Um app de meditação me ensinou a comer, rezar e amar. E me senti uma deusa
Com o isolamento social, trabalhando de casa, tenho buscado opções de aulas e experiências de meditação guiadas. Resolvi testar, por recomendação de uma amiga, o Insight Timer, um aplicativo de narrações, meditações e efeitos sonoros. A ideia é que ele me ajudasse a conseguir dormir mais rápido — porque, em boa parte dos dias, como para muitas pessoas, a ansiedade tem deitado ao meu lado. Não imaginava que o conteúdo encontrado ali, no entanto, me ensinaria a fazer coisas que já faço há um tempo por mim mesma: comer, rezar e amar.
Na primeira vez que entrei no app, dei de cara com uma categoria bem interessante: alimentação consciente. Na quarentena, engordei razoavelmente. Não tenho histórico de compulsão alimentar ou de transtornos alimentares. Mas a vontade de comidas mais calóricas — afinal, os apps para pedir comida também fazem muito sucesso na minha vida — aumentou. Hambúrguer, brigadeiro de panela no meio da tarde. Normal, como me disse a nutricionista Marcela Kotait que entrevistei para a matéria "Por que encanamos com ganho de peso no isolamento?". Foi ela, aliás, que me disse algo que ficou martelando na minha cabeça por semanas: como pode ser interessante se a gente fizer um ritual para nos alimentarmos, algo quase sempre perdido na minha rotina acelerada.
Por um alinhamento do Universo (que, eu sei, parece estar de cabeça para baixo), encontrei no app uma meditação que me ajudaria a comer doces conscientemente. Ou seja, não seria só rasgar a embalagem da barra de chocolate — que sempre tenho na geladeira —, cortar os quadradinhos com a mão e botar na boca. Não. Sentar na frente do chocolate e, primeiro, respirar.
Amar e rezar
Pensei que se havia uma voz me ensinando a comer, também haveria uma meditação para outro prazer: o do sexo. Como estamos em tempos de isolamento, ter um parceiro agora está fora de cogitação. "Mas, e se alguém me orientasse a descobrir isso por mim mesma, de um jeito novo?". Encontrei: com 13 minutos, uma meditação prometia "alinhar meus chacras ao unir a energia sexual celestial e terrestre".
Por que não? O que mais preciso agora, sem desconsiderar a maior crise de saúde dos últimos cem anos, é alinhar meus chacras e sentir amor correndo por meu corpo.
Deduzi que também seria fácil achar no Insight Timer uma meditação para me ajudar "a rezar", manter conexão com uma energia maior. Algo que sempre foi uma busca pessoal e que, no isolamento, se torna parte do kit básico de sobrevivência.
Comentei a possibilidade de viver uma expedição de autoconhecimento "Comer, Rezar e Amar" (alô, Julia Roberts) com minhas editoras. E elas adoraram. Testei, então, em três dias essa tríade que me sustenta — e, surpreendentemente, descobri com as meditações guiadas que tudo pode resultar em experiências mais profundas. Até uma deusa eu me senti. E eis o que o aplicativo me ensinou.
"Paz no caos" nem sempre é possível
Tantas coisas me afligem que, em alguns dias, os sentimentos parecem que não têm lugar para se acomodar. Por isso, quando dei o play na meditação "Paz no caos", imaginei que ela seria um bálsamo emocional Caí, no entanto, em um áudio com algumas interferências — barulhos de rua, uma notificação de mensagem de WhatsApp chegando — que não ajudaram a me concentrar. Seria a amostra de que nem na plenitude de uma meditação há perfeição e paz?
Apesar do detalhe técnico, a narradora Ananda Kalika Ishaya fala pausadamente sobre "se está no meio do caos, tudo bem; se está tranquilo, tudo bem". E isso me traz um pouco da serenidade que procurava.
Mais do que um guia de meditação, usei a mensagem como uma pílula de incentivo para enfrentar os dias difíceis. O que Ananda me disse, até em um tom bastante próximo, é que preciso parar de bater o pé e me irritar com o que está "fora de mim" e não tenho controle. Por outro lado, não me cobrar tanto. Achei um aprendizado inicial importante.
A meditação dá os comandos simples — respirar e fechar os olhos — que podem ser recomendações valiosas para muitas pessoas que estão desanimadas e precisando de ferramentas de autoconhecimento na quarentena. No entanto, não alcancei o estado de relaxamento que imaginava. Quis testar outras funcionalidades do app.
Chocolate experiencie
Fui à geladeira e peguei uma barra de chocolate já aberta, levei para o quarto, dei play na meditação "Mindful Eating na Compulsão por Chocolate". O narrador é Marcelo Anselmo, que diz que a experiência serve para quem é chocólatra, mas também pode ser feita com qualquer outra sobremesa.
Antes de tudo, ele pede para que eu me atente à minha respiração como uma "âncora" para aquele momento. Fecho os olhos. Desperta em mim a sensação: "Espera aí, estou fazendo tudo isso para quebrar um pedacinho e colocar na boca?". Como eu sou disciplinada, me mantenho na proposta.
A "Chocolate Experience", como diz Marcelo, quer provocar um autodiálogo. A primeira pergunta que me moveu foi: "Qual é o real estado da minha fome neste momento?". Honestamente, eu não sentia fome. Eram 11h30 da manhã, tinha tomado café e aguardava o almoço.
Mas, percebi que teria mais uma refeição ali no meio. Sim, o narrador chama o chocolate o tempo inteiro de "refeição". Achei engraçado, porque até ontem eu achava que o docinho se comportava mais como uma "recompensa emocional". Não o via, sinceramente, como comida.
Fora da geladeira, o chocolate foi derretendo e o aroma foi se acentuando. Salivei um pouco. Marcelo diz algumas palavras sobre como avançamos "como feras" em cima do doce. Eu lembro que, no dia anterior, havia tomado sorvete de chocolate com um pedacinho (generoso, como diria minha avó) daquela mesma barra de chocolate — e como aquilo me fez feliz!
No meio da meditação, ele sugere algo que seria uma tortura em qualquer outra situação: antes de mastigar aqueles quadradinhos, eu os cheirei, senti a textura nas mãos. Perto do nariz, a refeição parecia ser mais açucarada do que eu gostaria, mas, enfim, eu iria comer de qualquer jeito.
Olhei para a embalagem. Dei um sorriso quando li "Experimente toda essa cremosidade em pequenas porções" em um cantinho do plástico vermelho.
Naquela hora, parecia que o recado era um complemento real da experiência que eu e meu chocolatinho estávamos vivendo.
Por outro lado, uma parte da embalagem cobria a lista de ingredientes. Agradeci por isso, porque desde que descobri que eles aparecem na ordem de quantidade presente nos alimentos, uso como um parâmetro importante para escolher o que vou comer. Bem, li mais tarde que o primeiro é açúcar e o segundo, leite em pó. E tudo bem. Não acho que nada disso seja "vilão", tudo isso é comida. Só não queria perder a "vibe" pensando na composição química do docinho.
Colocar na boca, faltando quatro minutos para acabar a meditação, me aqueceu. E dei um suspiro profundo.
Foram 18 minutos de ação para algo que eu faria em menos de 1. Terminei a meditação agradecida. Penso que pode ajudar quem está sempre no "modo fera" a reparar se a refeição açucarada é um instrumento para depositar questões emocionais, ou se a sobremesa tem "o tamanho que lhe cabe" na rotina alimentar.
Meus chachas rodavam, me senti uma deusa
"Orgasmo cósmico do chacra". Essa é a primeira frase da meditação "Prática da Deusa Shakti", que resolvi fazer deitada, um pouco antes de dormir. Respirei profundamente três vezes, sem saber por qual caminho iria seguir. A única pista era uma descrição no app: "Na Índia hindu, Shakti, a Deusa, é a força animadora do Universo. Cada Shakti tem seu Deus ao qual se une no ato sexual".
"Sinta que está tirando o estresse e a tensão pela cabeça, como se fosse uma roupa apertada", enuncia o narrador Jesse Navarro, com uma voz firme, mas sedutora. A metáfora soou bem para mim. Me despi das emoções carregadas ao longo do dia (e do preconceito de estar sendo guiada por uma voz, em um aplicativo, a conhecer meu próprio corpo e prazer). Se é para fazer, que seja com entrega.
Rapidamente, a meditação me direciona para a visualização do chacra básico, que fica na altura do órgão sexual. Tenho facilidade em acessar esse tipo de conteúdo fincado na espiritualidade. E percebo que a energia da Terra "dá match" com a energia do meu corpo, enquanto mentalizo a cor vermelha na minha região íntima. O chacra gira, "rodopiante", como diz Jesse. E há uma sensação de aquecimento.
São sete chacras espalhados pelo corpo até o topo da cabeça. Sigo desbloqueando um por um, já sem amarras, conforme o narrador avança na contagem. Cada um tem uma cor que preciso mentalizar: laranja no segundo, amarelo no terceiro, verde-esmeralda no quarto, azul no quinto, púrpura no sexto e branco no sétimo.
A ideia é que a energia cósmica se encontre com a energia da terra e deduzi que o meu prazer viria dessa combinação. No entanto, a experiência teve pouco apelo sexual para mim. Não foi tempo perdido, no entanto: me senti uma deusa (e, não para menos, uma louca e uma feiticeira) porque a prática me fez parar por quase 15 minutos para me redescobrir. Senti a energia circular plenamente em mim.
Não cheguei a ter orgasmo com a prática— mas, como uma usuária descreveu em um comentário deixado no app, ela é "poderosa".
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