Amanda está namorando à distância. Há 4 meses ela tem aprimorado a intimidade emocional conversando diariamente com Paulo. Política, economia, Big Brother, lives de cantores, pandemia? A distância possibilita conhecer melhor o outro. Pouco tempo antes do isolamento social eles estavam programando um encontro real, mas seguem na esperança de se encontrarem quando tudo acabar.
Como a maior parte dos casais que namoram à distância, Amanda e Paulo resolveram se arriscar no sexo virtual. Eles alternam entre narrativas eróticas e chamadas de vídeo, e, então, se masturbam, cada qual na sua casa. Estão aprendendo o que fazer para estimular o outro. Mas eis que ele pediu para que ela o xingasse durante uma transa virtual. Não que seja uma novidade, pois ela já teve um submisso antes. A questão é que no BDSM tudo ficava acordado antes, ela já ia para o jogo erótico sabendo o que fazer. Agora, sem acordo, ela precisa descobrir aos poucos como o Paulo funciona e tem medo de ultrapassar o limite dele, de deixá-lo incomodado.
Mas eis que ele pediu para que ela o xingasse durante uma transa virtual
Amanda, então, pesquisou como xingar homens na cama e só achou matérias que tratavam de como dizer que ele é incrível. "De xingar uma mulher na cama, ninguém tem medo?", ela me disse. Pensamos em algumas possibilidades: "filho da p.", "vagabundo", "babaca". Ela me parou: "Babaca não! Broxa e flácido ele também não curtiu. Disse que era para xingar, não para ofender!"
Amanda está inibida porque a linha é tênue entre o xingamento e a humilhação. Xingar significa avaliar e julgar e serve para, além de destilar a raiva, impor algum tipo de hierarquização na escala de valores morais de cada um. Alguém pode se sentir ofendida se for chamada de "tia"; outras podem achar fofo. Geralmente mulheres não gostam de serem chamadas de "loucas" — psicólogas certamente odiarão. A mesma palavra pode servir para vangloriar um homem e ter o sentido de humilhação para uma mulher, o que mostra a influência dos discursos de gênero ("galinha", por exemplo). Já xingamentos sempre estiveram presentes nas relações sexuais. De alguma maneira aproximam o sexo da sua versão ordinária, instintiva, "baixa", onde revelamos partes das nossas identidades nem sempre avaliadas com dignidade no cotidiano. É frequente, por exemplo, o estereótipo do homem-alfa que gosta de usar calcinha vermelha e ser chamado de vadia durante o sexo. O sexo coloca a nossa identidade à prova; é nele que residem nossos desejos mais inusitados e onde podemos nos sentir vulneráveis diante do outro.
A linha entre o xingamento e a humilhação é tênue
Amanda seguiu em sua investigação. O fato de estarem distantes ajuda para que a fantasia sexual possa brotar livremente. No entanto, pode não ser fácil sair por aí xingando alguém, principalmente quando a sua maneira não é a mais adequada. Por outro lado, Amanda e Paulo estão criando intimidade e afeto ao testarem alguns xingamentos. Ela se sente mais à vontade quando ordena "bate mais que tá fraquinho" ou quando questiona "tá com preguicinha de meter, é?". Não está acostumada a xingar sem humilhar. E o namorado gosta de ser xingado e de tomar tapa na cara, mas não de ser humilhado.
Viado? Sim! Corno? Nem pensar! Filho da p.? Pode! Babaca? Não. Broxa? Muito menos. Vagabundo? Daí sim.
É, Amanda, agora é testar os limites do Paulo no mundo virtual. Em breve você checa na prática se ele vai continuar batendo fraquinho ou se você vai ficar com preguicinha dele? Ao menos não é homofóbico, o querido.
*Ana Canosa é psicóloga, terapeuta sexual e apresentadora do podcast Sexoterapia. Escreverá semanalmente nas páginas de Universa.
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