Pais adaptam boneca para que filha se reconheça nela: "Ela não é diferente"
Aos nove meses de vida, Melissa ganhou uma "filhinha" igual a ela. Poderia ser só uma boneca, como tantas que crianças ganham nessa idade, mas essa teve um significado especial. Melissa nasceu sem a mão esquerda por conta de uma agenesia (não-formação de um tecido ou órgão por parada de desenvolvimento na fase embrionária). A mãe da bebê, Débora Emanuelle, 28, conta que, ao saber da notícia, ficou assustada, mas decidiu fazer uma promessa.
"Depois do susto da descoberta sobre a mão dela, da aceitação e do acolhimento ainda na gestação, eu pensava: vou fazer o que for preciso para mostrar para ela que ser diferente é normal. Nem que eu fique careca, de cabelo azul, seja o que for! Sem hesitar pensei que cortaria a mão esquerda de todas as bonecas que ela ganhasse", conta.
A primeira boneca foi dada há duas semanas. Foi o pai que cortou, e a boneca foi dada a menina, que adorou o presente. "Ela ama morder a cabeça da boneca. Não demos um nome a ela, mas sei que ela é minha neta", brinca Débora.
Melissa brinca com a boneca, mas o seu principal brinquedo ainda é o peixe Nemo (curiosamente, se você não percebeu, Nemo tem uma das nadadeiras menor que a outra). "Esse é desenho utilizado entre as crianças que possuem agenesia de mão", conta.
A ideia de cortar a mão das bonecas para que ficasse à semelhança das crianças não é inédita, conta Débora. "Depois de conhecer outras mães com filhos nas mesmas condições que a minha bebê, vi que algumas delas pensaram e fizeram o mesmo que eu. Deve ser dom de mãe", comenta.
Apesar da ideia de presentear Melissa com a boneca (comprada há três meses), os pais esperaram o momento certo. "Demos ao ver o interesse dela em brincar só", explica.
Dedicação exclusiva
No ano passado, Débora trancou o último período da faculdade de medicina veterinária e largou o estágio para se dedicar de forma exclusiva aos cuidados com Melissa. "A maternidade se tornou o assunto das minhas pesquisas, meu estudo diário. A carreira profissional pode ficar para depois. Acho de extrema importância o contato intenso e exclusivo do bebê com a mãe pelo máximo de tempo que der. Graças a Deus a minha realidade me permite fazer essa escolha", afirma.
O desenvolvimento de Melissa surpreendeu os pais. "Pensei que ela precisaria usar algo para ajudá-la a engatinhar, mas ela bate a casa todinha engatinhando normalmente com a mão direita e o bracinho. Nem precisei intervir em nada", afirma a mãe.
Para os pais, é uma "surpresa a cada dia". "Ela segura mamadeira, picota papel, levanta pacote pesado de fralda, agarra nos móveis p\ra ficar em pé. Usa muito o bracinho, seja para agarrar, seja para apoiar. Ama comer com a mão e se alguma comida escorregar, empurra para boca de volta com o braço. Sem falar de gostar de acender o interruptor, fazer carinho na gente e no nosso cachorro", completa.
Para o futuro, uma surpresa espera por Melissa: "uma boneca grandona guardada, que abrirei quando ela crescer um pouco mais." "Essa também não vai escapar da faca e vai ficar igual a ela", conta, aos risos a mãe.
Mas nem sempre a relação emocional dela com a agenesia da filha foi tranquila. "No tempo em que estive de luto pela ausência do membro dela, nós nos preocupamos muito. Era angustiante pensar como as pessoas poderiam afetar minha filha com comentários maldosos. Meu marido nunca se preocupou com coisas que ela poderia deixar de fazer ou não. Sua única preocupação era justamente essa, o bullying", conta.
Para ela, a ajuda de outras mães foi fundamental no processo de recuperação. "Depois de abraçar a causa e encontrar pessoas adultas que possuem a mesma diferença de membro que ela, ouvir seus relatos sobre como era difícil há 10, 20 anos atrás. Vejo que minha filha nasceu em um tempo melhor. Há mais divulgação, há mais quebra de paradigmas e preconceitos."
A maior exposição da diversidade nas redes sociais e a educação consciente das novas gerações são as apostas dos pais para que Melissa encontre um cenário melhor em poucos anos. "A tecnologia também vai permitir que ela possa compartilhar experiências, se identificando com as pessoas, seja pela agenesia ou seja por qualquer outra coisa. Isso aquece meu coração", relata.
Ela conta que conversa com outras mães praticamente todos os dias, para falar do cotidiano. "Ganhei amigas que vivem o que eu vivo, fora o suporte que tenho no grupo da associação. Lá as mães todos os dias compartilham histórias e vídeos de seus filhos, o que é essencial para mim", diz a mãe.
"No grupo, eu vejo como as crianças lidam com situações cotidianas, vejo como os adolescentes e jovens querem ser vistos e, o mais importante, vejo como os pais agem e se posicionam com determinados assuntos. A troca diária é maravilhosa! Mandei um vídeo da minha filha engatinhando e várias mães me responderam", conta.
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