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Menos make, menos cachos: quarentena reduz consumo de produtos de beleza

Cabeleireira atende cliente em um salão de beleza após abertura do comércio na Alemanha - Getty Images
Cabeleireira atende cliente em um salão de beleza após abertura do comércio na Alemanha Imagem: Getty Images

Elisa Soupin

Colaboração para Universa

07/05/2020 04h00Atualizada em 07/05/2020 12h31

Menos creme hidratante, definidor de cacho, mousse para o cabelo e maquiagem. O isolamento social necessário para conter a Covid-19 e a falta de contato com o mundo exterior estão impactando diretamente o consumo feminino.

Uma pesquisa da Nielsen, consultoria especializada em análise de mercado, mostrou que o setor de higiene e beleza foi o que apresentou a maior queda entre quatro áreas pesquisadas. Produtos como pós-xampu, em que se enquadram os os tratamentos capilares, são os que as brasileiras mais vêm deixando de lado, com uma diminuição de 26% nos gastos, quando comparado com o mesmo período do ano passado.

Itens de maquiagem também apresentaram queda. Apenas produtos mais básicos dentro do setor de beleza, como papel higiênico e fraldas descartáveis, se mantiveram em alta, tratados como prioridade durante a pandemia.

Segundo uma pesquisa da Kantar, consultoria de tendência de mercado, são as mulheres que estão tendo a rotina mais impactada com a quarentena e isso se reflete diretamente nos artigos direcionados a elas.

De acordo com dados pesquisados em 2019 que comparam a rotina de beleza de mulheres que trabalham fora com as de que trabalham de casa, a maquiagem é o setor com maior queda nas compras. A empresa acredita que o cenário também se aplique à pandemia, quando muito mais profissionais estão trabalhando remotamente.

Em março deste ano, até um item básico feminino apresentou queda de vendas: a compra de absorventes íntimos caiu 34%.

Menos lavagens de cabelo e fim da depilação

Segundo a Kantar, há 15 categorias mais impactadas pela redução do consumo feminino, enquanto as categorias masculina são 7. A PhD em antropologia de consumo Hilaine Yaccoub destaca que a compra de produtos de beleza tem significados distintos para homens e mulheres.

"Para os homens, muitas vezes o xampu que está no box é um produto comunitário. Enquanto para as mulheres há uma curadoria de produtos, de performances, do prazer do uso, das sensações simbólicas e emocionais ao usar uma fragrância, do toque de um batom na boca e dos signos que ele carrega para ela mesma e para o mundo", explica.

Raquel Nascimento - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Raquel Nascimento, que reduziu as lavagens dos cabelos
Imagem: Arquivo Pessoal
A engenheira de produção Raquel Nascimento, 26, do Rio de Janeiro, mudou radicalmente a rotina de cuidados com o cabelo depois de entrar em quarentena.

"Antes, ia para a academia e lavava os cabelos todo dia. Agora, estou lavando uma vez por semana ou quando saio. Continuo cuidando do rosto porque tenho rosácea, então é um tratamento. Maquiagem nunca mais usei e depilação, por exemplo, mudou. Não estou ligando para os pelos crescendo", disse ela.

Assim como Raquel, de acordo com o estudo da Kantar, as americanas reduziram os cuidados com os cabelos e estão lavando menos os fios. Na China, houve até mesmo uma campanha #NoHairWash nas redes sociais.

Hilaine Yaccoub acredita que, em um momento de crise como o que a sociedade experimenta, há uma mudança de valores.

"Enquanto estamos nessa fase crítica de instabilidade e rotina massacrante, estamos lidando com a urgência do agora, e, nesse ponto, o sabão em pó, o cloro, o álcool, a comida das crianças criaram uma ruptura do que estávamos acostumadas. O home office e o medo de sair às ruas deixou certos comportamentos para um segundo plano. Para fazer comida e encarar um tanque não é preciso usar batom, muito menos máscara de cílios", diz ela.

Raquel conta que deixar os cabelos baguçados ou trabalhar de pijama não combinam com cuidados que se tem quando se sai à rua. "Quando a gente vai sair de casa, a preocupação em se arrumar é muito maior. Tem todo um ritual", diz ela.

Depilação, lâmina - Getty Images - Getty Images
Depilação é um dos rituais que mulheres relatam terem abandonado durante o isolamento
Imagem: Getty Images

A pesquisadora em estudos de gênero Beatriz Rodrigues, doutoranda em ciência política pela USP, lembra que a mulher sofre uma sobrecarga de funções acentuada durante a pandemia.

"As pessoas estão focando o orçamento em itens básicos, como alimentação, sem os supérfluos. Além disso as mulheres de classe média, que contavam com empregadas domésticas, estão agora responsáveis pelas tarefas domésticas e estão sobrecarregadas. Se a mulher é mãe, tem ainda menos tempo para fazer outras atividades e os cuidados deixam de ser uma prioridade", diz.

Mercado de beleza pós-pandemia

Hilaine acredita, no entanto, que essas mudanças de comportamentos de consumo não devem perdurar após o isolamento, porque investimos anos até nos acostumarmos com determinada marca ou ritual de beleza -e abandonar essa rotina não é simples

"Se cuidar no campo do bem-estar e da beleza abarca elementos simbólicos bastante complexos para além do simples uso, como: cuidado, autoestima, sucesso, empoderamento, inclusão social, ser minha melhor versão, lutar por si mesmo", diz ela.

Rachel Barros - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Rachel Barros, que mudou suas rotinas de beleza
Imagem: Arquivo Pessoal
A fotógrafa Rachel Barros, 31, planejava grandes rituais durante a quarentena. Passado mais de um mês em casa, porém, ela conta que não colocou nada em prática. Entre os processos logo abandonados estão depilação e a redução na frequência de lavagem do cabelo.

"A sobrancelha eu não sei fazer, então não vou mexer para não estragar, assim como o cabelo. Algumas coisas eu faço porque eu gosto: pinto a unha porque é uma coisa que eu gosto de fazer, então eu faço. Mas a quarentena está me dando muita preguiça." Se esse padrão veio para ficar? "Eu amo sair. Não vejo a hora de ir no salão", diz ela.

A pesquisadora Beatriz Rodrigues sugere uma reflexão sobre os esforços que empregamos para estarmos arrumadas para o mundo. "É hora de entender o que é uma cobrança da sociedade e o que fazemos por nós mesmas. E que as pessoas estejam livres para se arrumar se gostarem e que, se não gostarem, não sintam obrigação, afirma.