Balada no Zoom: como é me arrumar para curtir uma festa na minha sala
Comprei uma luminária que mudava de cor por controle remoto para um dia como a última sexta-feira. Há mais de dois meses em confinamento e com saudade de uma aglomeração gostosa, ia finalmente a uma festinha. Não, o plano não era furar a quarentena. Estava transformando o escritório de casa em uma pista de dança para curtir a festa D/Boa, que acontece toda semana em uma sala no Zoom, software de videoconferências. Estava tão animada como em 2010, quando me arrumava ouvindo a música "I Got a Feeling", do Black Eyed Peas. Tinha a sensação de que aquela seria uma boa noite de isolamento.
Conheci a festa por meio de minha amiga, a redatora Juliana Kataoka. Um dia, entediada em um sábado pela manhã, vi Stories dela toda arrumada, curtindo uma festa virtual na noite anterior. Na hora mandei mensagem perguntando que fervo era aquele. Foi quando ela me incluiu no grupo de WhatsApp da festa D/Boa e O/nda, que reúne órfãos da vida noturna de todos os cantos do mundo.
"Não lembro quem me mostrou a festa. Eu vi alguém mandando o link, entrei e estava melhor do que eu pensava", diz Juliana. Assim como eu, ela está em seus 30 anos e, apesar de ter curtido muito a noite nos 20 e poucos, já tem sentido bater aquela preguicinha do rolê.
"Antes da quarentena, costumava sair sozinha uma vez por mês, para curtir a música." Assim, a festa por videoconferência caiu como uma luva para o estilo de vida de Juliana, que passa pelo isolamento sozinha. "Fez muito sentido porque sair é um escapismo: pegar todos os seus problemas e, por um segundo, dar uma desanuviada. Ter esse momento para dançar, curtir, deixar os problemas em outro lugar."
Eu e meu marido sempre fomos da balada. Mal parávamos em casa antes da pandemia. Mesmo durante a quarentena, costumamos fazer nossas próprias festas na sala de estar ou, ao entardecer, na varanda de casa. Às vezes rola até uma ressaquinha no dia seguinte.
Mas fazia tanto tempo que eu não ia a uma festa com pessoas desconhecidas que já nem sabia o que vestir. "O bom da balada do Zoom é que o dresscode é muito mais liberal. É como Carnaval, tudo está valendo", me avisou Juliana. Assim, como era um dia quente, optei por um body e shorts de dormir, numa mistura de folia com festa de pijama.
Juliana tem um grupo de amigas com quem ela marca para se encontrar em uma sala de conferência para se maquiar e fazer o esquenta juntas. "Mas também tem dia que me arrumo já no rolê", afirma. Eu optei por fazer o esquenta com uma antiga colega de trabalho, enquanto falávamos e eu me maquiava. Ela estava de pijama e nem pensando em trocar de roupa. Eu passava sombra lilás e glitter nos olhos.
Abriu a porta da balada
Às 20h, no horário de Brasília, a festa começou. Quem produz a festa é Deo'Jorge organizador da O/nda, que acontecia no Rio de Janeiro. A ideia de fazer uma versão virtual foi meio sem querer, enquanto ele tocava no aniversário de sua sócia, Cris Matos. "Vi as pessoas dançando na tela de computador e fiquei muito emocionado." Morador de Nova York, ele, que tinha um bar que está fechado, viu uma oportunidade nas festas por videoconferência.
Durante a semana, o produtor musical entra em contato com os artistas que tocam na festa. "E agora é até mais fácil, porque estamos todos a apenas um click de distância. Eles podem tocar da sala de suas casas." Apesar de entrada ser de graça, a edição de que participei foi para arrecadar fundos para um grupo de teatro e tinha 100 pessoas online simultaneamente.
Entrei na sala um pouco tímida, com a câmera desligada. Mas ouvir a música tocando, ver outras pessoas curtindo e a luzinha colorida piscando me deram coragem para que eu também me mostrasse. O drink de gim & tônica que eu estava tomando talvez tenha dado sua parcela de ajuda.
Tem uma festa para você perdida na internet
Há diversos formatos de festas no Zoom (ou fora dele). Tem as que o destaque de videoconferência fica apenas no DJ. Os frequentadores ficam em pequenas telinhas ao redor. E tem as que preferem intercalar a câmera de DJs com as dos participantes. É aí que entra um trabalho de curadoria.
A D/Boa e a O/nda acontecem no último formato e, um dos papéis da psicóloga Veridiana Buzzo, voluntária na organização da festa, é ficar de olho nas câmeras dos frequentadores e destacar quem está brilhando. "A gente quer mostrar quem está curtindo, mostrando algo diferente. Temos que prestar atenção para que as pessoas não se exaltem e não ofendam ninguém", diz.
Além de Veridiana, há outras 14 pessoas responsáveis por monitorar as câmeras e o chat virtual para ver se ninguém está passando dos limites. A festa tem até um fotógrafo, o Filipe Dahrlan, que faz as imagens pelo Zoom.
Com a luz piscando, teve momentos em que a minha câmera ficou destacada. A sensação de estranhamento é inevitável. Logo eu, o tipo de pessoa que costuma "se jogar" sem medo nenhum na pista de dança, fiquei um tanto tímida.
Mas fui me soltando, permitindo que eu esquecesse que estava dançando na frente da tela de um computador. Com o tempo deixei a cadeira de lado e dançava junto com outros frequentadores que ficavam em destaque, até que eu, novamente, ficasse na tela grande. Mas aí, já no clima da festa, a gente comemorava como se aparecessemos no telão de um estádio de futebol: apontava para tela, dava um gritinho e se jogava nos passos de dança, querendo fazer graça.
Por permitir que todo mundo tenha seu momento de fama, festas como a O/nda contam com momentos marcantes como artistas em cima de perna de pau, drag queens, pole dance e outras performances. Isto é o que mais diverte Juliana. "Mexe com a nossa vaidade e, querendo ou não, balada é isso. A gente não foca no DJ na festa, a gente também olha para as pessoas que está com você ali. E, no Zoom, é divertido porque você vê onde as pessoas estão passando o isolamento", fala.
Esta é, de acordo com Deo'Jorge, uma forma de trazer para o virtual toda a troca que temos em uma festa offline. "É diferente da live no Instagram, por exemplo. Ali não rola interação do DJ com o público e festa é celebração", diz.
Conforto da festa em casa
Tem quem flerte, troque mensagens. Uma amiga conto que até já arranjou um ficante para o pós-isolamento. Com tantos passos de dança, ficamos com calor. Decidimos, então, dar um pulinho ali no "fumódromo" —no caso, nossa varanda para a rua. Deixamos a música tocando, levamos nossa bebida e fomos nos recuperar na janela de casa. Mais refrescados, voltamos para a pista de dança, ou seja, a frente do computador. Tudo isso sem pegar filas, sem empurra-empurra e, o mais importante, sem gastar muito dinheiro.
É o melhor dos dois mundos: o conforto do lar, mas a diversão de uma balada
Ao longo da noite, mandei mensagem para uma amiga festeira. O tipo de coisa que eu fazia quando saía no mundo pré-pandemia. Ela disse que estava em outra na balada no Zoom. A primeira sensação foi de desapontamento, mas aí lembrei: posso muito bem, com uma troca de páginas de navegador, dar um pulo na outra festa.
O evento em que ela estava era pago. Houve lotes gratuitos, mas eles já haviam esgotado. Tinham disponíveis ainda o ingresso para a noite, por R$ 15, e o passe para o fim de semana. Comprei a primeira opção. Ao fazer o pagamento, recebi o link da videoconferência. No fim das contas, passei parte da noite pulando de uma festa para a outra. Sem precisar xavecar o segurança para deixar eu entrar e sair sem pagar mais de uma entrada.
Isso é legal porque, segundo Veridiana Buzzo, a função da festa não é trazer perrengue, mas alegria. "Estamos em um momento sem tantas razões para estarmos felizes. Ela acalenta os nossos corações, nos faz sorrir", afirma. O próprio Deo'Jorge encontra na balada uma forma de enfrentar o isolamento. "Sempre fui festeiro. Agora posso voltar a encontrar meus amigos, inclusive os que não estavam próximos de mim fisicamente."
Madrugada adentro, o cansaço começou a bater. Curtimos um pouco a festa sentadinhos, mas a nossa cama, a uma porta de distância, começava a chamar. Fechamos o computador e num piscar de olhos -como a gente sonha quando deixa uma balada—já estávamos na cama. As pernas doíam como em uma pós-balada offline. Acordei no dia seguinte com mensagens das pessoas perguntando onde seria o after.
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