Topo

Transforma

Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Visitei uma UTI de pacientes com Covid: sensação de sufoco e morte iminente

Por seis horas, estive ao lado das enfermeiras que cuidam de pacientes com Covid-19 - Carine Wallauer/UOL
Por seis horas, estive ao lado das enfermeiras que cuidam de pacientes com Covid-19 Imagem: Carine Wallauer/UOL

Camila Brandalise

De Universa

12/05/2020 04h00

Repórter é um dos profissionais que não podem ficar em casa durante a pandemia do novo coronavírus. Temos que ir para lugares onde quem nos lê não pode estar, para contar histórias fundamentais. Com o objetivo de retratar a rotina das enfermeiras que trabalham diretamente com pacientes de Covid-19, visitei as alas de infectados pelo novo coronavírus em dois hospitais de São Paulo: o Hospital Israelita Albert Einstein e o Hospital Estadual do Ipiranga. Especialmente no segundo, pude abordar as enfermeiras à beira dos leitos e sentir um pouco da tensão e do medo enfrentados por elas dia após dia.

Antes de entrar, é preciso vestir todo o equipamento básico de proteção. Por cima da minha roupa, pus uma calça e um avental curto, ambos de TNT. Depois, um avental comprido e de manga longa. Então, a máscara N95, a touca, as luvas e a proteção de TNT nos pés. Peças bem semelhantes às usadas pelas enfermeiras. A diferença é que elas, muitas vezes, usam ainda um avental de plástico por cima das camadas de tecido e uma proteção de acrílico sobre a máscara.

Rasguei a luva na hora de colocá-la na mão direita, antes de entrar no pronto-socorro. "É bom para você sentir a pressão que a gente passa diariamente", me disse a chefe de enfermagem do Hospital do Ipiranga, Cristiane Guerra. Na noite anterior, sonhei que chegava ao hospital, ficava meia hora, conversava com duas pessoas e ia embora. Era esse o meu desejo: sair correndo.

Eu posso ser a próxima

Ver as pessoas em uma situação tão grave, sedadas e intubadas, e saber que estão há dias assim me fez ter a certeza de que não é só uma gripe e que eu posso, sim, ser a próxima a ocupar um leito de hospital. Até tento me tranquilizar: "Você é jovem e saudável, os sintomas serão leves." Mas e se não for assim? "Essa doença é uma roleta russa", me disse Cristiane.

Na UTI, a tensão se agravou. Depois de três horas usando a máscara N95 já estava difícil respirar. Nessa hora, eu também estava usando o protetor facial de acrílico, que ficou embaçado. Mas, para evitar o risco de contaminação, eu não podia encostar nele.

Se é incômodo usar uma máscara de tecido na ida ao supermercado, imagine o que é para as enfermeiras passar 12 horas trabalhando com essa paramentação. A roupa e os acessórios sufocam, restringem os movimentos e a respiração. São uma lembrança contínua de que estamos no meio de uma tragédia global — e de que alguém ao seu lado pode morrer a qualquer instante.

A tensão não é menor na hora de tirar o aparato: a maioria dos casos de contaminação acontece nesse momento. Eu estava tão agoniada para me livrar de tudo aquilo que já comecei errado. Enquanto retirava uma das luvas, Cristiane me chamou a atenção: "A luva é por último." Fiquei com ela presa na ponta dos dedos para garantir um mínimo de proteção, tirei a roupa de TNT e, só então, as luvas por completo. "Agora, por favor, lave a sua mão", ela orientou.

Conversa com enfermeira Roseneide Tunico - Especial enfermeiras - Avener Prado/UOL - Avener Prado/UOL
A enfermeira Roseneide Tunico, 52, faz uma pausa para a entrevista: demanda cresceu 70% em uma semana
Imagem: Avener Prado/UOL

Você pode ser mais forte

Passei mais de seis horas no Ipiranga e entrevistei oito mulheres, entre diretoras, enfermeiras, técnicas e auxiliares. Uma delas tinha acabado de perder uma paciente e chorou enquanto conversávamos. Todas disseram ter medo do que está por vir: o número de atendimentos vinha subindo muito — foi de 40 pacientes para 90 por dia em menos de uma semana — e continuava crescendo.

Como um das enfermeiras que entrevistei, também não contei à minha mãe que eu estava em um hospital com infectados pelo novo coronavírus. Mas, diferentemente dela, eu não precisaria voltar para lá no dia seguinte.

Uma semana após a visita, ainda me vêm à cabeça os olhares das mulheres com quem conversei, seus gestos, suas falas. Tive duas crises leves de ansiedade. Uma delas na sexta-feira (8), quando o Brasil teve 751 óbitos por Covid-19, número recorde desde o início da pandemia. Para tentar superar, me lembrava das profissionais que conheci, que estão muito mais expostas e continuam indo para o trabalho todos os dias. Também quero ter essa força.