Elas não podem ir a presídios por causa do coronavírus: "Emocional abalado"
Dione e Ana estão com o filho e o marido presos por tráfico, respectivamente, em diferentes presídios de São Paulo. Elas não se conhecem, mas compartilham da mesma aflição de não ter notícias deles depois que a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) suspendeu as visitas por causa da pandemia de coronavírus.
Por e-mail, o órgão informou que a medida se deu após o MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo) solicitar a proibição de visitas aos presos, e que cumpre decisões judiciais.
Além da falta de notícias dos encarcerados, as mulheres temem a escassez de produtos básicos de higiene como sabonete, essencial para o combate ao covid-19 — são elas que fornecem esses insumos à população carcerária quando, uma vez por semana, levam às visitas bolsas com alimentos, popularmente conhecidas como jumbo.
As duas pontuam que seus entes estão ali para pagar pelo que fizeram e não questionam a condenação. A ponderação delas é quanto ao tratamento dado à superpopulação carcerária, uma das maiores do mundo, e como o Judiciário vem acompanhando os casos em meio à pandemia.
Até junho de 2019, o país contabilizava 752,3 mil presos. Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), até o fechamento desta edição houve 74 casos suspeitos de coronavírus nos presídios brasileiros.
O filho de Dione tem 20 anos e está preso por tráfico há três meses, em Taiuva, região metropolitana de Ribeirão Preto (SP). Ela não tem notícias dele há duas semanas.
A diarista visitava o filho todas as semanas com uma bolsa com dois quilos de comida, duas garrafas de refrigerante e três tipos de frutas. Gastava, com o jumbo e o transporte entre a cidade de Matão, onde mora, e o presídio, R$ 350. Ela sabe que o filho precisa cumprir a pena de seis anos, e nem é a favor que presos sejam liberados por causa da pandemia.
"A questão de liberar todos os presos é complicada porque tem bastante crime grave. Não digo que meu filho é um santo e deveria ser solto, mas ao menos que dessem uma atenção a todos que estão ali, porque situação lá dentro é bem precária. Não quero vida de luxo, mas digna", ela afirma.
Pastoral denuncia maus-tratos
Num texto publicado em seu site, a Pastoral Carcerária denuncia que gestores de prisões brasileiras estão dificultando a entrada de alimentos, materiais de higiene pessoal, de limpeza e de medicamentos, além de racionar a água.
O texto informa também que enfermarias estariam lotadas por causa da falta de profissionais da área da saúde e do excesso de pessoas com doenças — principalmente problemas respiratórios — sem a quantidade necessária de medicamentos e equipamentos para tratamento.
Em conversa por e-mail com Universa, o padre Almir José Ramos, que é vice-coordenador da Pastoral Carcerária Nacional, defende o desencarceramento e, neste contexto de pandemia, a saída daqueles presos que se enquadram nos grupos de risco e outros que estejam com soltura próxima. Ele vê dois lados — positivo e negativo — da proibição de visitas.
"Neste momento de epidemia, as visitas podem ser possíveis transmissores da doença. Obviamente não só as visitas, pois o vírus pode entrar através dos novos presos e também dos trabalhadores do sistema", afirma ele.
"Mas não sabemos quanto tempo essa epidemia vai durar e eles já estão tão fragilizados que ficar sem receber visitas de seus familiares é um peso muito grande para muitos. E para a família acaba sendo um martírio não saber sobre a situação lá dentro."
O padre não vê perigo para a sociedade na liberação de grupos de risco. Para ele, a ameaça maior está no presídio no caso da epidemia — principalmente, nas palavras dele, pela falta de remédios e profissionais da saúde.
"Em geral, na maioria dos presídios os remédios não passam de alguns analgésicos e calmantes. Presos com doenças crônicas às vezes sofrem com a falta de medicação. A saúde nos presídios é um dos problemas mais sérios dentro de todo o sistema prisional hoje. Faltam profissionais especializados em diversas áreas, como dentistas, psicólogos, ginecologistas, psiquiatras etc."
"Menos um para o governo bancar"
Ana tentou levar vitamina C, remédio para ansiedade e cobertor para o marido, preso há três anos em Ribeirão Preto. Não conseguiu.
"Estamos com o emocional abalado e preocupados com a saúde deles, porque a comida não é boa, a água para o banho é gelada e a que servem para beber é quente. Se não levamos comida, eles não terão com o que se alimentar", diz a vendedora de 19 anos, que gasta R$ 220 por final de semana entre o jumbo e o transporte que pega em Franca.
"Ele errou, mas já está pagando. Sei que é complicado liberar preso, mas sou a favor de soltar os que estão no grupo de risco. Já que gostam de falar que o governo gasta dinheiro com preso, então está aí a solução: é menos um para bancar", observa Ana.
O que o Conselho Nacional de Justiça diz
Em ofício registrado no último dia 17 de março, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) traz algumas recomendações aos tribunais e magistrados com o objetivo de reduzir aglomerações nas unidades judiciárias, prisionais e socioeducativas. Entre elas, a concessão de saída antecipada nos casos previstos em lei, como o de gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos.
No último dia 19, por exemplo, a Justiça de São Paulo decidiu, pela primeira vez, que um preso deixasse o presídio onde se encontrava para cumprir pena em casa, por causa da pandemia do coronavírus.
Condenado a sete anos de prisão no regime semiaberto (que permite sair para trabalhar ou fazer cursos durante o dia, mas obriga o condenado a dormir na prisão), José Vandir Ferreira teve seu pedido de progressão ao regime aberto aceito pela juíza Débora de Oliveira Ribeiro, da Vara de Execuções Penais de São Paulo. Ferreira tem 49 anos e era policial quando foi sentenciado pelo crime de extorsão.
Nesta segunda-feira (30), a Justiça de São Paulo determinou a soltura de 1.227 presos como medida preventiva para conter o coronavírus. São homens e mulheres que pertencem ao grupo de risco para a doença, e que seriam do regime semiaberto. As informações são do G1.
O que a SAP diz
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária informa que, desde o último dia 20, o Ministério Público de São Paulo ingressou com ações solicitando a proibição de visitas aos presos, apoiado pelo Poder Judiciário. Sendo assim, aponta a nota, a secretaria cumpriu as decisões judiciais.
Sobre a entrega de "jumbo", o órgão informa que só será permitido o recebimento de itens por correspondência, em caixas de números "01" a "05" (antes somente era permitido a "05"); com peso de até 12 quilos, sem produtos perecíveis. Cada encomenda é aberta após prazo seguro e com a utilização de máscaras e luvas pelos servidores, para não ocorrer qualquer risco de contaminação.
Como alternativa, o familiar pode transferir recursos para a conta pecúlio do preso, para que a unidade possa adquirir itens extras, entregues diretamente ao custodiado. O Estado garante que todos os presos recebam material de higiene e limpeza.
A nota esclarece, por último, que vem informando dentro dos presídios sobre as formas de prevenção e que intensificou a limpeza das áreas.
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