Topo

O que mulheres que fizeram isolamento social antes da Covid têm a ensinar?

Laila Rocha com os filhos Henrique e Sophie: dois isolamentos involuntários durante suas gestações antes da pandemia de covid-19 - Arquivo Pessoal
Laila Rocha com os filhos Henrique e Sophie: dois isolamentos involuntários durante suas gestações antes da pandemia de covid-19 Imagem: Arquivo Pessoal

Letícia Sepúlveda

14/04/2020 04h00

"Fiquei oito meses de cama em repouso absoluto para não perder minha filha. Tive uma gravidez de risco com descolamento de placenta, placenta baixa e sangramentos enormes. Minha motivação era ver fotos para relembrar viagens e momentos felizes, além de pensar que tudo valeria a pena para ter a Sophie nos meus braços."

O depoimento é de Laila Rocha, de 37 anos, que passou pelo segundo isolamento de sua vida durante a gravidez da filha. O primeiro ocorreu há 13 anos, quando estava grávida de seu filho Henrique. Ela se emociona ao falar de tudo que enfrentou. "Eu não imaginava a força que eu tinha. Nesses períodos, vi que estar isolada em casa não é estar em uma prisão, e sim em um porto seguro."

Depois desta quarentena, que é sua terceira experiência de isolamento, ela acredita que as relações entre as pessoas podem mudar. "Estamos muito ligados no celular. Acho que depois de tudo isso vamos dar mais valor para as pessoas. Precisamos curtir mais os momentos com quem amamos, porque são essas coisas que podem servir de inspiração quando você passar por uma fase difícil, como eu passei."

"Isolamento é necessário para um bem maior"

Sheylla Pires - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Sheylla Pires: dez meses em casa por causa da gestação de risco e da bebê prematura
Imagem: Arquivo Pessoal

Por causa de um histórico que envolve endometriose, trombofilia, dois abortos e uma perda tardia, Sheylla Pires, 34, precisou ficar sete meses de repouso durante a gestação de sua filha, que nasceu prematura. Depois do parto, ela ainda permaneceu três meses em casa com a bebê.

"O que me dava forças era saber que esse período tinha um propósito muito grande, que era poder ter minha filha. Hoje, com o coronavírus, as pessoas precisam pensar que o isolamento social é necessário para um bem maior. Quando pensava que era apenas uma fase, me sentia melhor. Acho que neste momento também precisamos focar nisso", aponta.

"Ruim é fazer quarentena no hospital"

Lia Amaral - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Lia Amaral: tratamento de câncer a deixou um mês internada em isolamento
Imagem: Arquivo Pessoal

O isolamento também pode se fazer presente em momentos de busca pela cura. A psicóloga Lia Amaral, 28, foi diagnosticada em fevereiro com leucemia linfoide aguda (LLA). Recentemente, ela concluiu o segundo dos oito ciclos de quimioterapia programados.

Lia ficou um mês internada nesta fase inicial do tratamento. "Fico vendo as pessoas reclamarem de terem que ficar em casa, mas eu não reclamo. Ruim mesmo é você ficar de quarentena em um hospital, em cima de uma cama, como eu fiquei", relata sobre sua experiência.

Ela afirmou que sentia falta de coisas simples, como tomar um pouco de sol e comer um prato de comida que escolheu. Mas o principal desafio foi controlar a ansiedade. "Tinha a sensação de que os dias duravam muito, mas tentava criar uma rotina para controlar essa aflição. Tenho que lidar com a angústia de não saber ao certo quando meu tratamento vai acabar, mas não posso ficar sempre pensando nisso, seria muito pior", afirma.

"Da mesma forma, as pessoas que estão ansiosas por causa do coronavírus não precisam ficar o tempo inteiro vendo notícias sobre o assunto, isso pode deixá-las mais preocupadas."

"Tudo bem não estar bem"

Carol Antunes - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Recém-curada de um câncer, Carol Antunes estava voltando a viver sem restrições quando a quarentena da covid começou
Imagem: Arquivo Pessoal

Assim como Lia, a estudante Carol Antunes, 22, precisou mudar a rotina para lutar contra o câncer. Recém-curada de um linfoma de Hodgkin, ela começava a perder suas restrições quando a questão do coronavírus se tornou mais séria.

"Eu amo sair e as pessoas me pediam para ter calma porque seriam 'só seis meses' de químio. Mas foi muito difícil ver todo mundo continuar a rotina enquanto eu precisava ficar em casa ou no hospital", relembra.

"Sempre busquei expressar o que sinto. Está tudo bem não estar bem. Essa foi a principal coisa que eu aprendi durante esse tempo em que fiquei muito comigo mesma. Ser forte não é sinônimo de não demonstrar sentimentos, pelo contrário — uma pessoa forte sabe a hora de se permitir viver seus momentos difíceis."

Puerpério coletivo

Laura Carvalho - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Laura Carvalho não pode apresentar o bebê Caê para a família ou amigos
Imagem: Arquivo Pessoal

É um desses momentos que vive Laura Carvalho, 25: ela não pode apresentar seu bebê recém-nascido para familiares e amigos. Aos oito meses de gravidez, Laura precisou ser afastada do trabalho por uma complicação que teve nos rins. Desde então, ficou em casa até o parto. O pequeno Caê nasceu no dia 23 de março, momento em que a pandemia de Covid-19 já estava crítica.

Rindo, ela afirma que passa pelo puerpério em um momento que parece ser de puerpério coletivo. "Quase ninguém da minha família conheceu ele, os primeiros contatos estão sendo por videochamada. Meu filho talvez cresça alguns centímetros e engorde alguns quilos antes de conhecer pessoas muito importantes para ele."

É consenso entre todas essas mulheres ouvidas por Universa: se puder, fique em casa. Para quem já passou por outros isolamentos, esta quarentena não parece diferente. Segundo elas, mulheres, sobretudo, têm um grande poder de resiliência, que agora precisa ser usado. E elas acreditam: tudo isso vai passar.