"Fui estuprada pelo meu ex-marido por 3 anos. Hoje, tentamos ser bons pais"
A vendedora Sabrina, 31 anos, sofreu estupro marital durante três dos seis anos de casamento. Dessa agressão, teve dois filhos. Ela já tinha um menino, de relação consentida, com o então companheiro. Chegou a levar o homem para a igreja, numa tentativa de salvar a união, mas ele voltou a ser agressivo.
Moradora de Austin, em Nova Iguaçu (RJ), Sabrina encontrou forças e mandou o ex embora no fim de 2019. Apesar da violência, hoje os dois buscam manter uma relação amigável, pelo cuidado das crianças. "Eu precisava ter a família mais estruturada possível", ela justifica, antes de pedir que a reportagem não a identificasse "para não prejudicá-lo".
Autônoma e em isolamento por causa do novo coronavírus, Sabrina vê a pouca comida acabando na despensa. Mas, com um filho autista e a avó de 88 anos, para quem faz as compras, segue defendendo o isolamento social. Acompanhe seu relato:
"Fui estuprada dentro do casamento por diversas vezes, porque meu ex-marido queria me engravidar. Eu não podia tomar remédio nem usar camisinha. Mas há 8 meses estamos separados. Hoje sou livre.
Conheci meu ex-marido no bairro, em Austin, e tínhamos amigos em comum. Ficamos pela primeira vez em 2013 e logo depois engravidei do meu primeiro filho, hoje com 6 anos. Ele tem autismo.
Até meu primogênito completar dois meses de vida, estava tudo bem. Depois disso, meu ex-marido passou a abusar das drogas e do álcool, inclusive dentro de casa.
Eu trabalhava em telemarketing e ele é mestre de obras. Combinamos que eu ficaria em casa por um ano, para cuidar do nosso filho. Eu era, então, totalmente dependente dele. Tudo era ele que comprava. Até quando ia ao salão de beleza, ele me acompanhava e pagava pelos serviços. Ele não deixava dinheiro na minha mão.
Para não sermos surpreendidos com outro filho, pedi que ele comprasse pílula anticoncepcional. Ele respondeu: 'Quantos filhos Deus mandar, a gente vai ter'. Achei que era brincadeira, mas ele rasgou a receita dada pela ginecologista e não comprou. Tive vergonha de pedir que alguma amiga ou parente comprasse.
Quando pedi que ele usasse camisinha, desconfiou que eu o estivesse traindo. Fiquei chateada e fui dormir de costas para ele, até senti-lo tentando forçar o sexo. Eu neguei, mas ele falou que eu tinha obrigações de mulher e me puxou.
Fui estuprada pela primeira vez ali.
Ele conseguiu me engravidar duas vezes assim. Meu segundo filho nasceu em 2014 e a caçula, um ano depois. Nem meu resguardo ele respeitou.
Rejeitei a mais nova durante toda a gravidez, e meses depois também, porque eu a olhava e lembrava de tudo que tinha passado.
Ele me bateu duas vezes. Mas na segunda, me defendi.
Pedido de perdão
Ninguém sabia o que eu passava. Não tinha coragem de falar porque achava aquilo humilhante. E eu dependia dele. Meus filhos também.
Depois do nascimento da nossa caçula, passamos a frequentar a igreja numa tentativa de salvar o casamento. E contamos nossa história num culto. Ele pediu desculpas, chorando muito. Disse também que me amava. Mas pedir perdão é fácil. Quem se arrepende mesmo muda o comportamento.
Ficamos um período de quase um ano bem, mas ele voltou a aprontar tudo de novo. Voltou àquela imposição sexual, falava que a gente tinha que transar. E voltou a falar que eu tinha obrigações no casamento. Dizia que a dele era colocar comida dentro de casa, e a minha era servi-lo como mulher.
Quando ouvi isso, fechei os olhos e falei: 'Tudo bem. De hoje até o nosso último dia do casamento você vai perceber que está fazendo sexo com uma mulher que não quer'. Desse dia em diante, por três anos, não tivemos nenhuma relação consentida por mim. Tinha dia que eu chorava durante o ato.
Basta!
Quando falei em estupro a primeira vez, ele disse que não sabia o que era ser estuprada. Eu falei que ele fazia aquilo comigo todo dia.
Durante esse tempo, descobri algumas traições. A última foi em agosto do ano passado. Chamei os pastores da igreja na nossa casa, sem que ele estivesse, e contei tudo que estava passando. Decidi ali que ia mandá-lo embora.
A sensação de que tem alguém em cima de você, sem você querer, é ruim. Mas depois vem a culpa, a vergonha. E você se pergunta: por que tenho que passar por isso?
A postura inicial deles era de me fazer preservar a família. Mas quando bati o pé e insisti em seguir com a minha decisão, eles me apoiaram.
Nos separamos em novembro último. Foi quando consegui me sentir mais à vontade para contar para meus familiares o que eu passava. A primeira a saber foi minha irmã, minha melhor amiga. Ela perguntava por que não pedi socorro.
A volta por cima
Eu tinha medo de meus filhos passarem fome, até que resolvi fazer vendas de porta em porta. Peguei umas bolsas e lingeries por consignado e comecei a ir nas casas, com os três filhos no braço. É assim que eu vivo até hoje.
Precisava ter a família da forma mais estruturada possível, pelas crianças. Não queria conflitos, então nem pedi pensão. Dou uma lista de compras e ele faz. E também, se não fizer, vou lá e compro. Mas graças a Deus ele foi embora e continuou sendo pai. Hoje a gente consegue ter uma relação amigável.
Só queria ter certeza de que ia deitar na minha cama sem que ele estivesse ali, ao meu lado. Precisava desse respiro na alma.
Quando ele saiu de casa, pedi muito que fosse um bom pai, para que as crianças fossem boas pessoas. Tive muito problema com o meu. Ele traía a minha mãe. Eu a vi depressiva, definhando.
Lembro certa vez de sair da estação de trem com ela e darmos de cara com meu pai de mãos dadas com a amante. E, quando minha mãe morreu, ele me deixou na casa da mãe dele, minha avó. Não me criou. Mas hoje é um ótimo avô.
Parei de trabalhar em meados de março por causa do isolamento social provocado pelo novo coronavírus. Ainda tenho arroz, feijão, óleo e açúcar em casa. Nada mais que isso. Faltam coisas para as crianças, como pão, biscoito, leite e fruta. O pai também não está trabalhando, mas tenta algum bico.
Estou com um primo e dois amigos infectados com a covid-19. Apesar disso e das minhas dificuldades, temos, sim, que parar com tudo. Tenho uma avó com 88 anos em casa e estou fazendo as compras para ela, com todo cuidado. E dois filhos meus têm problema respiratório.
Não podemos comparar saúde com economia. Porque se a economia falir, dá para ressuscitar. Morto não. Precisamos ter respeito pela vida do outro."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.