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"Apontava para pretas e as tirava do casting", diz modelo sobre estilista

A modelo Diara Rosa - Reprodução/Instagram
A modelo Diara Rosa Imagem: Reprodução/Instagram

Natália Eiras

Colaboração para Universa

09/06/2020 11h35Atualizada em 09/06/2020 14h11

Nos últimos dias, o movimento Vidas Pretas Importam levantou o debate sobre o racismo, e o mundo da moda não ficou de fora. A modelo Thayná Santos abriu seu Instagram para que as pessoas "dessem nome aos bois" sobre profissionais do mercado da moda que fossem racistas. Não demorou para que várias mensagens sobre os estilistas Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço chegassem à caixa de mensagens da top.

Uma das modelos a revelar o que sofreu nos bastidores foi a baiana Diara Rosa. "Cansei de tudo isso, era muito humilhante", fala em entrevista para Universa. Em comentários de redes sociais, Diara e outras manequins como Cindy Reis fizeram vídeos dizendo que Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço deliberadamente não escolhiam modelos negras nos castings de seus desfiles. Em manifestação por nota, os estilistas pedem desculpa e se comprometem em ampliar o número de negros em desfiles e campanhas (leia mais abaixo).

Segundo relatos, era comum que as modelos fossem alvo de comentários ofensivos sobre seus cabelos, quando crespos ou cacheados.

O Reinaldo fazia todo aquele paredão [de modelos] e depois apontava para as meninas pretas e as tirava do casting Diara Rosa

A modelo disse que participou de muitos processos de seleção de Lourenço, mas que nunca foi escolhida. "Ficava duas horas em pé, de salto, esperando. Ele tratava a gente de qualquer jeito." Ela conta que Gloria, por sua vez, não quis nem mesmo conhecê-la. "Minha agência queria me apresentar para ela, mas ela pegou o meu composite [livro com o portfólio da modelo] e jogou no chão. Estava esperando na van e me senti muito triste com tudo aquilo", afirma a modelo.

Relatos como de Diara foram comuns nas mensagens de Thayná Santos, que expôs em seus stories, sem divulgar o nome de quem tinha feito o relato. Tanto a modelo que conversou com Universa como as pessoas que entraram em contato com Thayná disseram que existia uma "orientação" para agências não mandarem modelos negras para os castings de Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço, que foram casados por 25 anos e são dois dos principais estilistas do país.

"Quando eu era new face [iniciante], meu booker [agente de modelos] disse que não poderia participar do processo da Gloria porque ela não gostava de meninas negras. Então era uma coisa que todo mundo conhecia", fala Diara.

A modelo baiana diz que o assunto só veio à tona neste momento porque Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço são nomes conhecidos no mercado da moda e que, por isso, as pessoas tinham muito medo. "As agências tinham medo de perder o cliente, perder dinheiro, então silenciava as modelos. Nós, em contrapartida, não queríamos problemas."

Até o último fim de semana, quando Diara publicou em seu Instagram um vídeo com o relato. "Quando trabalhei no exterior percebi que eles [Gloria e Reinaldo] não são estilistas. O mundo da moda é racista, mas é um racismo estrutural, está em todo lugar. Já Gloria e Reinaldo sentem um certo nojo, sabe?"

Por conta das diversas denúncias, as modelos Thayná Santos, Cindi Reis, Cami Soares e Natasha Soares se uniram no grupo Pretos na Moda com intenção de dar voz aos profissionais da moda que sofreram racismo. Cindi participou, inclusive, de uma live com Paulo Borges, criador da São Paulo Fashion Week, sobre o assunto, onde ficou emocionada ao falar sobre o que modelos e fotógrafos passam por conta da cor de sua pele.

"Estamos cansados, queremos ser ouvidos", desabafou. Além do Pretos na Moda, foi criado também um Instagram chamado Moda Racista, que reúne relatos anônimos de pessoas que passam por situações discriminatórias em desfiles de marcas de grande expressão nacional.

Depois de publicado esse conteúdo, Gloria Coelho mandou mensagem diretamente para Thayná Santos, no domingo. Procurada por Universa, Gloria se manifestou por meio de nota via assessoria de imprensa, em que diz que sente muitíssimo por "qualquer menina que tenha se sentido desprivilegiada ou sem acesso às mesmas oportunidades dentro da marca e do sistema de moda".

Reconheço que por séculos a moda privilegiou padrões de beleza eurocentristas, e que eu ou pessoas da minha equipe no passado possamos ter compactuado com isso, ou sido interpretados dessa forma Gloria Coelho, estilista

"Estou aqui me comprometendo a ser melhor, a garantir que minha equipe seja melhor. Está nas nossas mãos desmantelar o racismo sistêmico", afirma a estilista em mensagem." Gloria diz ainda que está comprometida a se educar sobre racismo e a incluir mais modelos negras em seus desfiles e campanhas futuras.

Os estilistas Reinaldo Lourenço (esq.) e Gloria Coelho, com grifes homônimas, já foram casados e tiveram o filho Pedro Lourenço, também estilista. Hoje, eles são só amigos, mas um sempre está presente nos desfiles e eventos da marca do outro. O estilo dos dois também é parecido, com muito preto. Enquanto Reinaldo usa peças clássicas, Gloria investe mais em modelagens e texturas impactantes - João Sal/Folhapress - João Sal/Folhapress
Os estilistas Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho, em imagem de 2015
Imagem: João Sal/Folhapress

"Eu e minha equipe estamos unindo forças para ampliar nosso casting e garantir que todas as meninas tenham experiências positivas em castings e fittings [provas de roupa]. Estamos também trabalhando para encontrarmos mais candidatos afrodescendentes para contratações nas áreas criativas, além das outras áreas da empresa. Esse já era um movimento que estávamos fazendo e vamos nos esforçar ainda mais."

Em tom semelhante, Reinaldo Lourenço também pediu desculpas por comunicado oficial.

Eu errei. Tenho consciência de que me faltou empatia e compreensão em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me Reinaldo Lourenço, estilista

E continua: "As recentes críticas e observações de quem se sentiu constrangido em algum casting, backstage ou desfile suscitaram autorreflexão. Eu vou mudar, assim como o sistema da moda será obrigado a mudar também. Comprometo-me a promover inclusão efetiva, com mais modelos negras na passarela e nas campanhas. Quero contribuir para que as mulheres negras também sejam respeitadas como consumidoras da moda nacional. Não medirei esforços a fim de ampliar a representatividade e valorizar a diversidade racial brasileira por meio da minha marca", disse ele por meio de nota.

Universa questionou se Reinaldo Lourenço dava alguma orientação sobre o perfil das modelos. "Eu nunca determinei um perfil preferido ou excluí algum. Sempre escalei a partir da atitude de cada modelo, independentemente da cor. Sempre procurei trabalhar com mulheres negras em desfiles, lookbooks e campanhas. Desde ícones como a jornalista Gloria Maria até new faces batalhando pela ascensão social por meio da moda. O que farei a partir de agora é ampliar o espaço e a visibilidade para modelos negras", respondeu.