Briga por homem, estereótipo: o que mudou desde 1ª estreia de Fina Estampa
Faz menos de uma década que 'Fina Estampa' estreou como novela das 9 pela TV Globo. Pode não parecer muito tempo, mas, com a volta da trama ao horário nobre em substituição à novela 'Amor de Mãe', fica evidente o quanto a sociedade brasileira se transformou desde que a trama foi ao ar pela primeira vez, em 2011.
Viviane Duarte é fundadora da plataforma Plano Feminino e presta consultorias com o viés feminista para agências de publicidade. Ela faz um paralelo da novela com a sua carreira: "Não é por acaso que, quando iniciei meu negócio, há 11 anos, quase quebrei. O mundo era completamente diferente, os interesses eram outros e a novela é um reflexo de como a população se comportava", afirma.
Como exemplo das transformações, especialistas refletem sobre personagens centrais da trama:
Teodora (Carolina Dieckmann)
A personagem é julgada por ter deixado o filho com a família paterna. "Ela passa por uma espécie de crucificação: é a bruxa, a mulher que abandonou o lar. Se estivéssemos no período da inquisição, ela certamente seria queimada na fogueira como a mãe desnaturada", aponta Viviane.
Já o ex-marido de Teodora, Quinzé (Malvino Salvador), aparece como herói por se dedicar ao filho. "Na época do rompimento, o personagem tinha uma rede de apoio, uma casa e familiares com quem poderia contar para ajudar na educação da criança, enquanto Teodora não tinha qualquer recurso. No entanto, pouco se discute qual teria sido o melhor caminho para o desenvolvimento infantil: a novela apenas enfatiza a mulher como tendo faltado com as suas obrigações", acrescenta a especialista.
Ela enxerga ainda alienação parental por parte de Quinzé em algumas das cenas, por não permitir que a mãe tenha contato com a criança. "Hoje em dia sabemos que os pais podem compartilhar a guarda dos filhos. Não é necessário fazê-los escolher entre um lado ou o outro."
Tereza Cristina (Christiane Torloni) e Griselda (Lilia Cabral)
Além de serem mulheres de personalidades e trajetórias opostas, a novela retrata também a disputa de ambas pelo mesmo homem.
"Se a história estivesse sendo escrita hoje, é provável que esta competição tivesse outro motivo, sem ser o afeto masculino", observa a psicoterapeuta Pollyana Esteves. Isso porque a independência feminina vem sendo cada vez mais retratada pelas produções culturais.
Viviane acrescenta que durante muito tempo a ideia de rivalidade foi alimentada entre as mulheres a fim de evitar o diálogo entre elas. "Enquanto uma não entendesse pelo que a outra estava passando, elas não perceberiam a anormalidade de situações envolvendo abusos, violências e exploração", diz.
"É triste quando essa situação é reforçada nas narrativas, porque ainda existem mulheres que não entendem a potência dessa união. Mesmo entre aquelas feministas, é comum haver rompimentos ou desentendimentos em função de um homem", completa.
Crô (Marcelo Serrado)
O espaço do personagem na trama é limitado à devoção pela patroa, Tereza Cristina. "Ele é caricato, desenhado. Isso não é positivo porque ajuda a costurar a ideia de que os homossexuais devem corresponder a um padrão", aponta Viviane. Também incomoda o fato de ele ser tão fiel à chefe, mesmo nas ocasiões em que é desrespeitado. "Se a relação fosse mais recíproca, seria possível explorar outras nuances de sua personalidade na história", opina.
Celeste (Dira Paes)
Apesar de trazer para a história a importante discussão sobre violência contra a mulher, é frustrante quando a personagem recebe o marido que estava na prisão por agredi-la novamente em casa e lhe serve o jantar. "Infelizmente esse comportamento ainda está presente em muitas casas. Não são todas as mulheres que conseguem romper o vínculo quando estão dentro de uma relação prejudicial para elas", aponta Pollyana.
Para Viviane, o problema de muitas personagens que retratam a violência doméstica está na romantização do agressor. "Ou ele era louco por ela e não sabia lidar com o ciúme, ou tem um histórico mal resolvido que justifica suas ações", diz.
"Muitas mulheres se veem inseridas em uma dinâmica perigosa ao não conseguirem se desligar de homens violentos e acabam vivenciando experiências ruins por causa disso. O importante é frisar sempre os caminhos possíveis para essa libertação em vez de focar no que poderia justificar a violência."
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