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Líder das deputadas: "Bancadas católica e evangélica veem aborto em tudo"

A deputada federal Dorinha Seabra Rezende: "Já vi deputados desrepeitando mulher em plenário. Ataques assim deveriam ter punição" - Divulgação
A deputada federal Dorinha Seabra Rezende: "Já vi deputados desrepeitando mulher em plenário. Ataques assim deveriam ter punição" Imagem: Divulgação

12/06/2020 04h00

Deputada federal e líder da bancada feminina na Câmara, Maria Auxiliadora Seabra Rezende (DEM-TO), também conhecida como Professora Dorinha, comemora as "quatro ou cinco" propostas em tramitação no Congresso relacionadas à proteção das mulheres na pandemia. O último avanço foi do projeto de lei aprovado na quarta-feira (10), que determina que os serviços essenciais para vítimas de violência doméstica não sejam interrompidos durante a crise de saúde que o Brasil enfrenta. O texto aguarda sanção presidencial.

Faz, porém, um mea culpa em nome do Legislativo: "Nós demoramos muito para começar a votar matérias focadas na questão da mulher. Ficou tudo envolvido na saúde, que é importante, claro. Mas a violência doméstica já era um tema gritante desde o começo", diz. A dificuldade, segundo ela, está no jogo de interesses dos diferentes grupos da casa. "As bancadas católica e evangélica enxergam aborto em todo lugar [no texto das propostas]."

Em entrevista a Universa, Dorinha fala também sobre sua preocupação com as eleições e com as candidaturas femininas, que provavelmente serão prejudicadas pela pandemia. E afirma que é preciso haver punição do Congresso a colegas que se atacam publicamente, principalmente com ofensas machistas. "Já assisti a deputados desrespeitando deputadas, indo para o microfone dizer que elas não têm capacidade. Só vai ter mudança se tiver punição."


Cerca de três meses depois do início do isolamento, só recentemente o Congresso começou a votar propostas relacionadas à proteção de mulheres na pandemia. Por que levou tanto tempo?

Nós demoramos muito para começar a votar matérias focadas na questão da mulher. Ficou muito envolvido na saúde, que é importante, claro. Mas a violência doméstica era um tema gritante desde o começo da quarentena. Há muito interesse envolvido. Por exemplo, tem as bancadas católica e evangélica que enxergam aborto em todo lugar [no texto das propostas]. O PL 1291, que aprovamos na quarta-feira (10) e foi para a sanção, tinha um trecho que falava em 'proteção integral à mulher'. Eles disseram que não podia, que é linha abortista. É coisa de grupos, demora a fazer acordo, demora para ir para votação. Além disso, nosso espaço [das mulheres] de debate é extremamente limitado, precisamos ir com o texto mais bem construído possível. Já estamos com pelo menos cinco projetos [em tramitação]. Uma vitória que já tivemos foi o auxílio emergencial em dobro para mulheres que são chefes de família. Foi uma articulação da bancada feminina.

Como avalia a atuação da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, frente aos desafios deste momento?

O ministério e, principalmente, a secretária [Nacional de Mulheres] Cristiane Britto têm tentado nos ajudar. Mas, como é um modelo de gestão centralizado, muitas coisas seguem regras internas do próprio governo. A ministra tem boa vontade, tem demonstrado isso, se esforçado dentro dos seus limites. Até no que diz respeito à configuração de poder dentro do governo, porque ministros que ousam discordar, tipo o Luiz Henrique Mandetta [ex-ministro da Saúde], se estão falando o que o governo não quer, saem, nós vimos isso.


O assassinato de George Floyd nos Estados Unidos repercutiu em uma onda de manifestações antirrascistas que também chegaram ao Brasil. Como dar visibilidade às mortes que acontecem aqui, inclusive das mulheres, já que registramos cerca de quatro vítimas de feminicídio por dia?

Todo mundo se incomodou, e tinha que se incomodar mesmo, com o que aconteceu nos Estados Unidos. Mas temos isso no dia a dia aqui. Acredito que, para dar visibilidade aos feminicídios, as pessoas precisam entender que o problema de matar uma mulher não é só das mulheres, é do país. É um problema meu, seu, de todos nós, e tem que incomodar todo mundo, da mesma maneira que me incomoda como mulher. Não pode ser visto como um discurso feminista, palavra que, inclusive, é usada quase como xingamento. Como líder da bancada feminina, tenho que lidar com esses extremos de vários grupos, inclusive de pessoas da bancada que, quando chegaram, disseram ter receio de entrar em discurso feminista. Não é sobre isso. Aí entra uma questão de passar a informação certa, educar.


Acredita que a pandemia possa afetar as candidaturas de mulheres nas próximas eleições?

Sim, vai ter um prejuízo. A mulher é muito cuidadosa para se envolver com a política. E as próprias condições de campanha ainda estão muito indefinidas. A pandemia, para as eleições deste ano, terá um impacto pesado de desmobilização. Muitas pessoas que seriam candidatas podem ter mudado de realidade e agora têm que lidar com novos problemas, por exemplo, na vida financeira.

Os partidos estão cumprindo com suas obrigações de buscar nomes femininos para as candidaturas?

O que vejo é que estão todos apavorados. Muita gente já está dizendo que não há mulheres para serem candidatas porque elas não querem. No Brasil se fala: 'Ah, mulher não está na política porque não gosta'. As que se envolvem são vistas quase como uma aberração. Quando se minimiza a questão dessa maneira, como se fosse mimimi ou discurso feminista, é o maior desafio porque parece não ser um problema, então não há formação, não trabalham o tema. E, para ter candidatas mulheres, é preciso ter uma ação contínua. Não adianta chegar na véspera de eleição apavorado se não fez um trabalho preparatório, de buscar lideranças femininas, como líderes de bairro. Um trabalho permanente dos partidos de estímulo às candidaturas femininas seria importante para despertar as pessoas para a política como uma forma de dar sequência ou dar um salto em sua contribuição para a sociedade.

A senhora está no terceiro mandato como deputada federal. Nas últimas eleições, entraram muitos novatos que estão, hoje, protagonizando cenas de ataques, ofensas públicas e falta de decoro, situações que não eram tão comuns antes de 2018. Como avalia essa mudança de perfil na Câmara?

Eu vi situações de desrespeito como algo crescente. Podemos discordar um do outro, mas com respeito. Já assisti a deputados desrespeitando deputadas, indo para o microfone dizer que elas não têm capacidade, desfazendo da pessoa. Essa é uma questão em que a Comissão de Ética precisa avançar, só vai ter mudança se tiver punição. No ano passado, fizemos um manifesto em relação ao que aconteceu com a deputada Geovania de Sá (PSDB-SC) [ela presidia uma sessão e foi chamada de fraca pelo deputado Expedito Netto, do PSD-RO]. Se a Câmara ou o Congresso fossem mais duros com esses comportamentos, no sentido até punitivo mesmo, a gente já teria avançado. Tem muita gente que chegou agora que não tem experiência, e tem muita gente fazendo um grande primeiro mandato. Mas há comportamentos de quebra de decoro que, se não houver consequência, vão fazer de novo, e assim vai crescendo a violência.


Existe apoio ao presidente Jair Bolsonaro dentro da bancada feminina?

Sim, há deputadas que são ligadas ao presidente, não partidariamente, porque agora o próprio PSL é de oposição. Todas as 77 deputadas eleitas fazem parte da bancada, independentemente das bandeiras que assumem. Tem algumas que participam mais, outras participam pouco. Mas, com o tempo, tomamos um rumo respeitando as divergências. Às vezes, tem bate boca de deputada com outra sobre posições políticas, mas eu tento dizer que é um espaço de debate. Esse espaço precisa ser respeitado. E temos tentado muito debater diferentes assuntos. Outro dia, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) disse para a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) no grupo de Whatsapp da bancada: 'Ah, com esse projeto seu eu não concordo', sobre redes sociais. E ela disse: 'Tudo bem, estou à disposição para conversar fora do grupo, porque isso é fora da bancada'. Eu disse que poderia ser ali, que não há tema que não seja da bancada.


A senhora votou a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, e sabe como funciona o processo. Como vê um possível impeachment de Bolsonaro, possibilidade que tem sido ventilada nos últimos tempos com mais intensidade?

No impeachment da presidente Dilma, eu era da Comissão de Orçamento, tinha um olhar sobre o que estava sendo colocado. O momento agora é muito delicado para lidarmos com isso também. Tem que ter um tempo de maturação, e o cuidado que temos que ter é entender que ele [Bolsonaro] foi eleito, escolhido para ser presidente do Brasil, e a escolha dele tem limite no que afeta a sociedade. O que penso é que não é o momento para esse tipo de enfrentamento. A nossa maior tarefa é enfrentar a pandemia, que já está sendo tão dolorosa.

O seu partido, o DEM, em algumas situações se aproxima do chamado centrão, de partidos fisiológicos. Como avalia esse movimento?

O Democratas não se identifica com o centrão. Nunca foi fisiológico. Durante o governo do PT, agiu da mesma forma, nunca se aproximou. Nós temos hoje grupos muito extremados da esquerda e da direita. O que vejo é o partido tentando conversar com diferentes lados para permitir que todas as vozes sejam ouvidas. O Rodrigo Maia, como presidente da Câmara, vem conduzindo esse comportamento e tem se mantido firme. Ele tem aguentado situações e ataques que muitos parlamentares não aguentariam.

A senhora aguentaria?

Acho que sim [ri]. Mas não me lembro de nenhum ataque direto que sofri, em nenhuma situação dos meus mandatos. Sempre tive um bom diálogo com os colegas. Isso faz diferença. Se eu não agrido um parlamentar, se eu o respeito, até digo que não concordo, mas não agrido, ele vai ficar muito mais constrangido em me agredir.