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Discussão sobre identidade trans virou política, mas é ciência, diz médico

O médico Joshua Safer, diretor executivo do Centro de Medicina Transgênero - Divulgação
O médico Joshua Safer, diretor executivo do Centro de Medicina Transgênero Imagem: Divulgação

Elisa Soupin

Colaboração para Universa

27/06/2020 04h00Atualizada em 28/06/2020 14h04

O médico Joshua Safer, diretor executivo do Centro de Medicina Transgênero no Hospital Mount Sinai, em Nova York, é um super especialista quando o assunto são pessoas transgênero. Ele, que participa do documentário "Gender Revolution", do NatGeo, conversou com Universa e veículos de outros cinco países para um diagnóstico sobre como é a vida das pessoas transgênero hoje. Ele fala da realidade norte-americana, bem distinta do Brasil, um dos países que mais mata pessoas transgênero no mundo.

"Fico confuso pelos motivos pelos quais tornam essa discussão de cunho político, quando na verdade, é sobre ciência", diz o médico. O documentário do qual ele participa volta a ser exibido às 14h05 deste domingo, Dia do Orgulho LGBT, pelo canal NatGeo. Da conversa, destacamos 8 pontos em que Joshua Safer esclarece dúvidas sobre o universo das pessoas trans.

Tratamento para pessoas transgênero não deve ser uma questão política

"Parece que eles acreditam que é assumir uma postura liberal cuidar das pessoas transgênero, como se fosse uma escolha política, como se as pessoas estivessem escolhendo uma identidade. E, por outro lado, é uma posição conservadora não prover cuidados médicos para pessoas transgênero, como se existissem apenas homens e mulheres, divididos nestas duas categorias.

Fico confuso pelos motivos pelos quais tornam essa discussão de cunho político, quando na verdade, é sobre ciência. É verdade que na ciência, nós temos dois sexos, mas há múltiplas manifestações desses sexos, então, podemos falar de cromossomos, anatomia, hormônios e identidade sexual, que é parte da biologia do seu cérebro. Não há nada de político nisso e eu não sei porque em tantos países há resistência em oferecer tratamento médico."

Ser transgênero não é escolha, é biologia

"É preciso compreender que pessoas transgênero, assim como todas as pessoas, têm a identidade de gênero programada em seus cérebros.

Pessoas transgênero têm identidade de gênero diferente da do corpo que você vê. E algumas dessas pessoas reconhecem isso em diferentes momentos de suas vidas

A forma como isso ocorre é variada, têm crianças que simplesmente contam que são transgênero, há crianças mais velhas que querem começar a tomar hormônios para bloquear o curso natural que aquele corpo tomaria, há pessoas que tomam hormônios depois da puberdade, para reverter os efeitos [no corpo com o qual não se identificam] e há pessoas que vão procurar por cirurgias."

Há idade certa para fazer a transição?

"Nos Estados Unidos, a terapia com bloqueadores de puberdade começa no início da puberdade. O tratamento não acontece de forma preventiva. O uso real de hormônios, para casos em que é muito claro que aquela pessoa é transgênero e que há uma situação estável envolvendo a família, às vezes começa com 14 anos, mas de maneira geral seria um pouco mais tarde, aos 16 anos.

Para alguns meninos transgênero, a remoção dos seios pode ser feita aos 16 anos, se tudo for bastante estável naquele paciente. Mas a cirurgia de redesignação sexual deve esperar até os 18 anos para acontecer [pelas regras legais]."

Há casos de pessoas que se arrependem da transição?

"É muito raro lidar com pacientes que se arrependeram dos procedimentos, mas o número de casos não é zero. Em minha experiência pessoal, nunca houve um caso de uma pessoa que se arrependeu e disse: 'Vi que não sou transgênero'. Quando esses casos acontecem, o que é raro, são casos em que as intervenções não funcionaram bem para aqueles pacientes.

Por exemplo, eu tive um caso de uma paciente transgênero mais velha que tinha muitos traços masculinos antes de começar a usar os medicamentos, e os medicamentos não mudaram o suficiente seu rosto ou a forma como ela era tratada socialmente, mas mesmo esse tipo de caso é raro."

Crianças transgênero, como ajudar?

"A sociedade precisa entender que a identidade transgênero tem um componente biológico e que as pessoas são o que são e que não importa qual seja esse componente biológico: ele não pode ser convertido externamente.

Não adianta tentar convencer uma criança transgênero de que ela não é transgênero. Isso só vai fazer com que ela tenha baixa autoestima, duvide de si mesma ou sinta que ela não tem apoio.

Ainda que a intenção seja a melhor, no sentido de tentar protegê-las, mesmo assim, isso irá enfraquecê-las. Se olharmos para isso como um fenômeno biológico, então não dá para convencer alguém que não é transgênero a ser transgênero. A sociedade e as pessoas não devem se preocupar que algo externo faça com que alguém que de outro modo não teria essa ideia vire transgênero. Não observamos nada que mostre que isso é real."

Representatividade trans na mídia

"A representação de pessoas transgênero na TV e no cinema certamente vem melhorando. Antes, elas eram motivo de piadas que não faziam nenhum sentido. Agora, começamos a ver pessoas transgênero interpretando pessoas transgênero em histórias, e isso é bom para que as crianças e adultos trans em geral saiam do armário e contem para as pessoas como se sentem.

O próximo passo, eu acho, é que pessoas transgênero, enquanto parte da sociedade, interpretem papéis em que não sejam necessariamente transgêneros e sim apenas pessoas. Há o que melhorar, mas estamos em um lugar melhor do que já estivemos."

Sobre a abordagem médica para esses casos

"A classe médica entendeu melhor o componente biológico no fato das pessoas serem trans, e isso resultou em uma mudança total na maneira e na abordagem de tratamento. A questão deixou de ser vista como um problema de saúde mental e ganhou um entendimento biológico e sobre como nós, médicos, ajudamos essas pessoas a fazerem o que elas precisarem. Damos uma solução personalizada para cada circunstância, isso é o que chamo de revolucionário."

Os equívocos no olhar da sociedade sobre pessoas trans

A melhor estratégia é ajudar as pessoas que querem mudar a aparência e seus corpos para que se encaixem em suas identidades de gênero.

O maior equívoco que as pessoas têm é que ser transgênero é um problema de saúde mental. Agora é reconhecido que existe uma condição biológica relacionada à identidade de gênero.

Mesmo entre as pessoas bem intencionadas, outro erro comum o é pensar que tudo se trata de genitais, que as pessoas querem cirurgias para mudar de sexo.

Mas as características que os transexuais irão mudar não passam necessariamente tanto pela redesignação sexual quanto as pessoas pensam. Para uma mulher transgênero que tenha características masculinas em seu rosto, mudanças que a deixem perto de um visual mais considerado feminino será uma prioridade para que ela seja tratada como mulher e não o que está dentro de suas roupas e que ninguém está vendo."