Projeto prevê suspensão de armas de fogo a agressor durante a pandemia
Na tentativa de reduzir a morte de mulheres pelas mãos dos companheiros, as deputadas Benedita da Silva (PT) e Talíria Petrone (PSOL) apresentaram na Câmara projeto que estabelece suspensão e apreensão de posse, porte e registro de armas de fogo a denunciados, indiciados e réus em processo de violência doméstica e feminicídio, durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus.
O objetivo é reduzir os impactos da quarentena, uma vez que a ONU Mulheres alertou que em contextos emergenciais aumentam os riscos de violência doméstica. No Brasil, as denúncias de violência contra a mulher no Ligue 180, o disque-denúncia do governo federal, aumentaram 35% em abril, comparando com o mesmo mês do ano passado. Os dados são do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos.
Entre 2007 e 2017, o assassinato de mulheres por arma de fogo aumentou mais dentro do que fora de casa, segundo o último relatório do Atlas da Violência, assinado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Nesse período, houve um aumento de aproximadamente 30% no número de homicídios de mulheres em ambiente doméstico com disparos de arma. Do lado de fora, o crescimento das mortes de mulheres por arma de fogo foi de 17,5%. Universa perguntou a especialistas se, de fato, a medida proposta pelas deputadas causaria algum efeito.
Mais armas, mais mortes
Para Juliana Martins, que é pesquisadora do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), qualquer ação que contribua para a diminuição e restrição ao acesso às armas é importante, embora, na sua avaliação, o desarmamento não seja suficiente para garantir a proteção dessas mulheres.
"Não é [suficiente] nem durante a pandemia, como não era também antes. Mas é um fator importante e ajuda a diminuir e prevenir situações mais graves", afirma.
Na pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, feita pelo FBSP em fevereiro de 2019, pesquisadores apontam que a maioria das mulheres continua sendo vítima de violência dentro de casa (42%), sendo 3,2% delas foram ameaçadas com faca ou arma de fogo.
E é debruçada nos números que Ângela Guimarães, presidenta nacional da Unegro (União de Negros e Negras pela Igualdade), decreta: a violência se intensifica quanto maior for o número de armas em circulação na sociedade.
"O projeto é bem-vindo porque estamos envolvidas numa política oficial de estímulo ao porte e posse de arma, num estímulo à logica de que todas as pessoas precisam estar armadas para se defender. E estamos vendo o impacto dessa lógica oficial no aumento de homicídios no Brasil e também de feminicídios. Quanto mais mecanismo tiver para coibir o acesso a armas, melhor", ela afirma, referindo-se ao fato de o governo Bolsonaro defender a liberalização da posse e porte no Brasil.
"Lei Maria da Penha já prevê"
Desde a sua promulgação, em 2006, Lei Maria da Penha prevê que se verifique se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo. E em 2019 determinou-se a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor (Lei nº 13.880).
Por causa disso, a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas e doutoranda em Sociologia Jurídica pela USP (Universidade de São Paulo) acredita que a nova proposta, das deputadas, é "muito pouco eficaz".
Ela, que trabalha com o tema há 13 anos, elogia as leis vigentes no país que visam a proteção da mulher, lembra que a LMP é considerada uma das três mais eficazes do mundo, segundo a ONU, e decreta:
"O problema é como ela é, de fato, aplicada pelos agentes. Essa busca e apreensão de armas, se não for conjunta, de nada adianta uma alteração na legislação que já existe, porque os autores de violência também têm arma fria. Não temos sistema de inteligência que se comunique entre as polícias estaduais, por exemplo", ela aponta.
"De uma forma geral, essas mudanças propostas na legislação me parecem oportunistas. Entendo que as deputadas estejam preocupadas com o índice de violência, mas, de uma forma geral, tem pouca eficácia. O que precisamos é de investimento na aplicação da lei e política pública."
Uma das autoras da proposta, a deputada Benedita da Silva aponta que os números da violência contra a mulher "aumentaram absurdamente" nesse período de quarentena, e que, por isso, ela e Talíria protocolaram o projeto.
"Nesse sentido, eu clamo, desde já, para que esse projeto seja pautado e aprovado o quanto antes", ela pede.
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