Topo

Registros de violência doméstica diminuem, mas isso não indica menos crimes

Apesar da diminuição dos boletins de ocorrência, especialistas concordam que casos devem aumentar - Getty Images/iStockphoto
Apesar da diminuição dos boletins de ocorrência, especialistas concordam que casos devem aumentar Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

De Universa

28/04/2020 13h21

Alguns estados brasileiros divulgaram dados sobre crimes cometidos durante a quarentena e apresentaram queda nos registros de ocorrência de violência doméstica em março, mês em que os brasileiros começaram a adotar o distanciamento social.

Ao mesmo tempo, entidades nacionais e órgãos como OMS (Organização Mundial da Saúde) e ONU (Organização das Nações Unidas) alertam, desde o início da pandemia, para o aumento das agressões contra mulheres em casa, justamente por causa do confinamento.

Embora pareçam discordantes, essas duas informações refletem a realidade: com a convivência intensificada na quarentena, a chance de aumento de tensão e, consequentemente, de agressão, aumenta. Mas, vivendo como refém de seus agressores, as mulheres não conseguem ir até a delegacia denunciar. Daí vem a queda nos boletins de ocorrência.

Queda foi de 31% no RJ; em SP, de 9%

Dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro na sexta-feira (24) mostraram redução expressiva nos números de crimes registrados sob a Lei Maria da Penha em março de 2020 em comparação ao mesmo mês do ano passado: foi de 6.849 para 4.745, uma redução de 31%.

Em São Paulo, a mesma análise aponta redução de 9%: de 4.753 registros de lesão corporal dolosa em março de 2019 para 4.329 no mês passado.

Outros estados também apontaram a mesma tendência. Em Minas Gerais, a Polícia Civil informou redução de 13% nas denúncias de violência doméstica. No Ceará, de 20 de março a 13 de abril, houve queda de de 49,2%. Também no Paraná houve diminuição de registros de 38%, na comparação entre as duas últimas semanas do mês de março.

Denúncias fora de delegacias aumentam

Silvia Chakian, promotora do Gevid (Grupo de Enfrentamento da Violência Doméstica) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), ressalta que é preciso ter cautela com todas essas estatísticas que estão surgindo, porque elas podem mascarar a subnotificação.

Lembra, ainda, que outras pesquisas mostram um aumento de casos, como o Ligue 180, que teve 17% a mais de denúncias de violência doméstica desde o início da quarentena. Essas ligações não viram, necessariamente, registros policiais.

Também uma pesquisa do próprio MP-SP apontou maior número de vítimas: houve um acréscimo de 29,2% de medidas cautelares em fevereiro e março de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. Prisões em flagrante, também para situações de violência doméstica, subiram 51,4%. Essas ações são feitas pelo Ministério Público, e não pelas delegacias.

Assistentes sociais, psicólogas e outras profissionais consultadas por Universa que lidam diretamente com mulheres vítimas também atestam que os pedidos de ajuda informais — principalmente por Whatsapp e Facebook — têm aumentado gradativamente.

Medo, desconhecimento e falta de orientação jurídica

A advogada Isabela Del Monde, especialista em violência doméstica e integrante da Rede Feminista de Juristas, acredita que a explicação para a diminuição dos registros passa, primeiro, pelo sentimento de medo.

"Vem da dificuldade de realizar uma denúncia em um momento em que a vítima muito provavelmente não tem outro lugar para ir que não a casa onde mora com o agressor. Evidentemente, é um momento de muito mais medo em denunciar e por isso essa queda não espanta", diz.

Além disso, ela cita o desconhecimento da possibilidade de fazer B.O. online, agora disponível para violência doméstica em diversos estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, e a ausência de orientação jurídica de forma acessível e rápida fornecida pelo estado.

"Todos os obstáculos que as mulheres encontravam antes se agravaram, porque agora elas não podem nem se distanciar fisicamente do agressor — claro, deveriam poder se fôssemos um país que investe em política pública para mulheres", diz Isabela.