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Após saques em Los Angeles, brasileira lidera ajuda na recuperação de lojas

Homem carrega diversas bolsas de uma loja da Guess após protestos em Los Angeles - Getty Images
Homem carrega diversas bolsas de uma loja da Guess após protestos em Los Angeles
Imagem: Getty Images

Fernanda Ezabella

Colaboração para Universa, de Los Angeles

02/06/2020 04h00Atualizada em 02/06/2020 10h36

Centenas de lojas foram saqueadas no último fim de semana em Los Angeles, nos Estados Unidos, como não se via desde os protestos sangrentos de 1992, também causados por conta de violência policial. No centro da cidade, as ruas amanheceram na segunda-feira cobertas de vidros das vitrines quebradas. Em meio a muito lixo, uma equipe de voluntários se apresentou de prontidão com vassouras na mão.

Na liderança do grupo estava a brasileira Claudia Oliveira, 41, que vive nos EUA há 25 anos e é integrante do Downtown Los Angeles Neighborhood Council, um dos 99 conselhos de bairro da cidade, composto por 22 membros eleitos pelos residentes do centro.

"Foi terrível, fiquei chocada em ver meu bairro nessa situação, e imediatamente pensamos em ação. É sacode, levanta a poeira e dá a volta por cima, como cantava minha mãe", disse Claudia a Universa. "Um amigo brincou e disse para eu pegar a vassoura. Peguei mesmo e chamei um monte de gente para ajudar. Fomos limpar."

Claudia  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Claudia Oliveira
Imagem: Arquivo Pessoal

Claudia conta que é favor das manifestações pacíficas contra violência policial e a morte de um homem negro, mas que os saques depredaram boa parte de pequenos negócios de imigrantes e negros na região, uma população que já sofria por conta do fechamento das lojas durante a pandemia.

"A gente sofre todo dia aqui, é difícil. A gente já tinha perdido tanta coisa por conta da Covid-19, e agora não sei como esses pequenos negócios vão superar isso", disse ela, que uma vez por ano organiza feiras de trabalho em Skid Row, uma região onde milhares de sem-teto vivem em tendas nas calçadas. "Muita gente esperava voltar ao trabalho nesta semana com a reabertura, mas os planos foram por água abaixo."

Além de lojas pequenas, grandes marcas e grifes de luxo também foram saqueadas em diversos pontos de Los Angeles, como na turística Rodeo Drive, além de praias e shopping centers. Imagens de TV mostravam hordas de pessoas entrando e saindo de estabelecimentos repletas de caixas, bebidas e amontoados de roupas.

"Não deu para entender o que aconteceu com a polícia. Os ativistas reclamaram da violência da polícia, e os lojistas reclamaram da falta de proteção da polícia", disse. "Conheço todos os policiais aqui na minha região. Eles simpatizam com o que está acontecendo, mas a violência está roubando a mensagem."

Protestos pacíficos aconteceram durante todo o fim de semana em Los Angeles, reunindo milhares de pessoas, incluindo famílias e crianças. Os ativistas afirmam que a polícia instigou a violência ao tentar dissipar as concentrações e começar a prender pessoas que estavam na rua após o toque de recolher instituído pelo prefeito. Ainda na luz do dia, começaram os saques.

"A maioria do pessoal do [grupo ativista] Black Lives Matter é pacífica, mas tem gente que acha que o único jeito é a violência porque nada mudou com conversa", afirma Claudia. "E tem os profissionais que vêm para roubar mesmo. No segundo dia de protestos [sábado], trouxeram até equipamento para levar portão de ferro."

Doação de vassouras

No sábado de manhã, ela procurou a empresa que faz a limpeza do centro da cidade e pediu vassouras profissionais emprestadas. Mais de dez pessoas apareceram para ajudar. "Limpamos muito vidro, ficamos umas quatro horas para cima e baixo, percorremos uns 20 quarteirões", lembra a brasileira.

No domingo, dia seguinte, cerca de 60 pessoas apareceram. E as vassouras foram doadas pela HomeDepot, uma loja de materiais de construção. "Foi incrível tanta gente aparecer para nos ajudar", disse, acrescentando que acabou criando um grupo numa rede social para organizar mutirões de limpeza com voluntários uma vez por mês na região.

"Na quarta-feira, vamos cuidar dos grafites. Centenas de prédios foram pichados e precisamos de cuidado para removê-los porque a maioria são prédios históricos."

A próxima etapa é uma reunião para encontrar um jeito de ajudar os pequenos negócios do centro da cidade. "Uma amiga sugeriu um programa de adoção de parceiros, como fazem para manter as highways [grandes avenidas] limpas aqui. Vamos ver", disse.

LOS ANGELES, CA - MAY 31: People walk past a store in downtown Santa Monica on May 31, 2020 in Los Angeles, California. Protests continue in cities throughout the country over the death of George Floyd, a black man who died in police custody in Minneapolis. The National Guard has been deployed in Los Angeles and other major US cities to attempt to stem the tide of rising violence and unrest, with President Donald Trump blaming ANTIFA and tweeting they will be designated a terrorist organization. (Photo by Warrick Page/Getty Images) - Warrick Page - 31.mai.20/Getty Images - Warrick Page - 31.mai.20/Getty Images
"Depois da praga, vêm os tumultos", diz pichação em muro de Los Angeles
Imagem: Warrick Page - 31.mai.20/Getty Images

Ilegal, ativista e DJ da Rihanna

Claudia mora em Los Angeles faz dez anos e foi eleita membro do conselho do centro da cidade há três. Ela é também secretária da instituição e parte da comissão de orçamento (US$ 31 mil por ano, recebidos da prefeitura via impostos). O papel do conselho é fazer recomendações à prefeitura, como mudanças em parques, melhorias de ruas e construção de prédios.

O cargo não é remunerado, e ela trabalha como DJ. Antes da pandemia, Claudia fazia residência num bar em Venice Beach nos finais de semana e já tocou numa festa de lançamento da grife de roupas de Rihanna. Por oito anos, tocou nas festas da Sony durante o Grammy Latino.

A brasileira está numa situação ilegal, após passar por um divórcio complicado. "Antes tinha receio [de ser deportada]. Mas cansei de mentir, de fugir. Agora eu não tenho medo, eu tenho um plano. Medo não vai mudar minha situação", diz.

A ativista e DJ nasceu em Brasília e foi "cara-pintada" nos protestos contra o então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Ela veio para os EUA estudar, aos 16 anos, e nunca mais voltou. Primeiro morou em Minneapolis (Minnesota), depois Arizona e então Califórnia.

"Nunca sofri racismo em Minnesota", comentou, sobre o estado onde aconteceu o assassinato de George Floyd por um policial, estopim dos protestos da última semana. "Não é a polícia que conheço. Fiquei espantada. Mas, por causa do [presidente Donald] Trump, estamos vendo essas coisas", continuou. "É difícil ligar a TV e ver um presidente racista ou tentando fingir que não é."