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Ex-BBB Ariadna fala da perda da tia para a Covid-19, estupro e preconceito

A ex-BBB Ariadna Arantes foi a única mulher trans a participar do reality - Instagram @ariadnaarantes
A ex-BBB Ariadna Arantes foi a única mulher trans a participar do reality Imagem: Instagram @ariadnaarantes

Luiza Souto

De Universa

06/05/2020 04h00

Quando a única participante transgênero do reality "Big Brother Brasil" veio passar uma temporada no Brasil, em fevereiro último, a pandemia provocada pelo novo coronavírus não tinha chegado nem em Campânia, na Itália, onde vive há 9 anos, nem aqui, seu país de origem.

De volta à Europa há duas semanas, Ariadna Arantes, 35 anos, hoje vive o luto à distância pela perda de duas amigas para a Covid-19, incluindo uma tia, e diz que por causa da quarentena conta com o auxílio de 600 euros (3,6 mil reais) do governo, dado a trabalhadores autônomos ou temporários, sem previsão de voltar a atuar como maquiadora e micropigmentadora. Ela tem a cidadania italiana.

Além de criticar quem fura a quarentena, como a própria irmã — a quem expôs num desabafo no Facebook — , a influencer, que tem 595 mil seguidores no Instagram, falou com Universa ainda sobre os preconceitos contra o público LGBTQ+, como a restrição à doação de sangue: ela mesma fez uma em janeiro último.

"Não perguntaram minha sexualidade. Nada", afirma Ariadna.

Perda para o coronavírus

Era madrugada do último domingo no Brasil quando Ariadna soube que a tia do lado paterno da família havia morrido vítima do novo coronavírus. Moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Vera tinha 53 anos e problemas renais. Deixou duas filhas, de 35 e 32 anos.

"Não é uma gripezinha. Não é uma bobagem. E vocês só vão entender quando alguém próximo a vocês, alguém que vocês tanto amam, for a vítima", ela desabafou nas redes.

Logo após o post, Ariadna escreveu outro desabafo, reclamando que sua irmã caçula, de 23 anos, não estava respeitando a quarentena. A jovem mora em Guadalupe, na zona norte carioca, com a mãe das duas, de 56 anos e passado recente de AVC, e a avó, de 80, que tem Alzheimer.

Após confusão entre as duas, o post foi apagado. Ariadna tem ainda mais outros três irmãos. Dois deles apresentaram sintomas da Covid-19.

"Uma hora ou outra vai bater no coração. Na família da minha tia eram todos bolsonaristas, e agora estão passando por isso. Quando a doença entra na família, as pessoas talvez se conscientizem sobre a necessidade de ficar em casa. Ninguém vai morrer ficando preso por alguns meses. Tem jeito para tudo, menos para a morte", disse ela, referindo-se ao fato de eleitores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defenderem o fim do isolamento.

Doações para pessoas trans

Ariadna elogia a iniciativa de artistas brasileiros que estão fazendo lives para arrecadar fundos e, assim, ajudar o público mais vulnerável socialmente, que está sem trabalho — entre eles, pessoas trans. Fala, inclusive, que não vê nada parecido onde mora. E aproveita para lembrar que é hora de "olhar para todos os grupos em conjunto, seja mulher, LGBTQ+ ou outros que ainda são considerados minoria", dita ela, expulsa de casa aos 14 anos por causa da sexualidade.

Ela inclui aqui a importância de se rever, por exemplo, as normas que restringem a doação de sangue por homens gays. No Reino Unido, pesquisadores do NHS, que é o sistema público de saúde de lá, estão em busca de doadores de plasma recuperados da Covid-19 para ajudar na batalha contra a doença. Pelas regras, no entanto, os homens gays e bissexuais só podem participar caso a última relação sexual tenha acontecido há mais de três meses.

No Brasil, esse tempo sobe para 12 meses. Na Itália, não há limite de tempo, mas é preciso preencher um questionário no qual deve ser notificado se houver comportamentos para risco nos últimos quatro meses, independentemente da sexualidade. A doação de sangue por homens gays geralmente fica a critério do centro de transfusão.

A carioca de Irajá que, lembrando, não é gay, mas mulher trans, doou sangue em janeiro, na Itália.

"Essa coleta foi feita na rua, por uma unidade móvel. Estavam desesperados por doações. Apenas informei meus dados como CPF. Não me perguntaram absolutamente nada, e ainda mandaram o resultado do exame que fizeram do material", ela descreve.

"Eu não tinha nada e provavelmente usaram meu sangue em quem estava precisando, sem ligarem para minha orientação sexual. Somos seres humanos. Qual a diferença entre um casal gay e um hétero que transou dias antes de doar? Sexo é sexo", ela observa. "O Brasil ainda é muito preconceituoso. Por isso nunca tive coragem de voltar".

Tentativa de estupro

Outra coisa que Ariadna diz afastá-la de seu país natal é a violência de gênero do Brasil. Há dois anos, ela conta, sofreu uma tentativa de estupro durante um banho de cachoeira, em Santo Aleixo, Magé, na Baixada Fluminense.

"Estava com três sobrinhos, de 12 e 14 anos, e um amigo. Num determinado momento, me afastei deles cerca de 400 metros e me deparei com um homem já com as calças no joelho, se masturbando e correndo atrás de mim. Consegui fugir e encontrar o grupo", ela relembra. "Nunca vivi uma situação como essa, e nem consegui fazer B.O. (boletim de ocorrência)."

Lembrando que para denunciar um crime de violência contra a mulher, além de buscar uma delegacia, a vítima pode ligar para o Disque 100 e o Ligue 180, que funcionam diariamente, 24 horas por dia. Recentemente, por causa da pandemia do coronavírus e do isolamento social, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou o aplicativo Direitos Humanos BR, para registro de denúncias. O site ouvidoria.mdh.gov.br também disponibiliza atendimento a vítimas.