"Tem muita gente em lar LGBTfóbico precisando da Parada", diz Louie Ponto

Louie Ponto, mulher lésbica com mais de 630 mil seguidores em seu canal de mesmo nome no YouTube, tem a voz mansa, o jeito calmo e a fala firme. E está muito animada para o próximo domingo (14), quando seu canal será um dos que exibirão a Parada LGBT de São Paulo, a maior do mundo —que, neste ano, devido à pandemia de coronavírus, terá versão online.

A Parada, acostumada a levar milhares de pessoas à avenida Paulista, promete aglomerar virtualmente o público LGBT, que assistirá a tudo pelo YouTube, a distância e com segurança. "Acho que 2020 foi um banho de água fria e pegou todo mundo muito despreparado, escancarou ainda mais as desigualdades do nosso país. Fiquei pensando: será que a gente não vai ter a parada LGBT, que é tão importante em seu caráter político?", conta ela. Mas terá.

"Quando falaram que a gente ia fazer a parada virtual, imaginei como seria possível. A gente está muito acostumado às pessoas nas ruas. A gente não vai ter os blocos, os carros, mas vai ter shows. A mesma coisa exatamente não é. E eu acho a gente está precisando de abraço, afeto, carinho, tem muitas pessoas que estão presas em lares lgbtfóbicos e precisando desse momento", disse ela.

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Apesar de seus 28 anos, Louie fala sobre o peso de se perceber como uma referência para muitas meninas lésbicas mais jovens. "Eu acho que esse peso sempre existe quando a gente fala com um público maior do que a gente está acostumado a lidar, que são núcleos pequenos, como escola, família, faculdade. De repente você está falando com 600 mil pessoas, eu já tive vídeos que bateram sete milhões de visualizações, isso é muito doido", avalia.

Quando a gente fala com populações marginalizadas, a responsabilidade aumenta. Eu fico receosa de pensar que posso ser a única referência lésbica na vida delas

Emocionada, ela lembra de um caso em que isso ficou explícito. "Uma vez eu recebi uma mensagem de uma menina que me contou que a mãe a proibia de ver meu canal. Ela se inscreveu na academia para poder me assistir. Talvez eu seja a única referência lésbica dessa pessoa. Isso mexe comigo", diz.

Sobre a criminalização da homofobia, Louie diz ter sentimentos contraditórios. "Essa é uma questão muito ambígua. Acho que por um lado traz um certo conforto, uma sensação maior de segurança, só que, por outro, eu acredito que a criminalização não é exatamente a saída. Os crimes continuam acontecendo, a população LGBT continua perdendo emprego. É preciso pensar sobretudo sobre a população LGBT negra e indígena, marginalizada."

Ideal mesmo seriam políticas públicas voltadas a LGBTs, de acordo com a youtuber. "Exigir uma política pública de um governo como esse é complicadíssimo, mas seriam necessárias políticas de saúde para essa população. A gente precisa refletir e penso muito na necessidade de nos organizarmos politicamente, acho que precisamos falar de LGBTfobia, mas também de classe, de raça, dos recortes."

Sobre o racismo, tema que tem notivado protestos no Brasil e no mundo, a youtuber acredita que, enquanto figura branca, tenha muito a fazer sobre o assunto. "O racismo é um problema dos brancos, acho que a gente precisa questionar a branquitude, a ideia do 'lugar de fala' pode ser usada de maneira muito equivocada para se abster sobre o debate, quando a gente tem uma obrigação social de falar sobre isso", diz ela.

"Eu tenho muita consciência de que eu ocupo esse lugar na internet também porque eu sou uma mulher branca, as youtubers lésbicas negras existem, mas elas talvez não consigam alcançar os lugares que eu alcanço por ser branca. A gente precisa ouvir essas pessoas, falar dos nossos privilégios, chamar para debates e saber de suas demandas", diz ela.
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