Advogada de Bolsonaro: "Não há ilegalidade em presidente ir para a rua"
Quando Karina Kufa, a advogada eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), pegou o resultado positivo para o coronavírus, no início de março, não imaginava que o Brasil contabilizaria hoje quase 7 mil infectados e passaria dos 200 mortos. "Não tive o cuidado de, no aeroporto, usar máscara, passar álcool em gel a cada contato com objeto", ela justifica. A advogada esteve na comitiva que viajou com o presidente para os Estados Unidos, num encontro com o presidente Donald Trump.
Hoje recuperada e já de volta ao trabalho, repete a postura do chefe e defende o isolamento vertical, em que somente pessoas que estejam no grupo de risco à exposição ao vírus, como maiores de 60 anos e portadores de doenças crônicas, fiquem em casa. Diz, inclusive, que mandaria o filho mais novo, de 4 anos, para a escola se voltassem as atividades — embora tenha se afastado dele quando foi diagnosticada.
Karina sugere ainda que o número de óbitos por coronavírus esteja sendo manipulado. Como exemplo, ela cita a história de um borracheiro que teria morrido com o estouro de um pneu e identificado como vítima de covid-19. A informação, entretanto, foi desmentida pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. A vítima em questão morreu de influenza A.
Primeira advogada mulher de um presidente da República, diz que Bolsonaro gosta de usar frases "de uma forma mais extrovertida", ao comentar atitudes do mandatário como comparar o coronavírus a uma gripezinha. Ela mesma conta que teve sintomas leves, como dor no corpo, e lembra que mais de 80% dos portadores do novo vírus são assintomáticos ou apresentam sintomas brandos. "Apesar de ser um vírus altamente contaminável, ele chega a não ser perigoso para a maior parte da população", conclui.
Fala ainda dos machismos que passou até chegar ao posto que ocupa e relembra ataques por parte de integrantes do PSL durante a saída de Bolsonaro da sigla. "Não tenho dúvidas de que até esses machistas me respeitam", ela afirma. Também tesoureira do Aliança pelo Brasil, garante que nunca foi discriminada pelo chefe ou sua família por conta do gênero. Leia abaixo trechos da entrevista, que está publicada na íntegra no vídeo e no podcast UOL Entrevista:
Apesar de o coronavírus ter atingido mais de 800 mil pessoas pelo mundo e feito mais de 42 mil mortos desde dezembro, aqui no Brasil ainda existe uma parcela da população que apoia quando o presidente Jair Bolsonaro fala que devemos voltar para as nossas atividades. A senhora concorda?
Eu concordo. Se a gente mantém o isolamento agora, vamos jogar o pico da doença para o inverno, quando temos outras doenças associadas à gripe, como pneumonia. Acredito que o caminho seja isolar as pessoas do grupo de risco e retomar as atividades. Hoje tenho meus pais em casa, e quando chego tenho o cuidado de tirar a roupa, lavar muito bem as mãos, os braços, para não contaminá-los. O que me preocupa é a demissão em massa, que ocasiona a desestrutura familiar, a violência doméstica, o suicídio também. Além de saques a supermercados e farmácias. Quando o presidente fala que ele está preocupado com a economia, ele não está diminuindo a vida. Vejo boa intenção dele quando fala que, se a gente quebra o país, mais pessoas irão morrer.
São mais de 183 países e territórios passando pelo mesmo problema. E parece que só o presidente do Brasil concorda que a gente deva voltar às atividades, sendo que o próprio ministro da Saúde dele pede que as pessoas fiquem em casa. Se o mundo inteiro está indo num caminho e só o Brasil está indo para o outro lado, qual seria a solução?
Vários países que estão com um índice pequeno de letalidade também não estão adotando o isolamento horizontal. Hoje, a gente está no isolamento horizontal, mas se viesse para o vertical, não seria exceção. E para isso a gente precisa de algumas medidas, contar com a tecnologia. Hoje você consegue monitorar as pessoas. Tem plano de saúde com aplicativo que manda mensagem caso a pessoa que está com coronavírus ou que é do grupo de risco saia de casa. A gente tem que ter em mente que o índice de letalidade é pequeno, e está sendo visto pelo governo federal com muita responsabilidade -- ou seja, ele está buscando alternativas. Antes mesmo dos Estados Unidos, o Brasil autorizou o uso da cloroquina para o tratamento do coronavírus.
No último domingo (29), o presidente saiu às ruas do Distrito Federal, cumprimentou a população e foi criticado por desobedecer uma recomendação da Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde de manter o isolamento horizontal. O Twitter decidiu excluir vídeos do presidente na rua, porque não considerou legal aquele tipo de conteúdo. Não seria um crime desobedecer uma recomendação médica?
Não vejo problema algum o presidente sair de casa, até porque ele está todos os dias no Palácio do Planalto trabalhando. Não vejo nenhuma ilegalidade nisso. O que me espanta, e é uma coisa que a gente tem que avaliar juridicamente, é a posição do Twitter em excluir post. Inclusive o Eduardo Bolsonaro teve, acho que no Facebook, uma exclusão feita e eu entrei com ação e ganhamos no Tribunal de Justiça por essa exclusão indevida. Então, o que me impressiona é ver as redes sociais monitorando a liberdade de expressão, de manifestações. O presidente estava como cidadão. Inclusive era um domingo. Ele não faria nada de ilegal, até porque ele tem um corpo jurídico qualificado, que daria qualquer orientação antes de fazer qualquer coisa. [A entrevista foi dada antes de partidos de oposição ingressarem com uma notícia-crime no STF por considerarem que Bolsonaro colocou em risco a saúde da população ao incentivar e participar de aglomerações.]
A senhora não tem nenhuma ponderação sobre alguma decisão que o presidente tomou até aqui ou sobre as declarações que Bolsonaro fez como tratar o coronavírus como uma "gripezinha" ou falar de seu histórico de atleta?
Quem conhece bem o presidente Jair Bolsonaro sabe que ele é uma pessoa extremamente espontânea, gosta de usar frases de uma forma mais extrovertida. Se ele fala: "Ah, é uma gripezinha", é porque o sintoma da doença é de gripe. E quando fala que tem o perfil de atleta, está querendo mostrar que, apesar de ser do grupo de risco por conta da idade, ele confia na saúde. Ele não vai ficar recolhido dentro de casa quando tem um problema gigante nas costas. Não acho que isso deva ser uma preocupação grave. Acho que a preocupação tem que ser mais com as ações, e eu vejo o governo federal trabalhando na contenção do vírus, investindo em hospitais, suspendendo a cobrança da dívida dos Estados, reduzindo juros de banco etc.
Nas suas redes sociais, a senhora faz duras críticas ao governador João Dória pelas medidas que ele tomou em São Paulo. Falou-se até de impeachment, por ele ter pedido que as pessoas ficassem em casa. Então essa não é a solução para a senhora?
Minha maior crítica ao governador João Doria não é só a medida de isolamento horizontal, por ter fechado tudo, mas é o conjunto de ações que eu vejo ele utilizando de forma politiqueira. No lugar de ele agregar, de trazer soluções, de compreender que o governo federal está mandando dinheiro para o estado de São Paulo para que o governo invista na questão do coronavírus, ele fica só atacando o governo federal, usando a desgraça, a doença das pessoas como palanque político. Mais recentemente eu fiquei muito preocupada com uma postagem da deputada federal Bia Kicis que foi na casa de uma pessoa que faleceu porque um pneu da sua oficina mecânica estourou e, no atestado de óbito, deu coronavírus. Outras pessoas relataram que são obrigadas a concordar com o óbito de um familiar pelo coronavírus.
[Universa afirma: Desculpa, mas a história do borracheiro é fake news...]
Ela tem prova contundente de que é verídica a informação. Mas outras pessoas estão falando: "O fulano faleceu disso e saiu o óbito de corona". Não estou afirmando que isso é verdade, mas se for comprovado é uma coisa muito grave. E cabe uma responsabilização grande contra o governador que está usando a desgraça, a doença de pessoas para manipular dados.
A senhora tem um filho de 4 anos e um de 17. Mandaria eles para a escola normalmente?
Entre as crianças, o índice de óbito é zero, então eu não teria essa preocupação. Eu acho que todo mundo vai acabar sendo contaminado. De que adianta eu blindar todo mundo, inclusive minha família, nesse período, que ninguém está com nenhuma outra doença, e deixar ele pegar o coronavírus no inverno? E meu filho fica muito doentinho no inverno, como qualquer criança. Se eu tiver que escolher entre ele pegar agora ou no inverno, eu prefiro que ele pegue agora. A hora que retornar a atividade da escola, ele vai retornar também, obviamente.
Mas enquanto esteve se recuperando, a senhora se isolou dele e da família, não?
Por recomendação médica, né? A partir do momento que eu fui diagnosticada com coronavírus, e há uma orientação do meu médico e do Ministério da Saúde para me isolar, obviamente eu seguirei todo o protocolo. Mas se tiver uma orientação distinta -- e hoje me aprofundando no tema, principalmente vendo que a maior parte das pessoas passa de uma forma tranquila, as crianças passam praticamente assintomáticas -- não vejo por que ter uma enorme preocupação. Obviamente eu quero o melhor para meus filhos. A preocupação maior seria com meus pais. Aí eles iriam para outra casa, ficariam sozinhos.
A ONU Mulheres alertou para o aumento nos riscos de violência doméstica contra as mulheres e meninas por causa da quarentena. Na sua avaliação, o que deve ser feito hoje para combater esse crime?
Eu não sei qual medida seria suficiente para a gente evitar a morte de mulheres numa condição em que o marido está desempregado, dentro de casa, sem a bebida, e quando consegue, explode de vez. A convivência em excesso também traz problema, e não adianta a gente vir com uma história bonita, falando que é um momento de união da família, que agora vai ficar tudo perfeito, porque a gente sabe que na maior parte das famílias brasileiras, principalmente nessas em que a gente já vê um histórico de agressão, não adianta o diálogo. A promotora de Justiça Gabriela Manssur (SP) tem um projeto chamado "Tempo de Despertar" em que o agressor participa de cursos que vão conscientizando sobre a importância de respeitar a família. E ela tem resultados muito positivos em que o agressor volta para o lar e para de agredir. Acho que esse é o caminho. Se a gente cura esse homem, ele para de agredir a mulher e os filhos não repetem o padrão. Agora, no período de coronavírus, fica difícil fazer uma abordagem.
A senhora tem uma trajetória de luta a favor dos direitos da mulher. Criou o projeto Eleita, para incentivar mais mulheres na política. Este ano, inclusive, teremos eleições municipais. Fale um pouco sobre esse projeto?
No meio de advocacia, fui a primeira mulher a tratar sobre participação da mulher na política. Quando tentei fazer o primeiro evento, na OAB, ele foi vetado. Fui perguntar o porquê, já que todos passavam. Falaram: "Porque o tema é insignificante". Devia ser 2009, uma época em que a cota de candidatura de mulheres não era obrigatória. Então comecei a escrever sobre o tema, dar cursos e assim surgiu o projeto Eleita, com algumas aulas voltadas especificamente para a mulher, porque para ela alcançar o poder não é a mesma coisa que o homem. A gente tem que ser dez vezes melhor para sermos respeitadas. Eu não tenho ninguém da minha família na área jurídica. Tudo que eu construí foi sozinha. Hoje, sou advogada do presidente da República, posto em que muitos homens gostariam de estar. Mulheres também.
Quando Bolsonaro saiu do PSL, a senhora foi apontada como uma das articuladoras da briga entre ele e o presidente nacional do partido, o Luciano Bivar. E entre outras coisas, a senhora teve seu salário divulgado. Acredita que foi por machismo?
Do presidente Bolsonaro e dos filhos, eu nunca sofri desrespeito, agora por parte do PSL sofri inúmeras situações de machismo. Buscavam me diminuir e acredito, sim, por eu ser mulher. Quando teve o rompimento (de Bolsonaro com a sigla), que foi uma briga do presidente da República com o presidente do partido, tentaram jogar a conta nas minhas costas, colocar a culpa em mim. O presidente estava muito certo do que estava fazendo e se aconselhava comigo. Fizeram um ataque grande à minha pessoa, falaram até de caso amoroso que inexistia. Acharam que eu não ia aguentar, mas não sabiam quem eu era de verdade. Enfrentei o problema e hoje estou muito mais forte. Não tenho dúvidas de que até esses machistas me respeitam.
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