Mães solo com Covid-19 relatam medo: "Se eu morrer, cuida das crianças"
Em 23 de abril, a babá Raphaela Gomes, 26, começou a sentir alguns sintomas da Covid-19. Mãe de Benjamin, 2, que já havia apresentado sintomas dias antes e melhorado. Sem conseguir falar direito e sentindo falta de ar, ela decidiu deixar o filho com o pai do garoto, de quem é separada, e buscar ajuda no hospital.
Voltou para casa com o diagnóstico de Covid-19 e uma lista de remédios que só conseguiu comprar com a ajuda de uma tia. Com o filho sob os cuidados do pai, decidiu se manter isolada para fazer o tratamento. Cinco dias depois porém, foi surpreendida ao ter que receber a criança de volta em casa, devolvida pelo pai. "Foi muito cansativo. Mesmo ainda doente, tive que cuidar dele e da organização da casa, tirei forças de onde não sabia que tinha", conta.
Assim como Raphaela, Francidalva Ferreira, 40, e Natália de Almeida, 26, também tiveram que enfrentar o malabarismo de cuidar da casa, dos filhos e do próprio tratamento contra a doença, sem poder contar muito com os pais das crianças, já ausentes nos cuidados pré-pandemia.
Francidalva, agente comunitária de saúde de Aracaju e mãe de uma adolescente de 17 anos e de um menino de 10, contou que decidiu deixar os filhos em casa e ir ao hospital depois de sentir dores pelo corpo todo. "Além disso, eu tive dificuldades para respirar, calafrios e dor de garganta."
No hospital, ela conseguiu fazer o exame que confirmou o diagnóstico. "Fui ao hospital Augusto Franco, referência no tratamento aqui na cidade e, depois de quase oito horas de espera, fiz o exame."
Confirmada com a doença, ela conta que foi monitorada por telefone por profissionais de saúde do município. Mas, durante o tratamento e com ajuda dos filhos para manter a casa, era o medo de abandonar os filhos que mais a angustiava. "Eu pensava todos os dias que ia morrer. Pensava: 'vou morrer, meus filhos são novos, e não sabem se virar ainda, como vai ser?'"
Já Natália de Almeida, de Santo André (SP), pode recorrer a uma ajuda externa quando recebeu o diagnóstico: seus filhos de 2 e 9 anos foram recebidos na casa da avó enquanto o tratamento durou.
Enfrentar a doença e o medo de deixar o filhos
As três mães, Raphaela, Francidalva e Natália, tiveram um único medo ao descobrir o resultado positivo para o coronavírus: morrer e deixar os filhos sozinhos. "Você vê notícias na televisão de que as áreas mais afetadas pela morte por coronavírus são as periféricas, e lembra que mora na periferia", diz Natália. Ela conta que entregou os filhos para a mãe e deixou um pedido: "Se eu morrer, cuida das crianças".
Desempregada e sozinha, Natália pode resumir seu cotidiano em acordar, tomar banho, se alimentar e voltar a dormir. Os sintomas de cansaço, dores no corpo e insuficiência respiratória, a impediram de limpar a casa com a mesma frequência de antes. Sua mãe foi fundamental neste período: "Ela também fez compras para mim e deixou na porta de casa."
Este não foi o caso de Raphaela, que passou o tempo de tratamento limpando a casa e explicando para o pequeno porque estava mal. Por sorte, uma amiga ajudou a manter a despensa cheia. "Ela fez compras para mim e enviou por um motorista de aplicativo. Eu moro em uma escadaria da comunidade e precisei descê-la várias vezes para colocar todos os produtos dentro de casa."
Já Francidalva pôde contar com a ajuda dos filhos, tanto para organizar a casa como para cozinhar. A filha mais velha, supervisionada por ela, cozinhou, limpou a casa e ajudou a cuidar do irmão, que ficou responsável por buscar as compras que a avó deixou pagas na mercearia próxima à casa.
"Como o meu quarto tem um banheiro e é afastado dos outros cômodos, eu fiquei isolada e quando ia até a cozinha, usava máscara." Ela cuidava então da limpeza do próprio quarto. E explica que uma das maiores dificuldades foi varrer o piso de cimento, pois a tarefa demandou força e provocou dores. Quando precisou limpar o vaso sanitário precisou fazê-lo lentamente. "Eu ficava tonta ao abaixar a cabeça e me sentia com muitas dores no pescoço."
Planos para o futuro
As três mães não veem a hora de recuperar a vida na rua. Francidalva, já acostumada a passear com os filhos em parques e praias na capital sergipana, planeja reaver esse hábito, e retomar minhas caminhadas noturnas.
Para Raphaela, os planos do começo do ano, de matricular o filho em uma creche e retomar sua vida profissional, foram adiados, mas não abandonados. "Também vou recuperar minha vida social, sair mais com meus amigos e mostrar o mundo para o meu filho."
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