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A filha dela foi morta com crueldade: "Homem que faz isso não tem salvação"

Elza Ribeiro Micharski foi morta em maio de 2019 - Reprodução/Facebook
Elza Ribeiro Micharski foi morta em maio de 2019 Imagem: Reprodução/Facebook

Luiza Souto

De Universa

13/06/2020 04h00

Elza Ribeiro Micharski foi morta pelo ex-companheiro com requintes de crueldade. Era vendedora e tinha 22 anos. Segurando uma barra de ferro, o lavador de carros Alisson Ferraz Barbosa, 30, deu três golpes na cabeça de Elza. Depois entrou num carro e passou por cima do corpo dela duas vezes. Ele não aceitava a separação e, em depoimento na delegacia, em São Mateus do Sul, no sul do Paraná, afirmou: "Estava com sentimento ruim".

Um ano após o crime, a mãe da jovem, Edvirges Ribeiro Micharski, 57, diz que vive à base de calmantes. Não se conforma de ter perdido a caçula. Principalmente porque ela mesma já havia separado inúmeras brigas entre os dois e havia implorado para a filha terminar o relacionamento.

Ele aguarda julgamento, preso. Edvirges também espera, enquanto conta a Universa como tem passado e relembra o dia do crime, em maio do ano passado.

"Olha, minha filha, Elza vivia comigo e fazíamos tudo juntas. Ela só saía para trabalhar no mercado. Me dava um beijo antes. E, quando voltava, tomávamos chimarrão, conversávamos.

Hoje, vivo só à base de calmante. Principalmente na época do aniversário dela, em agosto, e em datas especiais como Natal e Ano-Novo.

Era ela quem me sustentava com os R$ 2.000 que ganhava. Agora, vivo com R$ 80 que ganho do Bolsa Família, e meus outros dois filhos, hoje com 33 e 28 anos, pagam meu aluguel. Fiquei viúva há dez anos. Uma vez, fui pedir cesta básica na prefeitura e não consegui. Disseram que tinha gente na fila precisando mais do que eu.

Minha filha começou esse relacionamento aos 15 anos. Ela teve alguns namorados, mas escolheu o pior deles para casar. Não sei por quê. Ela estava trabalhando, estudava. Mas começou a faltar aula para ficar com ele.

Eu falava para não casar com o Alisson porque ele era marginal, mas ela não ouvia. Ao todo, eles conviveram por cerca de cinco anos, entre idas e vindas. Ela ficava um tempo morando com ele, depois vinha pra nossa casa quando brigavam. Era para ter caído fora na primeira vez que apanhou. A Elza vivia roxa. Ele batia nela e ela corria lá para casa. Até eu cheguei a bater nele.

Uma vez, vi os dois brigando e falei: 'Você pode bater num homem, mas nela não'

A mãe dele me ligou e disse que não adiantava mais falar com ele, que era para largar de mão. A própria família não queria mais saber dele, porque sabia das agressões. Cheguei a ir à casa da família dele com meu filho mais velho, e a avó disse que não queria saber dele, não queria ouvir falar nem no nome.

Ele tinha muito ciúme da minha filha. Dois anos antes disso tudo acontecer, ela resolveu dar um basta. Voltou a morar comigo. Só que ele vivia cercando a gente, dizia que ia matá-la.

Elza falava que não queria mais nada com ele, mas tinha medo. Chamamos a polícia várias vezes. Fomos mais de 15 vezes na delegacia. Ela tinha várias medidas protetivas contra ele. Na última vez em que ela foi na delegacia, voltou chorando para casa. Disse que os policiais deram risada dela, que não iam registrar boletim de ocorrência.

Em documento do Tribunal de Justiça do Paraná, obtido por Universa, consta que Alisson recebeu um ofício em outubro de 2018, informando de um possível descumprimento da medida protetiva de urgência, mas o Ministério Público afirmou que sua prisão preventiva não era necessária, por inexistência de provas.

Ela estava decidida a não voltar. Disse que moraria comigo, que seguiria trabalhando e que íamos alugar uma casa, sair daqui de São Mateus. E também queria estudar para pegar um bom serviço. Falava que seria enfermeira ou médica e iria viver a vida dela.

Minha filha era muito quieta. Até na escola, quando as crianças caçoavam dela, por ser tímida, ela não falava nada. Ela aguentou tanta coisa.

O dia do crime

Era tão trabalhadeira e morreu no serviço. Tinha sido promovida a gerente.

O mundo parou para mim no dia 5 de maio de 2019, quando ele fez essa barbaridade. Isso porque dizia que amava a minha filha.

Eu estava em casa. Lembro de ela ter falado: 'Mãe, vou trabalhar e venho mais tarde'. Eu aproveitei e fui visitar uma amiga, já de idade. Mas me deu aquela agonia.

Tomamos chimarrão e fui embora. Quando deu 19h, o patrão dela veio na minha casa falar que minha filha tinha sofrido um acidente.

Mas depois disse: 'Aquele bandido foi lá. Ele tirou a vida dela'

Eu me lembro de ter caído.

Quando cheguei ao hospital, as enfermeiras já vieram me dar calmantes. Então, chegou o médico: 'Mãe, o que eu pude fazer, eu fiz, mas as pancadas eram muitas'. Aí ele me abraçou e disse: 'Força'.

Eu só consegui responder: 'Fazer o quê?'.

Mando rezar missa para ela, recorro a Nossa Senhora Aparecida e também a do Perpétuo Socorro para dar bom lugar a minha filha porque ela merece. Também peço que me ajude a esquecer essa dor.

Nunca presenciei uma violência assim. Um homem que faz isso não tem salvação. É um criminoso. Sempre falei para meus filhos: 'Tem que conversar'. Se a pessoa não quiser mais, larga de mão. E, se acontecer alguma coisa, tem que chamar a polícia. Sem medo de dar queixa. Embora minha filha não tenha sido atendida.

"Desculpe o choro"

Sigo morando sozinha porque gosto de viver no meu ranchinho. Saio para fazer exames, porque sou diabética, e já volto.

Não sou aposentada. Trabalhava na roça, capinava, pegava feijão, trabalhei em pensão. Fiz o que pude para sustentar meus três filhos. Elza chegou a lavar roupa pra fora.

Saí de São João do Triunfo (a cerca de 130 quilômetros de Curitiba) para morar com meu marido em São Mateus. Ele também trabalhava na lavoura. Morreu há mais de dez anos, de cirrose.

Mas venci. Graças a Deus, ninguém passou fome. Para você ver. Uma vida de sacrifício e minha filha morreu assim.

Dona, desculpe o choro, mas fico nervosa e choro de raiva porque sofri para criar meus filhos, para então vir um bandido tirar a vida da minha filha assim, na flor da idade.

No dia 21 de agosto, ela iria fazer 24 anos. Agora, está embaixo da terra, coitada

Foram tantos momentos bons com ela... Me chamava de 'minha veia'. Era a caçulinha da família.

Hoje, espero pela justiça lá de cima, mas pela daqui da terra também. Não está certo tirar a vida como ele fez e não acontecer nada."

Réu confesso

Preso horas após o crime, Alisson contou detalhes de sua ação na delegacia. O vídeo do depoimento foi divulgado pela polícia logo depois.

Na gravação, Alisson diz que tinha visto um homem muito perto de Elza: "Passei por ela de carro, fiz o balão na praça, estacionei o carro e fiquei parado cinco minutos. Esse cara chegou mais perto dela. Acelerei o carro e parei no meio da via pública", ele conta.

Homem dá detalhes de como matou a ex-companheira, no Paraná

Universa

Desci já com a barra de ferro na mão. Já dei uma na cabeça dela. Ela caiu. Dei mais duas ou três. Peguei o carro, passei por cima, não sei se da cabeça dela, dei a ré e passei por cima de volta e fui embora. Não sei se tá viva ou morta

O delegado perguntou se ele estava sob efeito de álcool, e Alisson negou. "Estava com sentimento ruim", foi a resposta dele.

"Você está arrependido ou abalado?", questionou o delegado.

"Não. Como a situação dela está?", respondeu Alisson.

O delegado perguntou pela segunda vez sobre arrependimento.

"No momento, a gente fica perdido. Mas é complicado."

A denúncia

Alisson não realizou exame toxicológico. O Ministério Público do Paraná o denunciou por homicídio qualificado, por motivo torpe, emprego de meio cruel, recurso que dificultou a defesa da vítima, e feminicídio. Ele está preso, aguardando julgamento.

O advogado do lavador de carros, Luis Gustavo Lara, informou a Universa que, no dia em que o cliente foi preso, ele estava sob o efeito de entorpecentes e de álcool, conforme o depoimento das testemunhas ouvidas no processo. Além disso, segundo Lara, o acusado não estava amparado por defesa técnica. Ou seja: não havia advogado perto.

Questionado sobre o porquê de o rapaz não ter cumprido as medidas protetivas, o advogado escreveu: "Conforme testemunhas ouvidas no processo, nem Alisson nem Elza cumpriam a citada medida, ambos continuavam a se encontrar".

O advogado que defende os interesses da família de Elza explica que quem não pode violar a medida protetiva é o agressor. Igor José Ogar estima uma pena de no mínimo 30 anos para Alisson.

Ogar diz ainda que pedirá indenização do Estado "em torno de R$ 3 a 5 milhões" por não ter protegido a vítima com os meios legais, diante das medidas protetivas que havia contra Alisson.