Acusado de feminicídio usou covid para tentar soltura e fingia ser delegado
Sete meses depois do assassinato da filha, a pedagoga Zenilde Verpa, de 60 anos, sentiu alívio ao saber que o suspeito do crime permanece preso. Ana Mahas Zaher foi morta aos 38 anos em 29 de outubro de 2019, em Campinas (SP). Felipe Faccio Moretti, 31, ex-namorado dela, confessou o crime.
A defesa de Felipe havia entrado recentemente com um pedido de mudança para o regime de prisão domiciliar ou transferência para uma clínica, alegando que o réu teria asma e rinite alérgica e por isso estaria em risco na prisão, devido à pandemia do coronavírus. A ação dizia que, no contexto da crise da covid-19, "a manutenção da prisão do réu viola os direitos humanos". Mas o pedido de habeas corpus foi negado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para a família da vítima, o habeas corpus rejeitado ameniza a dor pela lacuna deixada por Ana Mahas, que trabalhava como esteticista. Além da mãe e do pai, ela deixou cinco irmãos e uma filha, hoje com seis anos.
"Tivemos um sentimento de alívio quando vimos a decisão. Ele deve arcar com as responsabilidades porque tirou o direito da Ana de ver a filha crescer, fazer 15 anos e casar. Na formatura do pré-escolar da minha neta, em dezembro, a mãe não estava e ela nunca mais a verá. Ele está preocupado com a covid-19 e a minha filha nunca voltará", diz Zenilde, com a voz embargada.
Ana foi morta no condomínio de luxo onde o ex-namorado morava com os pais, no bairro Palmeira, em Campinas. O casal namorou por um ano e sete meses, mas os dois ainda mantinham contato após o término. De acordo com Zenilde, o ex-genro perseguia a filha, que não o denunciava por medo.
Segundo a Polícia Civil, na noite de 29 de outubro, Ana Mahas e Felipe Moretti discutiram após saírem para jantar. Ela teria, então, retornado à casa do ex para conversar e, durante a briga, foi atingida quatro vezes por disparos de uma pistola calibre 380. A vítima morreu antes de o atendimento médico chegar. No carro de Felipe, a perícia também encontrou duas facas.
O acusado quis fugir, porém desistiu ao ser convencido pela mãe a se entregar. Ela acionou a Polícia Militar (PM). Neste intervalo, ele tentou se matar, mas não conseguiu. Felipe virou réu por feminicídio em dezembro após o Tribunal de Justiça de São Paulo aceitar a denúncia do Ministério Público (MP) paulista. O caso ainda aguarda data da primeira audiência.
Vítima buscava independência
Nascida e criada em São Lourenço, cidade com pouco mais de 42 mil habitantes do sul de Minas Gerais, Ana Mahas estava morando há pouco tempo em Campinas, quando conheceu Felipe em um centro espírita, em meados de fevereiro de 2018.
Bacharel em direito, decidiu mudar porque acreditava não ter campo para atuar como advogada no interior mineiro.
Nove dias antes do crime, em 20 de outubro, prestou a primeira fase do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para receber a carteira profissional.
"Ela queria alguma coisa maior, pois achava a cidade muito pequena e com pouca oportunidade. Achava que, se passasse na OAB, não teria muito campo de atuação", explica a mãe.
Enquanto estudava para a prova para atuar na advocacia e para prestar concursos públicos, ela também se dividia entre os clientes dos trabalhos de estética.
"O maior desejo dela era ser funcionária pública e ter uma estabilidade. Estava se dedicando muito, sempre mandando fotos mostrando o caderno, os livros."
Acusado mentiu profissões e andava armado
Ao ser preso, Felipe teria dito que era advogado. A profissão, inclusive, consta na página oficial do STF no comunicado sobre o habeas corpus negado. No entanto, a reportagem apurou que, mesmo com bacharelado em direito, o réu nunca passou no exame do Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e não há registros de que tenha atuado na área.
Para a família da esteticista, Felipe dizia que exercia outra profissão: delegado de polícia. Também jamais ocupou o cargo. Os advogados do réu não quiseram dar entrevista, mas confirmaram que ele era bacharel em direito e que declara atualmente a profissão como "estudante".
Foi com base na falsa profissão de delegado que Felipe justificava que precisava andar armado. Ele costumava levar a pistola da cintura até em festas de aniversário dos parentes da então namorada, em São Lourenço.
"A Ana morreu achando que ele era delegado. A gente acreditou. No aniversário de uma sobrinha-neta minha, quando a minha filha foi ao banheiro com minha irmã, o Felipe ficou na porta com a mão na arma. Ela sempre achava normal porque ele dizia que tinha medo por ser delegado", diz Zenilde.
"Mãe, não aguento mais"
Segundo a família da vítima, Felipe teria ameaçado Ana Mahas com a arma durante as discussões do casal. A mãe afirma que a filha sofreu violência física e psicológica mais de uma vez. As desavenças vieram à tona quando os então namorados brigaram em agosto de 2019.
Ana e Felipe decidiram passar o fim de semana na praia. À noite, a mãe do acusado ligou para Zenilde e pediu ajuda para intervir numa briga do casal.
Em seguida, Ana desabafou para a mãe que vivia há meses sob ameaças e ataques de ciúmes do namorado. Ele teria pedido para que ela deletasse suas redes sociais e proibia que usasse determinadas roupas. Foi nessa ocasião que Zenilde "começou a batalha" para convencer Ana a retornar de Campinas para Minas Gerais.
"Uma vez ela me disse que vivia uma relação abusiva e que se sentia muito pressionada. Ela falou 'mãe, não aguento mais'", lembra. O casal terminou o namoro um mês antes do assassinato.
Depois do episódio no litoral paulista, Zenilde pediu para que a neta, que vivia com a mãe em Campinas, retornasse para São Lourenço. A criança voltou e hoje mora com o pai. Segundo a pedagoga, a intenção era preservar a neta das atitudes agressivas de Felipe.
"Tinha muito receio que ele fizesse algo também com a minha neta porque foi um relacionamento regado de muitas ameaças", diz Zenilde, acrescentando que o comportamento do então genro mudou desde o início do namoro.
"Eu o achava um 'gentleman'. Eu e minha neta sempre fomos bem tratadas. (...) A Ana estava superfeliz [no começo do namoro]. Dizia que tinha encontrado uma pessoa bacana".
Morte anunciada
Mesmo com os pedidos insistentes da mãe para que saísse de Campinas, Ana continuou na cidade para honrar os compromissos com os clientes que haviam adquiridos pacotes de seus serviços de estética.
Dias antes do crime, o acusado seguiu Ana até a academia que ela frequentava. "Uma semana antes, ela me disse que o Felipe apareceu no lado de fora da academia. A Ana dizia que tinha medo e dó porque ele não tinha amigos nem alguém para conversar", diz a mãe.
No dia do assassinato, em 29 de outubro, Ana Mahas mandou a última mensagem para a mãe às 20h04.
Pouco depois da meia-noite, a pedagoga recebeu uma ligação. Era um agente da Delegacia da Mulher de Campinas pedindo que se dirigisse naquele momento para São Paulo. Ele não quis informar o motivo do telefonema.
"Eu insisti para que o agente falasse [o motivo] porque era minha filha e precisava saber. Insisti até que ele falou 'sua filha está morta'. Ficou um silêncio e depois ele disse: 'infelizmente'", lembra.
"Parecia uma coisa anunciada por causa de tudo vinha acontecendo. A gente nunca pensa em enterrar um filho. Sempre pensamos que vamos primeiro, né? Eu dizia que morreria despreocupada porque ela era muito esforçada e seguia sempre atrás dos sonhos."
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