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Grupos nas redes sociais viram meio de conforto para mulheres em isolamento

Grupos são espaço para verbalizar sentimentos e conviver com outras mulheres ansiosas, mesmo que de forma virtual - iStock
Grupos são espaço para verbalizar sentimentos e conviver com outras mulheres ansiosas, mesmo que de forma virtual Imagem: iStock

Jessica Arruda

11/05/2020 04h00

Ansiedade, angústia, medo, tristeza, depressão e sensação de perigo iminente estão entre os principais efeitos psicológicos do isolamento social. Nas mulheres, todos estes sintomas podem ser potencializados com a tripla jornada diária em casa - trabalho, cuidado com os filhos e tarefas domésticas. Para aquelas que já sofriam com estes transtornos emocionais, enfrentar a quarentena se torna ainda mais desafiador.

Foi a necessidade de conversar com outras mulheres sobre a solidão da pandemia que levou a gaúcha Débora Rocha, de 34 anos, a criar um grupo intimista no Facebook. O Deprê Club possui pouco mais de 50 integrantes, mas recebe diariamente desabafos sobre crises de ansiedade. "A dificuldade da maioria é ter com quem compartilhar e dividir as angústias. Assim como eu, percebo que elas também oscilam dias críticos com dias mais estáveis. Vejo que rola empatia, mesmo entre desconhecidas", explica. Débora conta que sua saúde mental piorou com o distanciamento social.

Grupo pequeno e privado, para a conexão ser mais pessoal

A designer sofre de ansiedade e depressão desde os 18 anos e faz terapia desde então. "Aos olhos de muitas pessoas isso era visto como frescura. Só com o tempo fui aprendendo a encarar o problema de forma séria, já que estes transtornos passaram a afetar minha vida e relacionamentos". Entre períodos tranquilos e momentos de não conseguir levantar da cama, Débora teve mais um baque emocional há pouco mais de um ano, quando passou pelo processo de término do casamento.

Com a pandemia, todos estes sentimentos negativos vieram à tona, mas ela se convenceu que esconder estas dores não seria a melhor solução. "Percebi que outras mulheres estão passando pela mesma situação, que entendem o que eu digo. É um grupo de apoio privado, uma comunidade pequena só com mulheres. Desta forma, é possível manter as conversas de forma mais pessoal e saudável", acredita Débora, que também segue com acompanhamento de psicólogos todas as semanas.

Integrante do grupo, a comerciante Cecília Capovilla, de 45 anos, encontrou na comunidade um espaço para verbalizar os sentimentos e conviver com outras mulheres ansiosas, mesmo que de forma virtual. "Tive síndrome do pânico em alguns períodos da vida e a quarentena serviu como gatilho que abalou minha saúde emocional. Tudo isso, somado ao meu comércio fechado, contas chegando e isolamento social, desencadeou crises de ansiedade nas últimas semanas", desabafa. "Como o grupo é pequeno, tem mais afeto e a troca é muito grande. Às vezes, quando não estou aguentando mesmo, traz um alivio mais rápido que uma conversa com amigos mais próximos", completa.

Para a psicóloga Bia Sant´Anna, com uma rede de apoio virtual a pessoa se sente acolhida e entende que não é a única a passar por determinada dificuldade. Além disso, consegue escutar os problemas de outras mulheres com questões semelhantes e soluções novas que podem ser colocadas em prática. "Muitas vezes, o simples fato de falar sobre o problema e se ouvir já é terapêutico. Quando conversamos com pessoas com os mesmos desafios, nos sentimos menos sozinhos e muito mais compreendidos", explica.

Profissionais de saúde mental também usam redes sociais para oferecer ajuda

Na contramão do Deprê Club, existem grupos maiores e públicos administrados por profissionais da área. O Quarentena: Mantendo a Saúde Mental em Dia também surgiu em meio à pandemia com o intuito de oferecer suporte emocional às pessoas que estão sofrendo com o isolamento social. Administrado pela psicóloga Daniela Jungles, de Curitiba, o grupo terapêutico traz uma dose de motivação para enfrentar a pandemia - e já pensando também nas vivências no período pós-coronavírus.

"Quase todos os posts nascem de uma pergunta ou desabafo de um participante do grupo. Mais do que nunca, precisamos falar sobre saúde mental. Certamente a Covid-19 é uma ameaça à saúde pública, mas não vamos esquecer que a solidão é outra", afirma Daniela. Há um cuidado extra com os conteúdos disponibilizados, sempre com uma mensagem de esperança e apoio, mas sem perder o foco do momento difícil que gera todo este desgaste emocional.

É um grupo com mais de 700 pessoas e que atende o público em geral. Mas a psicóloga ressalta que sim, as mulheres são a maioria. "As mulheres têm mais facilidade em falar dos problemas e expressar os seus sentimentos, enquanto os homens ainda sofrem mais pressão da sociedade na hora de expor fragilidades", diz.

A psicóloga Fátima Marques, do Rio de Janeiro, concorda: "no ano de 2020, ainda encontramos uma sociedade que coloca nas costas das mulheres a rotina da casa e dos filhos. Estes múltiplos papeis, somados à carreira, desestabilizaram emocionalmente a maior parte delas na quarentena". Elas já são responsáveis por mais de 70% dos atendimentos online disponíveis no grupo A Chave da Questão, que reúne psicólogos como Fátima e outros profissionais da saúde e oferece aconselhamento terapêutico de graça pela internet.

A comunidade no Facebook foi criada em meados de março, mas o site com o mesmo nome já existe há três anos. No início do isolamento social, em apenas 72 horas, o portal alcançou a marca de um milhão de acessos e cerca de 200 mensagens por minuto. O provedor chegou a cair. Hoje, pelas redes sociais, são mais de 300 atendimentos diários. Por mensagens inbox, chat e até vídeo chamadas, o grupo com 73 profissionais de todo país acolhe, orienta e, especialmente, escuta as pessoas em confinamento.

Com a popularização da comunidade que ganhou notoriedade nos grupos de Whatsapp, o grupo passou a disponibilizar dicas de alimentação e exercícios físicos para aliviar o estresse da quarentena. "Estamos vivendo claramente um luto, a perda de vínculo com situações e pessoas que estimamos. Muitas mulheres buscam ajuda para si mesmas, para enfrentar este luto. Outras representam a doença da família, procurando apoio para lidar com problemas emocionais dos filhos ou parceiros".