Tédio, controle e higiene: eles contam porque rasparam cabelo na quarentena
A cena em que enfermeiras e médicas chinesas cortam e até raspam os cabelos para manter a higienização durante a batalha contra a covid-19, infecção causada pelo novo coronavírus, emocionou muita gente. Dentro de casa, durante o isolamento social, cortar os fios e a franja se tornou um momento de escape nesse momento tenso de pandemia. E há quem vá além: existe uma tendência nas redes sociais de gente que decidiu raspar os cabelos.
Há muitas motivações que levam pessoas a ligarem a maquininha: pode ser a vontade de tentar algo novo já que não precisará sair de casa, a busca por um momento de autoconhecimento, evitar o risco desnecessário de contaminação pelos fios, para sentir que está com as rédeas das próprias vidas nas mãos e até, porque não, combater o tédio.
Universa conversou com alguns "quarenteners" que tomaram a decisão de raspar a cabeça. Veja os relatos a seguir:
"Meu cabelo era um tipo de capricho pré-quarentena"
"Quis passar a máquina porque não poderia ir até o salão. O meu cabelo estava crescendo e estava ficando esquisito. Não estava me sentindo tão bonita. E, como eu não poderia retocar a raiz do meu cabelo, que era descolorido, decidi dar um tempo para ele.
Pensei que também seria massa para, caso eu tivesse que ir ao mercado ou fazer algum serviço urgente, não precisaria ficar preocupada em tê-lo caindo na cara e acabar tocando nele e, consequentemente, no meu rosto. Seria mais higiênico.
Tive a ajuda do meu namorado na hora de passar a máquina.
Fiquei com um certo orgulho de fazer isso, de não ter medo de inovar no meu visual. Foi muito libertador, por que foi um desprendimento do que estava vivendo antes da quarentena.
Eu me preocupava com a aparência por causa do meu emprego, por eventos sociais. O cabelo era um capricho. Agora, na quarentena, estou me reacostumando com minha beleza natural. Não estou me preocupando com make, o que está fazendo bem para a minha pele. Na hora que eu raspei, fiquei muito feliz com aquele momento. Pensei: 'é isso aí, este é o meu corte de cabelo da quarentena'. Estou adorando, é muito mais prático.
O engraçado é que fiz isso há alguns dias. Desde então, percebi que estamos vivendo um momento tão singular, que a ousadia é necessária para driblar o tédio."
Aileen Rosik, 30, consultora de marketing digital
"Queria sentir que estava no controle da vida"
"Há um mês, fora da quarentena, eu estava com vontade e quase raspei, mas em cima da hora eu desisti.
Fiquei muito apreensiva. Sempre sentia o medo, mas agora, depois de raspar o cabelo, não senti medo nenhum, apenas curiosidade.
Eu me senti extremamente livre, no controle. Já não estava mais com medo do que os outros iam pensar.
O que fez eu tomar essa decisão nessa quarentena foi o fato de que estou em casa, sem contato com as pessoas, então você se sente mais corajoso de tentar uma coisa nova, diferente. Se você não gostar, ninguém vai ver, vai ter tempo para crescer o cabelo. Você se sente protegido em casa, então pode ser mais ousado. E também tem o fator tédio, já que cabeça vazia é oficina do diabo.
Precisava de uma novidade no meu dia, algo novo para lidar. Na quarentena, eu estava me sentindo muito feia. Sem pegar sol, com o cabelo sem corte, ele estava esquisito. Tentei cortar com a tesoura, mas não deu muito certo. Buscava alguma coisa que melhorasse minha autoestima. E mudar o cabelo também é uma forma de completar ciclos. Então raspei a cabeça também como uma maneira de me sentir no controle, saber de que eu tinha um poder sobre minhas escolhas e decisões. É algo de que estava precisando muito nesse momento de quarentena, porque estava um pouco desesperador."
Elisa Tannure, 27, designer de interiores
"Precisava mudar para não ficar doido"
"Já tive o cabelo raspado em 2014, quando meu pai estava fazendo quimioterapia. Mas, dessa vez, raspei o cabelo e a barba por impulso. Sabe quando você não tem muito o que fazer e quer uma mudança? Fui dispensado do trabalho no começo da quarentena, então meus dias estavam sendo sempre a mesma coisa. Fico em rede social, vejo televisão, durmo e como. A TV está passando os mesmos programas, a timeline tem sempre as mesmas publicações, as notícias são sempre as mesmas. Eu precisava ter alguma alteração para não ficar doido. Nem que fosse para olhar no espelho e ver que algo mudou.
Raspei a cabeça achei ok. Sempre fui desapegado do cabelo. Mas pensei que agora tirar também a barba traria impacto. Estava havia cinco anos com ela, era um bom momento para tentar me ver sem pelos. Por estar de quarentena, não teria que sair de casa caso não gostasse do resultado.
Fui passando a máquina zero. Na hora, fiquei me perguntando o porquê de eu estar fazendo aquilo. Não foi um arrependimento, mas foi esquisito. Quando terminei, não me reconhecia porque fazia muito tempo que não via meu queixo. Até agora não sei se gostei do resultado. Por uns quatro dias, eu me via no espelho e ficava me perguntando quem era aquela pessoa. Depois de uma semana, comecei a me acostumar e me pego pensando: 'Então este é o meu rosto?'".
Gustavo Pessanha, 30, publicitário
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