Fala racista sobre Thelma e Maju: pedir desculpas é o suficiente?
Durante uma live transmitida pela DJ Ju de Paulla, no Instagram, o ex-diretor de TV Rodrigo Branco fez um comentário sobre a torcida direcionada à participante do BBB Thelma de Assis que o fez figurar entre os assuntos mais comentados entre os brasileiros no Twitter na manhã desta terça-feira (31).
Na transmissão ao vivo, Rodrigo disse que "torcer para Thelma é racismo, porque todo mundo está votando nela só porque ela é negra, coitada". A argumentação se estendeu a uma comparação com o trabalho da jornalista Maju Coutinho. "É a mesma coisa que eu falo da Maju Coutinho. Ela é péssima, horrível. Ela fala tudo errado. Ela só está lá por causa da cor", disse o ex-diretor.
Em tom de revolta por conta da fala de Rodrigo, os usuários subiram a #RodrigoBrancoRacista na rede social. Ele chegou a pedir desculpa em seu Instagram por sua mensagem. Ju de Paulla também se pronunciou. "Fiz uma live para tentar relaxar com meus seguidores e o racismo se apresentou exatamente do jeito que ele faz, sem pedir licença", escreveu, em um texto publicado na rede social.
Fato é que limitar o espaço ocupado - e a competência de uma pessoa negra - "só porque ela é negra" tem cunho racista no qual, quem não se atenta às questões raciais no Brasil, inclusive de representatividade, nem sempre repara.
Conversamos com a jornalista e humorista Maíra Azevedo, a Tia Má, e com a mestra em estudos de gênero e feminismos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Carla Akotirene, duas mulheres negras, sobre o tema: o que esse episódio escancara sobre o racismo que incide cotidianamente na vida de pessoas negras?
Pedido de desculpa vale?
No Instagram, Rodrigo pediu desculpa por sua declaração. "Sempre falo o que eu penso. Várias vezes já falei besteiras. Mas eu mudo de ideia. Ignorante é não mudar de ideia. Falei um monte de merda, não falei nada como eu penso. Eu queria falar uma coisa e falei outra. Fui racista e tenho que assumir quando a gente fala merda", disse, em vídeo compartilhado com seus seguidores. No início da tarde de terça-feira, ele havia suspendido a conta na rede social, no entanto.
Para Tia Má, ao se pedir desculpa pelo racismo há uma banalização do crime, que é previsto no Código Penal, é inafiançável e imprescritível. "É o único que as pessoas se sentem confortáveis em praticar, inclusive atitudes racistas perversas que colaboram para a manutenção de espaços de privilégio de um povo e de espaços subalternos de outro, que nós sabemos muito bem quais são", diz.
"As pessoas não querem assumir isso, no entanto, e têm posturas 'equivocadas', justificando como um 'modo de falar', uma brincadeira. No final, ninguém é punido por conta disso, porque há um pacto para isso acontecer. Inclusive, já tem muita gente celebrando que o ex-diretor reconheceu o erro, ele passou até a ser visto como herói".
Naturalizar o racismo, pontua, tem tanto a ver com o incômodo pelo fato de as pessoas negras terem ocupado novos lugares sociais, como em universidades, quanto na tentativa de reforço de que elas pertencem a um "segundo escalão". "Isso interfere diretamente na forma com que somos vistos, reforçando estereótipos, nos associando à marginalização e à subalternidade. Por isso que a gente precisa lutar para se manter viva".
"Só porque é negra": o que está por trás da fala?
Para Carla Akotirene, os comentários de Rodrigo cruzam formas de racismo que estão entranhadas na subjetividade do ex-diretor, entre elas, o racismo estrutural e o recreativo. "O que se vê é que o preconceito faz parte da subjetividade dele e, ali, ele foi apenas sincero. Então, ele falou na live aquilo que está associado à lógica estrutural do racismo. Acontece que Thelma, médica, e Maju, jornalista, fogem a uma imagem de controle em que elas seriam as mulatas, a mulher figurante, a gostosa ou a 'preta da casa'", aponta a pesquisadora, esse último papel relacionado ao período de escravização no Brasil.
"Ambas estão na 'avenida da identidade', ambas são figuras fortes. Acontece que quando aparecemos com o corpo altivo, com a cabeça erguida, com autoestima, incomoda. Nossos antepassados não deixaram a nossa espiritualidade ser chicoteada, e isso incomoda o branco".
Questionar a competência de Maju e fazer piada com isso - Rodrigo Branco usa um tom de leveza em seu discurso - é que dá conta do racismo recreativo, conceito abordado pelo autor Adilson Moreira em seu livro "Racismo recreativo", diz Carla.
"Por elas não estarem nesse lugar, ele se irrita e faz a piada. E também acredita que há uma meritocracia independente da raça. Só que se Maju demorou para virar uma âncora de jornal, por exemplo, é justamente pela raça, e não inverso", analisa.
Até mesmo a "tal da gagueira" associada a Maju tem caráter discriminatório ligado a pessoas negras. "É o chamado racismo linguístico em que se você tem uma postura retórica de humanidade e espontaneidade, é visto como inferior", analisa. "Maju é brilhante justamente porque além de se parecer com a gente, coloca emoção onde é para colocar".
A arrogância atribuída a Thelma, por sua vez, figura entre as práticas racistas de uma "branquitude acrítica", comenta a pesquisadora, em referência ao termo de Lourenço Cardoso, autor de livros e trabalhados acadêmicos sobre as questões raciais no Brasil. "Se temos uma postura aguerrida, como Thelma ao confrontar a mulher branca sobre a conquista da liderança no jogo, somos arrogantes".
Veja o diálogo citado:
Acima, você assiste a uma gravação do trecho da live em que Rodrigo se pronunciou sobre o tema. Reproduzimos a maior parte da conversa abaixo:
Branco: Torcer pela Thelma é racismo. Porque todo mundo está votando nela porque ela é negra, coitada.
Semana passada, ela ganhou uma provinha, ficou se achando, humilhando todo mundo.
Ju de Paulla: Que? Ela é maravilhosa. Claro que não! A Mari foi super errada falando que deu a prova para ela. E ela saiu porque ela quis.
Branco: Não, não. Quer ver uma coisa? É a mesma coisa que eu falo da Maju Coutinho. Ela é péssima, horrível. Ela fala tudo errado. Ela só está lá por causa da cor.
Ju de Paulla: Gente, eu não to acreditando nisso que você está falando.
Branco: A carreira dela foi ser xingada e as pessoas fazerem "Todos por Maju". Ela não tem uma carreira de um repórter de campo, ela fala tudo errado...Eu como diretor de TV, maravilhoso, vou te falar: ela lê o TP errado, ela não sabe ter entonação.
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