Vítima de abuso, mulher que matou o marido recebe herança no Reino Unido
Uma mulher condenada por matar seu marido após décadas sofrendo abuso emocional ganhou na Justiça britânica o direito ao patrimônio da família, de acordo com reportagem de hoje no site The Guardian. Sally Challen, 66, poderá herdar o patrimônio do cônjuge, Richard Challen, avaliado em 1 milhão de libras (cerca de R$ 6,65 milhões).
A mulher foi considerada culpada em 2011 após ter matado o marido no ano anterior. Ela cumpriu pena de nove anos e quatro meses na prisão, mas sua condenação foi descartada em 2019 após novas evidências mostrarem que ela havia sido submetida por ele a controle coercitivo, que é considerado um crime no Reino Unido desde 2015. Em um apelo inovador, Challen se declarou culpada pelo menor crime de homicídio culposo e foi libertada em junho passado.
Na semana passada, o juiz Paul Matthews, do Tribunal Superior de Bristol, decidiu que Challen poderia herdar o patrimônio do marido. Inicialmente, ela tinha sido despojada da herança sob uma provisão conhecida como regra de confisco, que impede que um assassino condenado herde do falecido.
O patrimônio foi concedido inicialmente para os dois filhos do casal, mas porque "os fatos são extraordinários, trágicos e, seria de esperar, raros", decidiu o juiz Matthews, está sendo entregue à senhora Challen.
A mulher disse que não iria requisitar o dinheiro e que seu objetivo de ter acesso a ele vinha do desejo de que seus filhos fossem isentos do pagamento do imposto sobre a herança.
Abuso emocional e prisão perpétua
Sally Challen conheceu Richard Challen quando ela tinha 15 anos e ele, 22. Eles viveram juntos por quatro décadas e foram casados por 31 anos, durante os quais os abusos emocionais do marido, juntamente com suas infidelidades, causaram estresse significativo, avaliaram psiquiatras. Challen também disse que seu marido a estuprou.
A mulher buscou apoio psicológico para o sofrimento que enfrentou dentro de casa e contatou um advogado para o divórcio, mas acabou desistindo.
Em agosto de 2010, quando o marido se recusou a responder a uma pergunta sobre um caso extraconjugal, Challen o espancou até a morte com um martelo, em sua casa em Claygate, a 23 km de Londres, de acordo com a polícia. Ela então cobriu o corpo e deixou um bilhete dizendo: "Eu te amo. Sally."
No dia seguinte, Challen foi a Beachy Head, uma falésia conhecida no sul da Inglaterra, de onde contou a uma prima sobre a morte do marido e disse que ia pular. Ela foi presa após horas de negociação com um policial. Challen foi considerada culpada de assassinato e condenada à prisão perpétua.
Enquanto isso, o controle coercitivo se tornou um crime na Inglaterra e no País de Gales, e novas evidências fornecidas por psiquiatras mostraram que Challen havia sido submetida a ele, o que levou ao cancelamento de sua sentença inicial.
Abuso mental, humilhação e isolamento
O comportamento coercitivo — que inclui formas de abuso mental como humilhação, isolar alguém de amigos e familiares ou controlar a mobilidade e os recursos financeiros dessa pessoa — é punível com cinco anos de prisão no Reino Unido. Em 2018 e 2019, quase 1.200 pessoas foram acusadas por esse tipo de crime, de acordo com um relatório semestral do Serviço de Promotoria da Coroa.
"As pessoas geralmente pensam que o abuso doméstico deve ser físico, mas alguém pode ser vítima dele sem ter uma marca disso", disse David Challen, filho de Sally, que é um ativista contra a violência doméstica.
A luta pela liberdade da mãe foi amplamente divulgada por seu filho David, com entrevistas que ela deu a agências de notícias britânicas e com um documentário da BBC sobre sua história, lançado em dezembro: "O caso de Sally Challen".
Na Inglaterra, por ano, cerca de dez a 12 mulheres sujeitas a violência doméstica matam seus parceiros e são condenadas por assassinato na Inglaterra e no País de Gales, de acordo com o Center for Women's Justice, um grupo de defesa de direitos civis.
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