Fiquei um minuto em silêncio em frente a um estranho na webcam e adorei
O UOL continua em esquema de home office e meus editores acharam que eu precisava interagir com mais pessoas além do meu gato. O desafio foi ficar cara a cara com uma pessoa completamente estranha na webcam. Como não tenho para onde ir, topei a empreitada. Ao final da aventura, me senti uma pessoa mais preparada para interagir com outros seres humanos quando tudo isso acabar.
No site Humans Online, pessoas do mundo todo permanecem em silêncio durante um minuto com outra pessoa. É só ficar parado de frente para a câmera do computador, desfrutando do olhar de um estranho como se a pandemia global não existisse. De acordo com o site, a experiência não é um desafio sobre quem pisca primeiro. Ao contrário, é uma proposta para "conectar-se", "desacelerar" e "conhecer a si mesmo".
Jornalismo introvertido
Sou jornalista, mas também sou introvertido. Não fico nervoso para falar para uma câmera ou diante de uma multidão, mas já congelei ao manter uma conversa individual e informal fora do trabalho.
Com o tempo desenvolvi técnicas para melhorar essa situação. Por exemplo, durante um diálogo eu olho nas sobrancelhas da pessoa com quem estou conversando. A tática me ajuda a prestar mais atenção, a passar mais confiança e a ficar menos nervoso. É um combo maravilhoso que usei para mais este desafio.
Brasileiro desrespeita proposta
O primeiro rapaz a aparecer no meu experimento no Human Online, que tinha mais de mil pessoas conectadas na última sexta, me mostrou uma camiseta amarela do Brasil e tentou puxar papo comigo. A tentativa de conversar não faz parte da proposta, mas ele é brasileiro e caloroso. Como o chat não reproduz o áudio do microfone, ficou um silêncio terrível, mas tudo bem. O cara logo se constrangeu de me assistir imóvel enquanto eu olhava para ele e desligou.
Uma outra conversa foi menos empolgante. Uma mulher deitada, que devia ter por volta de 40 anos, olhou para a câmera por dois segundos e jogou o celular em cima da cama. Por trinta segundos olhei para o teto da casa dela, que aliás tinha um pé-direito lindíssimo.
Eu só consegui seguir a proposta do site com um rapaz. Ele vestia uma camiseta azul onde se lia uma frase em português. O rapaz se manteve firme: não sorriu, não mexeu a sobrancelha e nem nada. Já próximo do final da interação, apenas deu um joinha e desapareceu diante dos meus olhos.
A última interação foi a mais interessante. Eu realmente senti a minha falta de maturidade. Uma mulher que eu poderia julgar brasileira se conectou comigo, mas ficou no contra luz da janela onde estava. Só pude enxergar uma silhueta escura, que lembrava a de um dementador do Harry Potter.
Logo a mulher percebeu o problema foi para um canto com menos luminosidade e ficamos compenetrados, em uma valsa de olhares. Eu tentei. Juro que tentei, mas fiquei com muita vontade de rir. Sabe quando você tem vontade de rir e não pode? Tipo quando você é parado pela polícia ou ao tirar uma foto para documento e te pedem para ficar sério? Pois é.
Nossos olhos se mantiveram um no outro até que eu caísse na risada. Ri como não rio há muito tempo. A mulher também não conseguiu evitar a gargalhada. Ficamos os dois rindo nos segundos que restaram.
Vamos viver em casa no futuro?
Muitos analistas sugerem que a humanidade conversa muito, mas se comunica muito mal. A proposta do silêncio e de olhar com calma nos olhos do próximo é uma das principais performances da artista Marina Abramovic. Quem sentava-se à frente da artista chorava como se contasse sobre abandono familiar a um terapeuta.
Na experiência online, não consegui me concentrar do mesmo jeito, tampouco humanizar a presença de outra pessoa em um notebook. Percebi que muitos rostos — e as histórias por trás deles — podem ter passado por mim sem que eu os notasse ou me desse o trabalho de conhecê-los quando as coisas estavam, er, mais tranquilas.
É bem possível que o futuro após a pandemia torne parte da humanidade ainda mais caseira. Alguns números, como a queda na poluição do ar, combate à propagação de doenças e entregas por aplicativos e streaming, são bons estímulos para manter a gente cada vez mais em casa.
Confesso que fiquei nervoso de interagir com um estranho após todos esses dias de isolamento; e isso me fez perceber o quanto é precioso é o contato próximo com nossos colegas. E com suas sobrancelhas.
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