Depois da cadeira de CEO, elas miram startups e conselhos de administração
O topo parece não ser mais o limite. Pelo menos para executivas com carreira consolidada que, depois de superarem obstáculos e abrir passagem para mais mulheres chegarem nos mais altos níveis de liderança nas empresas, vêm desbravando outros horizontes.
Contrariando convenções, muitas delas desviam a rota por dois caminhos onde parecia não haver espaço para quem acumula décadas — ainda que bem sucedidas — de trajetória profissional: as startups e os conselhos de administração.
Na primeira parada, o admirável e ainda novo mundo das startups, a entrada aparentava ser restrita a jovens de jeans e cabelo desarrumado. Porém, uma pesquisa recente do Massachusetts Institute of Tecnhnology (MIT) trouxe um resultado surpreendente. Sim, foco em ousadia e cultura disruptiva seguem mandatórias. Mas, conforme o MIT, as startups que mais crescem têm no comando fundadores com 45 anos de idade em média.
Em sentido aparentemente oposto, os conselhos de administração, antes lugar de herdeiros e executivos homens no pós-vida corporativa, hoje têm se configurado de forma mais diversa — e ganhado rostos e cadeiras de mulheres. Um reflexo claro do aumento da presença feminina em posições de alta liderança, mas sobretudo do interesse de muitas delas em mais esse espaço de atuação, até ocupado paralelamente à carreira de CEO.
"As mulheres passaram a conhecer e se interessar por esse universo. Sabem que a porta de entrada não é fácil, mas decidiram lutar por mais esse espaço numa ação que oxigena e beneficia muito as discussões neste foro", explica Marienne Coutinho, sócia da KPGM e cochair no Brasil da Women Corporate Directors (WCD), fundação americana com atuação global que atua pela ampliação da participação feminina nos conselhos.
Segundo Marienne, nas estruturas mais antigas valorizavam-se primordialmente a relação de confiança, credibilidade e experiência. "Atualmente a busca tem sido mais ampla, pautada por diversidade não apenas de gênero, mas também geracional", completa ela, que atribui a demanda por gente mais jovem como forma de incorporar conhecimentos mais atuais em tecnologia e inovação.
Segunda adolescência
É no mundo do marketing que os novos patamares de liderança parecem não estar à frente, mas alguns passos para o lado. Ao menos é o que indica o êxodo recente de grandes nomes femininos deste mercado rumo às startups, quando muitas deixam para trás carreiras consolidadas em multinacionais.
"Chamo de segunda adolescência profissional", diz Gal Barradas, que em 2018 pendurou o último crachá e partiu para um negócio próprio que leva seu nome, a Gal Barradas Brand & Venture.
Pioneira entre as profissionais que se destacaram no mundo da publicidade e primeira mulher a ser lembrada no ranking Agency Scope dos 10 mais admirados pelos anunciantes, ela passou pela presidência de grandes agências até criar seu negócio, que combina investimento num modelo de equities e construção de marca.
Foi enquanto presidente da multinacional BETC, já com 23 anos de mercado, que Gal passou a amadurecer os elementos que fundamentaram sua escolha. "O ponto em que me encontrava em minha história, motivações e o que vislumbrava no mercado foram determinantes para saber que a hora havia chegado", conta.
Anos antes, fez sessões de coach e um programa que considerou marcante, na Singularity University, onde teve contato com tecnologias que ainda não eram comerciais, mas que a atraíram de imediato.
Aprendizados e desaprendizados
A publicitária Stella Brant também vinha de duas décadas de uma trajetória bem-sucedida na AB-InBev quando assumiu como diretora de marketing da 99, primeiro unicórnio brasileiro. Pegou gosto pelas startups e, em abril deste ano, aceitou um convite para ser CMO da LivUp, onde também é sócia. Contaram nas decisões, propósito, o horizonte de aprendizados e inovações e o dinamismo com que poderia trabalhar, que acabam mais limitados em empresas maiores.
Stella, que chegou junto com a pandemia à nova casa, considera que desafiador mesmo neste ambiente é reconstruir a própria reputação em um momento de vida em que uma carga imensa de trabalho se soma a outros papéis e responsabilidades na vida pessoal.
"Quem chega na 'maturidade' em uma startup precisa ter consciência de que seu background não será inválido, mas que trabalhará na construção diária de uma nova reputação", explica a executiva. "É preciso ainda energia e capacidade rápida de adaptação a novas perspectivas, em uma estrutura com menos recursos e muito a se fazer."
Para Gal, que hoje é investidora em duas startups e tem uma terceira em desenvolvimento, a humildade é de fato imprescindível. "Precisamos desapegar de determinados confortos e padrões, reaprender coisas que fazíamos 20 anos atrás, sem encarar como retrocesso — e com disposição para o novo", reflete.
Outro ponto em comum entre essas mulheres e suas muitas colegas que fizeram o mesmo trajeto nos últimos meses é a possibilidade de perceber mais claramente o impacto de seus produtos e serviços na sociedade.
"Enquanto nas grandes corporações a pergunta é como vender o produto já criado, nas startups o propósito é entender qual produto desenvolver para solucionar problemas e ajudar as pessoas a viverem melhor", diz Stella. O que só é possibilitado, segundo Gal, pela maior abertura para mudanças. "É um ambiente com possibilidades de criação infinitas, que pede e permite transformações de produtos e serviços ao longo do tempo até chegar a uma versão ideal. E tudo bem."
O topo não é o limite
Desapego também é palavra de ordem para quem troca a formalidade e a segurança inerentes a cargos de alta hierarquia pelas cadeiras em conselhos de administração.
Entre as empresas de capital aberto no país, somente 16,9% possuem pelo menos duas representantes do sexo feminino no conselho, conforme pesquisa da Teva Índices, encomendada pelo Women on Board (WOB). O estudo considerou 1854 assentos em 272 empresas listadas em Bolsa até dezembro passado. No total, apenas 10,8% desses lugares são ocupados por mulheres.
Uma delas, a executiva Anna Chaia, estreou em uma cadeira num dos dois conselhos dos quais faz parte atualmente, há dez meses, para um mandato de dois anos: o board da rede de joalherias Vivara, onde é a única mulher entre cinco conselheiros.
Anna está habituada a ser exceção. É também das únicas brasileiras a acumular três experiências como CEO em multinacionais. Deixou em meados de 2019 a presidência da Samsonite para Brasil e Mercosul depois de dirigir as operações brasileiras da L'Occitante e da Swarovski, e ocupar por dois anos a vice-presidência de marketing da Whirlpool.
A chegada aos conselhos — no início deste ano, ela passou a integrar também o board do Burger King — foi calculada. "Passei a considerar ser conselheira há uns sete anos, enquanto trabalhava com fundos de investimentos. E, quando decidi, ainda passei quatro anos trabalhando como presidente, enquanto me preparava mentalmente e profissionalmente para a transição", conta ela.
Além de cursos e certificações, investiu em networking e autoconhecimento. "Foi importante entender quais competências minhas seriam mais significativas considerando os setores em que atuei", analisa. "Também passei a cultivar melhor a rede de relacionamentos que possuía, fazendo encontros semanais com diversos públicos — o que garantiu indicações para os processos seletivos."
Para ela, o aumento da participação de mulheres nos conselhos passa, imprescindivelmente, pela continuidade do avanço feminino nas posições de CEOs. E, mais que isso, na busca por experiências generalistas, que proporciona uma visão muito bem-vinda aos boards. O que significa, como no caso das colegas "startupeiras", coragem para mudanças e abertura a novas experiências e setores.
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