Saudade, shopping: em reabertura, clientes fazem das compras seu 1º passeio
Camila BrandaliseDe Universa
Um rapaz de 20 anos levanta o celular na altura do rosto e faz um story para o Instagram com a imagem à sua frente: a entrada do shopping Bourbon, na zona oeste de São Paulo, que reabriu, como vários outros da capital paulista, na quinta-feira (11). "Voltando para o shopping, gente. Tu-do!", narra, enquanto grava a rampa de acesso e a vitrine de uma loja de departamentos.
Não foi só ele. A euforia estava também nos corredores. "Oi, linda, que saudade! Graças a Deus voltamos. Depois passo lá na loja para conversar com vocês", diz uma mulher após cruzar com uma vendedora de uma loja.
A abertura das lojas estava prevista para 16h desta quinta. Às 15h30, uma fila de cerca de 100 pessoas se formava já dentro shopping à espera do acesso às escadas rolantes que para as demais lojas. Às 15h46, o acesso foi liberado, e as lojas já levantavam suas portas, ao som de palmas e de comemoração. "U-hu", bradavam alguns clientes.
O mundo volta ao normal, mas usa máscara
Medição de temperatura de todos os clientes que entravam, exigência de máscaras e de distanciamento, número máximo de clientes nas lojas, restrição ao uso do provador, álcool em gel disposto pelos corredores. Esse é o que se pode chamar de "novo normal" nos shoppings. Eu ganho acesso depois de registrar 36,4º C.
Nem todas as lojas estavam abertas: cerca de 30% ainda mantinham as portas abaixadas, como Imaginarium e MAC. Nessa última, a vendedora me conta pela fresta que estão organizando tudo para reabrir nesta sexta-feira. Na praça de alimentação, a mesma informação é passada pela atendente do McDonald´s: a partir de hoje, tudo aberto. Um outro funcionário conta que os estabelecimentos têm até 72 horas, a partir da quinta, para reabrirem. Ou seja, até domingo (14), o shopping todo estará funcionando.
Os largos corredores do shopping são agora ocupados por pessoas que, distantes umas das outras, fazem fila à espera de sua vez, já que houve redução na capacidade máxima permitida dentro de cada loja.
"Eu queria voltar, mas ao mesmo tempo não queria", diz um vendedor de uma famosa loja de roupas. Lá era possível usar o provador, diferentemente da maioria das outras lojas. "Acho que porque aqui não fica tão cheio", ele explica. "Meu medo era que tivesse muita gente, que as portas abrissem e viesse todo mundo correndo, entrando. Mas agora que vi que não será assim estou mais tranquilo", conta ele, que ficou dois meses em casa com o contrato suspenso. "De máscara é estranho, né? Mas a gente se acostuma."
"Não aguentava mais ficar em casa"
A frase foi repetida por quatro das oito pessoas com quem Universa conversou. E a maioria escolheu o shopping para a sua primeira saída não essencial após cerca de três meses de confinamento.
A aposentada Sulamita Rigobello, 77, foi ainda mais precisa. "83 dias, minha filha, quem aguenta?", diz. Ela foi à Riachuelo acompanhar a amiga, a também aposentada Angela Baldino, 72, que precisava fazer a troca de uma peça que comprou um dia antes de o shopping fechar, em março.
Enquanto revirava calças de moletom em uma ilha no meio da loja, contava que a única vez que saiu de casa foi para ver uma sobrinha, de carro, e de longe."Sei que sou grupo de risco. Mas não tenho medo. Todo mundo vai morrer alguma hora, não vai? Então...", diz, enquanto puxa uma peça.
Medo e esperança de que situação não piore
Os shoppings reabriram no dia em que o estado de São Paulo atingiu a marca de 10 mil mortes por Covid-19. Foram 5.000 vítimas só na capital, onde também se registra uma tímida queda nos números: segundo a fundação Seade, as mortes dos últimos sete dias indicam a menor taxa de casos da doença em cinco semanas. Ainda assim, profissionais da saúde alertam para o perigo da flexibilização precoce do isolamento e o risco de um novo aumento de casos.
Com duas sacolas de compra em mãos, a técnica de enfermagem Luciana Angélica da Silva, 45, não subestima o perigo da Covid-19 e diz ter ido ao shopping com medo. "Sei que quando chegar em casa vou ficar em pânico, achando que posso ter pegado. Mas queria vir, passear. Quando entrei, foi uma alegria", diz ela, que comprou uma camisa da Lacoste para presentear o marido no Dia dos Namorados. Na outra sacola, dez máscaras da Hope, ao preço de R$ 10 cada uma.
"A gente ainda está se acostumando. Eu estava no piso de baixo agora há pouco e fiquei com vontade de espirrar. Disse para minha filha: 'Não posso, se não o povo me mata'", conta, rindo. "Acho que a situação pode piorar, mas espero que não. Se as lojas fecharem de novo, vai ser muito triste."
A falta que um shopping faz
No começo do isolamento, a auxiliar de escritório Marli Marconi, 50, diz ter sentido uma certa ansiedade por não poder sair de casa. Acostumada a bater perna no shopping uma vez por semana, não hesitou em ir no primeiro dia de funcionamento após a quarentena. "Vim trocar uma calça que ganhei de presente. Mas a verdade é que vim porque estava com saudade", brinca.
Ela conta ter achado as pessoas felizes com o momento. "Os atendentes das lojas, os clientes [estão contentes]. Acho que está todo mundo bem de boa", conta Marli, que pretendia ficar no shopping até seu fechamento, às 20h — nessa primeira fase de reabertura, a permissão de funcionamento é de quatro horas diárias.
Procurado pela reportagem, o shopping preferiu não informar o número de clientes no local no primeiro dia de reabertura. "No momento, [o shopping] está concentrando seus esforços em receber o público e atender seus lojistas dentro das normas estabelecidas", informou, por meio de sua assessoria de imprensa.
Também teve quem foi a contragosto ou por necessidade, a maioria para resolver problemas com suas linhas de telefone: as lojas de telefonia eram as que tinham mais filas de espera para entrar. "Vim apavorada", diz a radialista Giovana Del Carlo, 30. "Precisava fazer a portabilidade do meu número de celular e só poderia ser pessoalmente. Mas não queria ter que me expor. Tenho certeza que essa reabertura vai fazer os casos aumentarem."
Márcia Barreto, 47, levou a criança de 3 anos, de quem é babá, para "ver o au au". "Ela viu que abriu e ficou doida", diz Márcia, que foi vítima de Covid-19 ainda no início da quarentena. "Os pais dela são médicos, os dois pegaram, eu peguei deles. Tive diarreia por uma semana, coriza e um pouco de falta de ar. Nada grave. Agora que passou não tenho mais medo de pegar."