Corredoras trans ganham espaço e representatividade em corridas de rua
Dyosefan Rocha é técnica de enfermagem e corredora amadora em Estrela do Indaiá, cidade de pouco mais de 3.000 habitantes em Minas Gerais. Hoje com 25 anos, ela se identifica como transexual desde os 16, quando iniciou a transição de gênero, mas sem trocar o nome de batismo.
O esporte sempre esteve presente na vida de Dyosefan, desde os tempos da escola, quando entrou em contato com os primeiros preconceitos ao tentar jogar bola. Também não gostava das aulas de vôlei e só foi dar vazão à hiperatividade quando começou a correr por conta própria.
Ela viu sua vida mudar quando, em outubro de 2019, conquistou o terceiro lugar na categoria feminina de uma corrida da Adidas cuja embaixadora era a cantora Pabllo Vittar. "Nunca imaginei que pudesse ganhar, pois era uma prova de elite. Subi no palco para a premiação e me senti mal com olhares de julgamento de algumas mulheres que não gostaram de me ver ali. Poucas pessoas conversaram comigo e me parabenizaram", conta.
A Adidas entrou em contato com ela nos dias seguintes e combinou a entrega do prêmio, que chegou após um mês. Segundo resolução da Federação Internacional de Atletismo, nenhum estado ou organizador de corridas de rua pode proibir a presença de atletas transexuais.
"As pessoas precisam se acostumar a nos ver em todos os lugares e a respeitar que temos direito a estar onde quisermos" acredita Dyosefan, que diz não sofrer preconceito na cidade onde vive. Atualmente, ela alterna o treino feito com uma assessoria de corrida com os plantões de 12 horas na Santa Casa.
"Aceitamos os corredores como eles são"
Enquanto fazia a transição de gênero, em 2018, Daniela Lopes conheceu a corrida. Por indicação de um amigo, ela adotou o esporte e abandonou a academia, ambiente em que não se sentia à vontade para treinar. Foi quando ela entrou para a Unicorns Brazil, grupo de corrida fundado em abril 2015 com o intuito de lutar contra preconceito e LGBTfobia no esporte.
Aos 26 anos, Daniela se tornou uma das líderes do segmento de corrida do grupo, que ainda oferece treinos de funcional, futebol e vôlei. Os organizadores do Unicorns estimam já ter reunido mais de 5.000 pessoas desde sua criação.
Antes da pandemia de coronavírus chegar ao Brasil, os encontros aconteciam às terças e quintas. Uma vez por ano, durante a Parada Gay de São Paulo, a Casa Unicorns organiza atividades esportivas diárias como ioga, funcional, defesa pessoal, treino aeróbico de dança e corrida, além de edições especiais dos Unicorns Talks, onde são abordados assuntos relacionados à saúde.
Com este propósito, Daniela recebe os corredores, independentemente do gênero, para sentirem uma sensação de liberdade e de pertencimento. "O grupo está aberto a receber todos que são pela diversidade e aceitamos os corredores como eles são. Queremos que tenham saúde física e mental, se fortaleçam por meio do esporte. As pessoas não vão lá só para correr. Elas buscam e encontram um propósito, e querem se sentir abraçadas."
Outra corredora trans que frequenta o Unicorns Brazil é Joana Almeida, 23. Há dois anos e meio, ela descobriu o prazer em correr, seja no grupo, que conta com o apoio da Adidas, ou no Bota pra Correr, que é pela Olympikus, ou sozinha mesmo, em corridas pelos parques de São Paulo.
Joana diz que não sofreu preconceito de outros corredores, e que o máximo que já vivenciou é a troca do pronome pelo qual gostaria de ser chamada. "Mas nada que uma conversa para que a outra pessoa te chame pelo gênero que você se identifica", diz Joana, que vê na corrida de rua mais do que um exercício físico. "É um espaço de representatividade e para inspirar outras trans a correrem e ocuparem espaços e conviver com outros grupos. Ainda é pouco, mas é uma conquista e devemos investir".
Desafios olímpicos
O mundo do esporte de performance também conta com trans corredoras. De acordo com o Comitê Olímpico Internacional (COI), os homens trans podem competir em eventos olímpicos sem restrições. Já para as mulheres trans, é preciso que a atleta apresente nível total de testosterona inferior a 10 nmol/L durante, pelo menos, 12 meses antes da primeira competição.
Por aqui, o caso mais conhecido de atleta trans é o da ponteira Tifanny, do Vôlei Bauru, que integra a equipe desde 2017, quando recebeu a autorização da Federação Internacional de Vôlei (FIV) para disputar a Superliga Feminina.
Em 2020, as seletivas atléticas dos EUA para a Olimpíada de Tóquio, sem data definida para acontecer, recebeu dois candidatos transexuais. Em janeiro, Chris Mosier disputou uma vaga na marcha atlética como homem trans, mas precisou desistir da prova por conta de uma lesão.
No mês seguinte, a corredora trans Megan Youngreen se juntou a outras 389 mulheres para decidir as duas maratonistas norte-americanas que irão ao Japão. Ficou na posição 239, com tempo de 2h50s27.
Além deles, a história olímpica dos EUA conta com o decatleta Bruce Jenner, medalha de ouro na edição de Montreal (1976). Em 2015, o ex-padrastro das irmãs Kardashians anunciou que passaria a ser Caitlyn Jenner. O COI chegou a deliberar se ela deveria perder o direito ao título olímpico, por conta da mudança de gênero, mas ainda não houve uma decisão final.
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