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Por que encanamos com ganho de peso no isolamento? Especialistas comentam

Marcela Kotait é nutricionista especialista em Transtornos Alimentares e Obesidade: "É compreensível alguns quilinhos" - Divulgação
Marcela Kotait é nutricionista especialista em Transtornos Alimentares e Obesidade: "É compreensível alguns quilinhos" Imagem: Divulgação

Nathália Geraldo

De Universa

25/04/2020 04h00

Pedir um lanche por aplicativos de delivery, com os devidos cuidados, fazer bolos e quitutes no final da tarde, sentir uma vontade (incontrolável) de encomendar cento de salgadinhos de festa fritos na hora. O que estamos comendo durante o período de isolamento social— fundamental para achatarmos a curva de contágio e para a saúde coletiva - pode ser muito diferente do que estávamos habituados.

Fato é que a pesquisa no Google por "engordar na quarentena" com, até agora, 347 mil resultados, revela um medo que recai sobre boa parte das pessoas: que número a balança vai registrar quando acabar o isolamento?

A preocupação, diz a nutricionista especialista em transtornos alimentares e obesidade Marcela Kotait, no entanto, não deveria ser essa.

"É muito compreensível ganhar alguns quilinhos agora. É que as pessoas não contextualizam a própria vida e tornam glamoroso o ato de manter a vida como se nada estivesse acontecendo. Nossas emoções estão à flor da pele; realmente, dá mais vontade de comer", explica a nutricionista, que também é coordenadora do Ambulatório de Anorexia Nervosa, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ambulim-HC FMUSP).

Comer é emoção

Vanessa Tomasini - Divulgação - Divulgação
"O corpo da mulher sempre foi muito monitorado: ele precisa ser jovem, bonito e magro", diz a psicóloga
Imagem: Divulgação

Cansaço, angústia, medo, incertezas frente à pandemia e seus desdobramentos atingem a saúde mental de quem está isolado, profissionais de saúde, pessoas em situação de vulnerabilidade social, homens e mulheres.

Acontece que, como explica a psicóloga clínica Vanessa Tomasini, que atua há 18 anos na área de comportamento alimentar, tais emoções e sensações se conectam direto ao hábito de escolhermos o que vamos colocar no prato; para mulheres, diz, o quadro se agrava justamente por vivermos em uma sociedade em que a pressão estética sobre o corpo feminino é mais latente.

"Estamos desajustados em muitos sentidos, e é natural que isso altere nossa alimentação. Só que o corpo da mulher sempre foi muito monitorado: para os 'padrões', ele precisa ser jovem, bonito e magro. Por isso, corresponder a isso, mesmo em um momento adverso, continua sendo uma questão para a mulher".

É preciso um olhar de gentileza para si própria, afirma Vanessa, especialmente entre aquelas mulheres que são oprimidas por padrões estéticos, mas as que acumulam outras dores, como da gordofobia e dos transtornos alimentares. "Esse último grupo tem ainda mais dificuldades, porque pode estar em uma casa em que os familiares não entendem bem o que acontece", analisa a especialista, que também é criadora do projeto #VcTemFomeDeQuê?, que promove informação sobre relação com a comida virtualmente.

Vontade de comer no isolamento: o que fazer

Mulher comendo pizza engordar na quarentena - domoyega/Getty Images/iStockphoto - domoyega/Getty Images/iStockphoto
Refeições não planejadas podem estar associadas ao "comer emocional"
Imagem: domoyega/Getty Images/iStockphoto

Para quem tem sentido desejo "de comer a casa inteira" neste momento de confinamento, diz Marcela, perceber a mudança na rotina alimentar - e de atividades, no geral - vale mais.

"A vida se tornou quase um BBB, e existe uma mudança estrutural no nosso dia a dia: estamos naturalmente nos movimentando menos, por exemplo, mesmo se ainda estivermos fazendo exercícios físicos. É preciso, no entanto, evitar o comportamento permissivo em relação à comida: não usar a justificativa de que 'já que' vai pedir um hambúrguer, pedir também um mil shake, uma sobremesa. É preciso planejar isso, reservá-lo para um sábado, por exemplo; e na segunda-feira, optar por arroz, feijão, salada e, se comer, alguma carne".

A nutricionista aponta ainda que frases aparentemente motivacionais como "não desconte na comida", "mantenha seus exercícios físicos" podem, na verdade, ser ciladas dentro desse contexto.

"Isso vem do fato de que o corpo magro é mais valorizado; parece que quem é magro é mais feliz e saudável. Não é necessariamente, mesmo porque o corpo não determina valor pessoal e, isolado, nem saúde", analisa.

Estratégias de cuidado com a alimentação

Ok. Entendi que engordar na quarentena é normal. Mas como manter, então, uma relação boa com a comida neste período? A seguir, Marcela Kotait comenta sobre algumas estratégias para isso:

  • Escolha comida "de verdade"

Além de não pular as refeições, opte por comidas de verdade. "Arroz, feijão, salada e, para quem come, carne, no almoço. Se for possível, tente se aproximar de alimentos in natura. Um exemplo: a espiga de milho é in natura, o milho enlatado é um alimento processado e o Fandangos, um ultraprocessado. Se for necessário, prefira o milho na lata ao Fandangos".

  • Identifique se o ato de comer é "emocional" ou "emocionado"

"Fundamentalmente, o comer 'emocionado' acontece quando a comida faz parte da situação: a gente come porque está feliz, por exemplo. Agora, o comer 'emocional' é sem contexto; é quando a pessoa não consegue lidar com uma emoção, está com medo, triste, e aí, busca algo para mastigar".

  • Regule seus hábitos alimentares: planejamento é tudo

Pedir uma pizza e fazer o bolo não são um problema. "O importante é se planejar para isso. Se permitir comer de tudo. Mas não cair no comportamento permissivo", diz Marcela. Ele está entre as condutas comuns relacionadas à comida:

A de proibição: "Nunca vou comer nada for do que eu considero certo"
A de permissividade: "Vou pedir o cento de salgadinho mesmo, porque estou cansada"
E a de permissão: "Em vez de pedir tanto salgado, vou pedir um para comer enquanto assisto a um filme".

Essa última, orienta a nutricionista, é a que mais se aproxima de um equilíbrio com o ato de comer. "Quando você se permite, não fica pensando o tempo todo naquilo e come sem culpa".

  • Aproveite o isolamento para se conectar com o corpo

Selecione melhor o que comer, contemplando os grupos alimentares indicados por nutricionistas. Siga ainda dois sinais básicos: o da fome e o de saciedade.

  • Atenção a quem tem transtornos alimentares, compulsão

Especialista no atendimento a esses pacientes, Marcela afirma que o período de isolamento pode ser desafiador para quem sofre com esses transtornos. "Há mais tempo para se dedicar ao pensamento obsessivo em relação à comida e ao peso e, possivelmente, mais interferência da família. Nestes casos, são indicados atendimentos on-line de psicólogos e nutricionistas.