"O Universo me respondeu que sou trans", diz menino de 12 anos
"Mãe, eu nem tinha saído do armário", brinca Lucas, ao lado da vendedora e artesã Vanessa Silva, 35, enquanto ela conta a Universa que aproveitou o recente aniversário de 12 anos do filho para avisar à família sobre a transição de gênero do menino.
Era 12 de junho último quando a moradora de Aquidauana, no interior do Mato Grosso do Sul, publicou em seu Facebook uma foto de Lucas rodeado de três pizzas, um refrigerante e um bolo. Acima dele, duas bandeiras: uma nas cores do arco-íris (movimento LGBTQ+) e outra azul, rosa e branca (do orgulho trans). Junto com a foto, um textão.
"Vamos lá. Precisamos falar sobre o Lucas. Isso mesmo. Lucas Gabriel, meu filho do meio, que praticamente todos conhecem há 12 anos. Ou pensam que conhecem. Afinal de contas, o que viram esse tempo todo foi uma garotinha marrenta e que adorava jogar videogame", avisou ela no início do texto.
"Desde que Letícia nasceu, eu percebi que 'ela' era diferente. Sabe o instinto de mãe? Pois é... Eu olhava aquela garotinha de bochechas rosadas no meu colo e não era ela que eu via! Isso é muito estranho para mim até hoje, mas a pura verdade. Eu sabia, desde sempre, que a minha filha não era uma menininha! Então, o que fiz? Mascarei isso o mais profundo que eu podia. Muitos lacinhos, babados, bonecas e afins!", ela resume.
Em chamada por vídeo com Universa, ao lado do filho, Vanessa explica essa sensação. Fala, por exemplo, que o filho sempre odiou rosa ou usar vestidos. Chegou a aceitar ir a um casamento usando vestido, mas sob a condição de usar tênis. Somente no começo de 2020, porém, Lucas assumiu de vez sua identidade de gênero dentro de casa. Seus irmãos, de 16 e 4 anos, foram os primeiros a chamá-lo pelo nome que escolheu com a ajuda de amigos. Vanessa ainda se pega chamando o garoto pelo artigo feminino, inclusive durante a entrevista.
A revelação para o pai do menino, separado de Vanessa, aconteceu há um mês. Havia chegado então a hora de compartilhar com os demais membros da família, além de amigos.
Vanessa decidiu que o anúncio seria no aniversário de Lucas. Ela buscou no YouTube exemplos de festas para o público LGBTQ+. E gostou das bandeiras. Somente ela, os filhos e o marido estiveram na festa de aniversário do garoto, já que a família está isolada por causa da pandemia do coronavírus. Mas o post feito pela vendedora já teve 11 mil compartilhamentos.
"Quis mostrar quem ele é. Algumas pessoas da família curtiram a foto, outras mandaram feliz aniversário e muitos não falaram nada", ela disse.
Lucas adorou a iniciativa.
"Fiquei com menos peso nas costas. Eu nem tinha saído do armário e minha mãe publicou a foto", ri Lucas.
"Acredito no Universo"
Com o cabelo tingido de rosa e extremamente tímido, Lucas não conseguiu explicar à reportagem como se identificou como um menino transgênero. Mas disse que contou com ajuda para isso:
"Acredito no Universo. Então ficava perguntando se eu era trans e pedia sinais, como minha irmã aparecer na hora da pergunta, ou meu gato subir na cama. E ele respondeu".
Certo de sua identidade, o garoto encaminhou primeiro uma mensagem de texto para a mãe. Era 1º de setembro de 2019.
"Não digo pessoalmente porque tenho vergonha. Mas eu acho que sou um menino trans", escreveu. "Por favor, não ache que sou uma criança boba que não sabe o que fala. Eu não me sinto à vontade sendo chamado de menina", pediu, em seguida.
"Vou continuar te amando de qualquer jeito. Vou te apoiar sempre", respondeu Vanessa.
A conversa com o pai também foi por mensagem de texto.
"Eu perguntei se ele tinha transfobia ou algum preconceito. Ele falou que não. E eu respondi: 'Então tá. Sou trans'. Ele aceitou de boa", resumiu Lucas.
Vanessa explica que essa naturalidade que tanto ela quanto o ex-marido tiveram para tratar do tema foi pelo fato de o pai de Lucas ter um primo trans.
Com o consentimento e o apoio dos pais e a foto do aniversário publicada pela mãe, Lucas então mudou nome e fotos em sua página no Facebook. Mas, apesar da experiência na família com o assunto, a maioria discordou desse apoio, e muitos sequer falam com Vanessa e se recusam a chamar Lucas pelo nome que ele escolheu. A avó materna, por exemplo, ligou pedindo que ele voltasse com a versão anterior de sua página na rede social.
"Falei que não tô nem aí. Que não ia trocar. O problema é dela", diz Lucas, dando de ombros e imitando sua reação à época.
"Tenho depressão e tentei suicídio algumas vezes. Meus filhos presenciaram. Então minha mãe achou que o Lucas fosse assim por minha culpa", diz Vanessa.
"Minha avó me disse: 'Por isso, ela tentou se matar'", lembra Lucas, com feição de quem não se sentiu atingido pela séria acusação.
Vanessa segue sem entender a rejeição:
É só aceitar. Meu filho não é um bicho, mas uma pessoa normal
Para ela, também não foi tão fácil se acostumar com a mudança. Chamando o filho às vezes pelo artigo feminino, ela afirma, inclusive, que imaginou ser uma fase do filho. Mas pondera: "Preferi deixá-lo livre".
Foi o pai de Lucas que o levou para comprar roupas ditas masculinas. "Aqui é todo mundo mente aberta", diz o garoto ao ouvir a mãe falando do apoio incondicional ao filho.
Me chame pelo meu nome
Inicialmente, Lucas queria se chamar Gabriel. Fez então uma enquete por mensagem de texto entre os amigos com quem estuda no sétimo ano do ensino fundamental. Eles acharam que o nome atual combinava mais com o garoto. Então chegaram à conclusão: será Lucas Gabriel.
Por causa do isolamento, Lucas ainda não apareceu na escola com a nova identidade. Mas diz que foi bem recebido nas redes.
"Pelo Face, as pessoas conversam comigo normalmente", diz o garoto. Sua única preocupação com a volta às aulas é o banheiro, já que agora ele usará o espaço reservado para os garotos. "Tenho vergonha."
A mãe parece mais aflita. "Sei como é o mundo lá fora", ela diz, em referência a preconceitos que o filho pode vir a enfrentar.
O próximo passo é procurar um centro de atendimento para pessoas trans. Para fazer a adequação sexual, é necessário acompanhamento médico e psicológico. Lucas revela desejo de "tomar hormônio e mudar tudo logo", referindo-se ao corpo. A mãe pede paciência.
"Ele fala muito em tomar hormônio, mas tem que ter calma. Não fico pensando nas transformações pelas quais o corpo dele vai passar".
A única coisa que penso é em acompanhar todo o processo e apoiar meu filho no que ele decidir fazer
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