Como as gêmeas negras maranhenses Yara e Yacy Sá encantaram o mundo da moda
Faz mais de 30 anos desde que a top model Naomi Campbell ganhou status de celebridade mundial, abrindo um espaço até então inédito no mundo da moda para modelos negras.
Mesmo assim, a imagem da mulher de cabelos lisos e traços europeus tão apreciada na top britânica parecia ser inalcançável para meninas como as gêmeas maranhenses Yacy e Yara Sá, que sonhavam com a carreira de modelo quando adolescentes.
Quando eram pequenas, a mãe as levou para uma seletiva de modelos na cidade e elas foram excluídas de cara. Entre as escolhidas, havia apenas meninas pretas que tinham a pele mais clara. "Naquele tempo nosso perfil não era o desejado, negras de pele mais escura e de cabelo crespo, que não formava cachos", lembra Yacy.
Negras retintas, com a pele escura e feições mais proeminentes, as irmãs de São Luís passaram a acreditar que não era possível seguir a carreira de modelo, já que não viam mulheres como elas nas revistas de moda ou na TV. A ausência de representatividade nesses meios chegou a afetar a autoestima de Yara. "Fez com que não enxergasse beleza em mim", conta.
Infância difícil e formação universitária
Filhas caçulas de descendentes de quilombolas da região de Viana, no interior do Maranhão, e nascidas como Jacira e Jaciara Sá Santana, as duas tiveram uma infância cheia de dificuldades — daquelas de comer manga com farinha de mandioca como refeição do dia a viver sob constante ameaça de despejo.
A mãe Maria, agente penitenciária, trabalhava também como costureira para complementar a renda e criar os quatro filhos. Não foi à toa que as gêmeas buscaram uma formação universitária. Yara cursou ciência da computação na Universidade Federal do Maranhão. Trabalhou como programadora até passar em um concurso público em 2011.
Já Yacy se formou em nutrição pela mesma UFMA e também agarrou a chance de uma carreira estável em um hospital público. As duas eram as únicas negras em suas turmas da faculdade.
Elas contam que, mesmo formadas e com empregos estáveis, nunca desistiram da ideia de se tornarem modelos. "O foco era me formar e conseguir um bom emprego e condições financeiras para desengavetar os antigos sonhos", diz Yara.
A chance só veio em 2018, quando as irmãs, ao fazerem uma transição capilar para assumir os cabelos crespos, perceberam uma mudança nos padrões estéticos e a valorização da diversidade na moda. Yara vendeu o carro e, assim, elas tiveram dinheiro para comprar a passagem para São Paulo e dar início à guinada na vida.
"A falta de representatividade foi tão cruel por todo esse tempo que me cegou nesse quesito. Ela é uma das coisas mais cruéis que podem existir, uma vez que impede aquele que não se vê representado de, pelo menos, se projetar sob uma perspectiva positiva daquilo que deseja conquistar", reflete Yara. "Nos últimos anos, passei a olhar mais para mim e enxergar que havia beleza do jeito que eu sou, mesmo com a pele mais escura e o cabelo crespo."
Quebrando tabus
Além da barreira racial, as gêmeas ainda enfrentaram outro desafio: a idade. Ao contrário das new faces que surgem com 16, 17 anos, as duas conseguiram se estabelecer no mundo da moda só com mais de 30 anos. E se incomodavam quando tinham que omitir a idade para participar de um ou outro casting — mesmo com a genética favorável.
"Nossa aparência é incompatível com a nossa idade. Falavam como se tivéssemos 18 anos, ou 23. Então pensamos que não seria tarde para tentar. Decidimos tornar o nosso sonho real", explica Yacy, hoje aos 34.
O início não foi nada fácil: aceitavam fazer trabalhos com pouco cachê para construir um bom portfólio. As maiores dificuldades eram custear as despesas e continuar morando em São Paulo sem uma renda fixa. "Muitos viam a situação como um retrocesso, já que deixamos profissões que exigiam formação acadêmica para ingressar no trabalho de modelo. Tudo isso despertou em mim uma coragem que não sabia que tinha", diz Yacy.
Os resultados não demoraram a aparecer. As gêmeas conseguiram mais visibilidade com a campanha para a coleção Outono/Inverno 2019 da designer Paula Raia e desfiles na Casa de Criadores. A partir daí, vieram a agência Ford Models, desfiles no São Paulo Fashion Week, ações com marcas, editoriais de revistas e a capa da "Marie Claire" em setembro do ano passado.
"Com 30 anos, é o momento em que você está muito perto ou já chegou onde queria estar. Mas decidi tentar uma nova carreira justamente nessa fase, em que você já sabe quem é e o que quer", diz Yacy.
Mesmo com a quebra de barreiras em prol da diversidade nos últimos anos, as gêmeas perceberam que ainda há muito a ser feito. Especialmente no caso das negras retintas, vistas como exóticas em sua maioria.
"Achava que a abertura para a representatividade estava num processo mais amplo. Hoje vejo que ainda é pequena, mas que não é possível abrir mão do pouco que se conquistou sem lutar por mais", afirma Yacy.
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