"Nós, empregadas domésticas, não temos escolha a não ser correr risco"
No dia em que o governo brasileiro anunciou recomendações gerais de prevenção contra a crise do coronavírus, em 13 de março, Marilaine encerrou o expediente de trabalho na casa da patroa, em Gravataí (RS), sem imaginar que ficaria uma semana em isolamento social.
A empregadora enviou uma mensagem para ela ainda no domingo. "Ela dizia que o marido tinha voltado de viagem dos Estados Unidos e seguiria o protocolo de sete dias de quarentena", conta Marilaine. O acordo foi que a doméstica não fosse trabalhar. "Ela pediu que eu também permanecesse em casa por conta da Alice, minha filha, que tem quatro meses."
Marilaine Ribeiro tem 41 anos e trabalha para a mesma família há três anos. Contratada em regime CLT, sua jornada de trabalho é de oito horas, cinco dias por semana, para limpar a casa, cozinhar, passar e lavar as roupas. "Quando comecei a trabalhar como empregada doméstica, não imaginei encontrar pessoas tão boas."
Desde o início da crise do coronavírus em dezembro, patroa e empregada já conversavam sobre o tema dentro de casa. Dispensar a empregada e bancar parte ou todo seu salário durante a quarentena tem sido alvo de debate desde os primeiros casos de coronavírus no país.
Assim que recebeu a mensagem, aceitou a quarentena e só saiu de casa quando muito necessário, de preferência sem levar a filha. Em sua conversa com Universa, relatou que todas as vezes que precisou sair, segue as recomendações divulgadas pela Organização Mundial da Saúde. Segundo a OMS, isolamento social é fundamental para diminuir a circulação do novo coronavírus.
Flávia* não teve a mesma sorte que Marilaine. Ela trabalha como empregada doméstica há um ano em uma casa que moram quatro mulheres aposentadas. Ela não foi liberada do trabalho para cumprir o isolamento social.
As patroas estão confinadas em casa e tratam a situação com seriedade. "Elas não vão mais para a academia, evitam circular pelo prédio e não estão mais recebendo visitas. Como uma delas é mais idosa e tem problemas de saúde, tem mais receio", conta Flávia.
Ao levar a questão da quarentena para as empregadoras e apresentar a possibilidade de deixar o trabalho neste período, ouviu de uma das patroas que "as coisas não podem parar permanentemente".
Há um ano, Flavia (nome fictício) trabalha em regime de CLT, entretanto, a jornada de oito horas, garantida pela Lei das Domésticas [Lei Complementar 150 de junho de 2015], só foi respeitada depois de muito diálogo. A doméstica relata que antes disso tinha horário para começar o trabalho, mas nunca para encerrar o expediente. A relação entre elas oscila e chegou a ouvir que "se estivesse ruim poderia pedir demissão, pois tem uma fila [de empregadas querendo trabalhar] lá fora".
Em conversa com Universa, Flávia* demonstrou preocupação ao não ser liberada do trabalho porque mora com a mãe, idosa e hipertensa. "O trajeto que eu faço é inseguro, moro na região metropolitana de Belo Horizonte e, para chegar no trabalho e voltar para casa, pego dois ônibus que sempre estão lotados. O trajeto de volta é longo e atravessa três bairros diferentes. A gente não tem como saber quem está ou não com coronavírus, eu posso entrar em contato e ser contaminada."
Ela pontua que a família está em alerta seguindo as orientações dos órgãos de saúde. Ao chegar em casa, toma banho imediatamente e lava as roupas do dia. Por ter alergia aos componentes do álcool, a água e o sabão são seus principais aliados na higienização e prevenção.
"Elas [as empregadoras] acreditam que por me empregar estão me fazendo um favor, caridade. Além disso, se sentem no direito de interferir na minha vida fora do ambiente de trabalho.
Durante a conversa, lembra que a cunhada, que está grávida, também não foi dispensada da casa em que trabalha. "As escolhas são injustas, entre colocar a comida na mesa ou ficar em casa. Não temos outra escolha a não ser correr o risco."
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