Assim como casais, amigos que dividem casa sentem peso da convivência
Se o confinamento domiciliar provocou o ponto final em diversas relações amorosas, a convivência também não está sendo fácil para amigos que dividem apartamentos ou casas. Se antes a rotina de trabalho e a vida social faziam com que os "roomies" não precisassem partilhar tanto tempo juntos, agora, as tensões trazidas pela pandemia do novo coronavírus e a necessidade de ficar em casa mudaram drasticamente essa situação.
Juntos, mas cada um na sua
Os radialistas Ramon Félix, 31, e Cida de Jesus, 30, são melhores amigos e dividem um apartamento na Bela Vista, em São Paulo, há quase dois anos. Já viajaram juntos várias vezes e tinham tido outras experiências imersivas de convivência, mas dessa vez está sendo diferente.
Os humores estão mais instáveis, a situação, mais estressante. Mas eles vêm buscando manter o clima bom na casa. "A gente está bem. Há momento em que nos divertimos muitos, rimos, mas o bom humor está meio relativo, porque o clima é ruim", conta Ramon. "Nossas famílias moram em periferia, onde a galera se descuida mais, e estamos tensos com isso. A política e as pessoas desrespeitando o isolamento aumentam nosso nervosismo."
Entre as táticas para manter a boa convivência, os dois, que antes tinham rotinas de vida muito corridas e saíam muito, estão procurando respeitar o momento do outro. E tem dias que não tem muito papo. E tudo bem. "Tem dia que simplesmente não tem assunto. Às vezes cada um passa o dia mais no seu canto e depois vemos o jornal juntos e é isso", diz Cida.
O psicoterapeuta Wimer Bottura, presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática, avalia que é importante respeitar o espaço de cada um e diz que ficar quieto não deve ser encarado como algo negativo.
"Seguramente há mais necessidade do espaço de cada um, que pode ser uma coisa mais simbólica do que concreta. E tudo bem o silêncio, imagina ter que fazer sala para uma pessoa 24 horas por dia? O silêncio pode ser uma forma de mostrar a aceitação", diz o especialista.
"Divórcio" de morar junto na pandemia
Teve amizade, porém, que não aguentou a onda e "pediu divórcio" bem em meio à quarentena. A professora de inglês Claudia, que prefere ser não ser identificada, dividia a casa em São Paulo com mais quatro pessoas: o namorado, um casal de amigos e mais uma amiga.
Ela contou a reportagem, que a amiga enfrentava problemas e já havia tido algumas discussões com os outros moradores da casa antes da quarentena. "Sinto que a pandemia agravou tudo, porque tivemos que ficar presos dentro de casa. Creio que se a gente tivesse a oportunidade de sair, a maioria das situações de crise não teria acontecido, porque nos distrairíamos com a própria vida e trabalho", diz ela.
Foram tantas as brigas nas primeiras semanas de isolamento que o clima pesou. "Cheguei a ficar trancada no quarto o dia inteiro para não ter que cruzar com ela. Ficou insustentável", conta Claudia. A gota d'água foi quando a roomie decidiu trazer companhia para passar a quarentena com eles. "Era uma pessoa desconhecida de todos, que estava chegando de viagem. Nesse momento, vimos que não dava mais e ela teve que sair de casa."
A convivência intensa revela pontos que muitas vezes não estavam evidentes. "Uma coisa é conviver no trabalho, parte do dia em casa, ou no bar, em que a gente conhece aquilo que a pessoa mostra. Mas quando se convive intensamente como nesse momento, as pessoas passam a identificar as sutilezas do outro, que podem ser difíceis de aceitar", diz o psicólogo Wimer Bottura.
Experiência de amor e crescimento
Há casos em que a convivência entre as pessoas na casa harmoniza e faz até com que o período da quarentena seja melhor e mais leve. O que não impede, é claro, que de vez em quando, role um estresse, já que conviver demais é árduo mesmo para aqueles que se dão bem.
É o caso dos amigos Luiza Oak, designer de 27 anos, a atriz e professora Jessica Servian, também de 27 anos, e o cozinheiro Nico Santos, 26. Jessica e Luiza são namoradas e os três dividem uma casa em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
"A gente acabou se aproximando em alguns sentidos. No início da quarentena começamos a almoçar juntos, assistimos séries juntos e ficamos de preguiça juntos. Ultimamente, temos nos sentido um pouco mais reclusos e mesmo a casa sendo pequena, conseguimos ficar nos nossos espaços de uma boa", conta Jessica.
Os três estão tentando uma experiência de migrar para o veganismo durante o período da quarentena, o que os une. "Temos cozinhado bastante e essa é uma das coisas que mais gostamos de fazer juntos: comer", conta.
"A quarentena tem sido uma grande montanha russa na minha cabeça, mas são mais dias bons que ruins. E tenho certeza de uma das razões é ter as meninas comigo. Meu aniversário foi incrível graças a elas, meus dias são mais leves com elas. Ou, então, justamente por fazerem o extremo oposto e não estarem por perto quando eu também preciso que elas não estejam", diz Nico.
"Sempre resolvemos as questões de forma que não fique nenhuma coisinha incomodando", diz Jessica. O psicólogo Wimer Bottura destaca que é preciso cuidado na hora de dialogar sobre o que está incomodando. "A dica mais importante é em vez de procurar o erro do outro, o problema do outro, procurar refletir sobre o próprio comportamento, entender o que você está fazendo ou deixando de fazer para que aquela situação aconteça", indica.
Quando uma coisa incomodar, ela deve ser dita, mas sem tom acusatório, explica. "O diálogo é para a solução e não para convencer o outro de que ele errou. É preciso dialogar, também, admitindo a possibilidade de que o errado seja você", alerta o especialista.
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