Tive oito encontros pela webcam e foi o melhor #sextou da minha quarentena
Estava entediada, mexendo no celular, quando li uma publicação da Krishna, personalidade famosa do Twitter, contando que dali a algumas horas iria participar de oito encontros online. Oito. Precisei ler duas vezes para saber se entendido o número certo.
Me olhei no espelho vestindo um roupão com estampa de zebra e admirei as habilidades dela enquanto mulher solteira: em meio ao desânimo da quarentena, sei o quanto é difícil sustentar uma conversa por mais de dez minutos em um aplicativo de paquera. Ok, para ser bem sincera, ter tantos encontros no mesmo dia era algo muito distante da minha realidade mesmo antes de a pandemia começar.
A curiosidade foi tanta que entrei em contato para saber mais — e foi então que conheci o projeto Love is the Cloud, que promove encontros às cegas via Zoom. "Parece um programa de TV, é totalmente organizado", ela me adiantou por telefone.
Consegui chegar até a idealizadora, Isabella Nardini, que me informou que o evento é gratuito, mas só podem participar dele pessoas indicadas: é uma forma de manter o ambiente seguro e garantir que a experiência seja interessante para todos os envolvidos.
A essa altura usei minha cara de pau para perguntar se poderia ser uma exceção e participar também. Por sorte, havia sido indicada informalmente pela Krishna e uma das vagas para próxima versão heterossexual, que aconteceria na sexta-feira daquela semana, ainda estava disponível.
Funk, ansiedade e uma taça de vinho
Só recebi o convite oficial na sexta-feira de manhã. A organização faz questão de que as pessoas sejam avisadas "em cima da hora", porque assim as chances de desistência são menores. Preenchi um formulário com algumas informações e soube que deveria clicar no link para ingressar na sala do Zoom às 21h30.
Segui minha rotina normalmente e trabalhei até às 18h30. Estava cansada. Tirei uma foto de moletom e com as olheiras em evidência — preciso confessar que não é sempre que me arrumo para fazer home office — e mandei para alguns amigos perguntando se eles achavam que eu estava pronta para ter oito encontros.
Pelas respostas, até aquele momento eles estavam bem mais animados com a experiência do que eu.
Para afastar o cansaço, coloquei uma playlist dançante, servi um pouco de vinho e abri o estojo de maquiagem, que está sendo pouquíssimo usado desde março, quando passei a cumprir rigorosamente a quarentena.
Achei que usaria no máximo uma base e um rímel, como costumo fazer quando participo de alguma videoconferência. Mas o fato de ter algo fora da rotina para fazer em uma sexta-feira à noite me animou. Vesti uma das minhas roupas preferidas, passei perfume e até desenterrei meu delineador do fundo de uma gaveta.
Friozinho bom na barriga
Assim que nos conectamos, Isabella, que se intitula "anfitriã", pediu para que todos desligássemos as câmeras e os microfones. Em seguida, explicou a dinâmica dos encontros: cada pessoa seria direcionada para uma sala privativa e teria cinco minutos para conversar com alguém do sexo oposto. Mas a ideia não era só falar sobre amenidades. A cada rodada, receberíamos uma pergunta íntima, sobre sentimentos, para fazer ao outro e responder.
Já foi comprovado que só precisamos de três minutos para saber se vamos ou não nos interessar por alguém", disse Isabella.
Ao fundo, Roberta, que colabora com o projeto, comandava uma playlist com músicas românticas antigas. A primeira a tocar foi "Love Is In The Air". Enquanto isso, pudemos interagir pelo chat. Após algumas trocas de mensagens, fomos direcionados para o primeiro encontro. Conforme as orientações, eu tinha por perto um papel e uma caneta, para anotar minhas impressões sobre cada um.
"Definitivamente sim"
Fui surpreendida ao entrar na sala privativa pela primeira vez. A verdade é que não esperava me interessar por alguém logo de cara, mas aconteceu. Tirando os momentos em que ambos falaram ao mesmo tempo no microfone, a conversa fluiu de forma natural — até o cronômetro aparecer na tela, avisando que tínhamos apenas mais sessenta segundos para conversar.
Senti uma ponta de melancolia ao imaginar que, se o mundo fosse como antes, o papo provavelmente teria se estendido por horas na mesa de plástico de algum bar da cidade.
De volta à sala inicial, tivemos pouco tempo para anotar sobre a pessoa que conhecemos. "Definitivamente sim", escrevi ao lado do nome do "candidato", sentindo como se estivesse participando de um programa de auditório.
O match que não veio
Tive outros encontros bons, mas nem todas as rodadas foram ótimas. Nas próximas, minhas anotações variaram: "dei risada do começo ao fim", "quase não me deixou falar" e "não rolou" foram algumas das impressões que escrevi. Apesar disso, mesmo quando a química não existia, foi divertido conhecer pessoas novas — e, graças às perguntas propostas, criar uma intimidade, mesmo que passageira, com elas.
Ao final dos encontros, fomos informados sobre os próximos passos. Após desligarmos as câmeras, deveríamos responder para Isabella através de uma mensagem quem era o nosso "supermatch": ou seja, poderíamos escolher somente uma pessoa como a nossa preferida.
Caso também fôssemos escolhidos pela pessoa, o "prêmio" seria o seu número do Whatsapp — mas as chances de acontecer, ela adiantou, eram pequenas. Pela sua experiência, os encontros são um reflexo da vida real, onde a Maria costuma gostar do João, o João da Paula, a Paula do Ricardo... De fato: no meu caso, o match não veio. Mas ganhei quatro seguidores pelo Instagram e algumas trocas de mensagens, o que amenizou o contraste entre conversar com tanta gente e depois voltar à realidade da quarentena, no silêncio do quarto.
Nas horas vagas, cupido
Curiosa para entender as motivações do projeto, conversei mais tarde com Isabella. Formada em design de produto e gráfico, ela tem 30 anos e trabalha como designer de experiências. Após três meses viajando pelo mundo, voltou para casa ainda na expectativa de viver coisas novas, mas se deparou com as limitações da pandemia. "O mundo todo estava olhando para a tristeza, a dor, a morte. Então resolvi relembrar os sentimentos gostosos de estar viva e pensar em como eu poderia despertá-los nos outros", conta.
Foi o desejo de sentir novamente um frio na barriga que motivou a criação do Love Is In The Cloud. "Percebo que, nos aplicativos de relacionamento, as relações estão ficando automáticas. Você sabe o que precisa dizer para que o outro te responda e assim vamos criando padrões. Sentia a vontade de quebrar isso", reflete.
Aos poucos a ideia está se expandindo. "Começou com amigos, depois vieram os amigos dos amigos e dessa forma ampliamos a rede", diz. Cada participante pode indicar mais dois para as edições seguintes.
Preciso reconhecer: em tempos em que aproximação é sinônimo de medo e contágio, poder conhecer pessoas novas dá um quentinho no coração e é quase como um privilégio. Mas que dá saudade das cadeiras de plástico e dos copos americanos dos bares, isso dá.
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