Não sei se mais atenção, mas diferente.
Você aproveita o isolamento social para investir na sua carreira, o que você tem feito?
Estou no início da minha carreira solo, eu não vou sair do Heavy Baile, mas vou começar um projeto novo e estou em uma fase boa para compor. No isolamento aproveito para ensaiar, compor. Assisto uma série ou outra, fico de boa comendo besteira. Sei que uma hora isso vai passar.
Tchelinho, como foi o início da sua carreira? Você já começou fazendo funk?
Eu sou ator e sempre estive ligado a arte. Quando eu era criança, com treze/catorze anos, eu tinha um grupo de funk. Nos apresentamos na Rocinha em um concurso com mais de trezentos grupos, a gente ficou em terceiro lugar. Eu nem era cantor nessa época, eu só escrevia as letras e dançava. Com cinco anos eu já imitava o Michael Jackson, o Chitãozinho e Xororó. Eu faço parte de um grupo [Heavy Baile] em que sou o mestre de cerimônia e compositor. O funk já está no meu sangue, mas eu também canto rap, pagode, não sou limitado e não curto esse lugar de objetificação, "ah você é isso, você é aquilo", o funk é só uma das vertentes.
O Heavy Baile tem mais de 40mil seguidores e músicas com diferentes artistas, como Tati Quebra Barraco, MC Carol, Luiza Sonza. Nesses sete anos, qual tipo de público vocês conquistaram?
Desde 2013 a gente vem entendendo e aperfeiçoando o nosso trabalho. Heavy Baile é a voz dos excluídos. Tem uma estética visual muito forte e é um conjunto de ritmos. A gente canta pelas minas, pelas gays, pelos gordos, pelos pretos, pelos pobres. Esse é o nosso público e a gente ama ele. Por exemplo, a música "Berro", com a Tati Quebra Barraco, é sobre empoderamento, uma música que dá voz para as minas. Essa é a pegada do Heavy Baile.
Você espera que outros artistas que são de origem de favela também sigam o mesmo movimento que o seu e coloquem sua arte a disposição da divulgação de informação e prevenção contra o coronavírus?
Se o mundo do funk, neste momento, produzir conteúdo de alerta e de informação vai ser maravilhoso. Essas pessoas são referência para milhões de pessoas. Eu por exemplo, me pediram uma música e está aí. Não precisei ir ao estúdio gravar, gravei em casa pelo celular. Não foi no intuito de fazer algo para ganhar fama, mas para ajudar as pessoas que estão à nossa volta e que precisam de informação. Eles conseguem compreender a nossa forma de falar, porque temos a mesma vivência.
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