iFood baby: entrei no grupo em que homens pagam comida e saí bem alimentada
Se tudo do lado de fora está desmoronando no caos, nas redes sociais ainda dá para encontrar alguns momentos de respiro. E de boas risadas. Quando soube que existia um grupo no Facebook onde homens pagavam iFood pra mulheres, só pensei "isso é meme, com certeza".
Decidi investigar. Entrei no grupo na noite de terça-feira (22). Nas regras para ser aceito, um aviso importante: "Respeito acima de tudo! Queremos C-O-M-I-D-A e não nudes". Ok, gostei, não estava a fim de mostrar nada além da minha simpatia. No começo, quando mandei a solicitação, 5 mil membros participavam da comunidade, que era privada.
Logo descobri uma versão "falsa" do grupo, esse sim público (ou seja, quem não participava do grupo também podia ver os posts) e com um nome mais sincero: "Grupo onde homens fingem pagar iFood pra mulheres". Nos dois havia relatos de mulheres que diziam ter recebido comida de um desconhecido, e outras que diziam que era tudo armação.
Posts de caras "se oferecendo", compartilhando prints do suposto saldo bancário, chegavam a mil comentários em poucos minutos. Era muita mulher pedindo comida pra pouco homem dando alguma coisa. Para chamar atenção, a estratégia de muitas delas era publicar no grupo o que queria comer junto com uma foto sexy. Pensei um pouco e decidi por uma abordagem agressiva. Então corri para fazer algumas alterações no meu perfil. Primeiro mudei a foto — coloquei uma de quando tinha 20 anos, estava bronzeada, na praia, com cabelos longos e supersexy. Depois apaguei as fotos recentes com o meu namorado e tirei o local onde trabalho.
Pronto. Aquela sim conseguiria um lanche. Preparada para atacar, publiquei um pedido no grupo: "Oi, quero uma sobremesa." Demorou um pouco até o primeiro like, depois vieram alguns outros... mas todos de mulheres. Fui para outras publicações e comecei a pedir comida na cara de pau. Até que um homem finalmente me respondeu, mas — de um jeito bem atrevido e em um português complicado de entender — disse que eu teria que ir até a casa dele para matar a minha fome.
Não, né. Nesse meio tempo, algumas denúncias de homens pedindo nudes e de mulheres oferecendo fotos peladas começaram a aparecer na timeline — o que era proibido. Algumas ofereciam "packs" de fotos dos pés — pra quem não sabe, sentir tesão por pés é um fetiche e tem nome, podolatria — em troca de alimentação.
Surgiu um grupo do Whatsapp e resolvi entrar porque o do Facebook não estava dando efeito. Um cara fez um desafio e disse que daria comida para a primeira que cantasse qualquer música da Anitta — eu, muito fã, respondi em dois segundos. Logo veio à tona que o grupo do zap era uma zoeira e quem tinha feito o desafio nem de mulher gostava.
Ok. Já estava começando a achar que era mentira. De repente, recebi uma mensagem no privado de um cara do grupo do Face me perguntando se eu era atriz. Ali encontrei uma possibilidade. Trocamos algumas mensagens, dei risada e contei que estava participando de um desafio, precisava muito de um açaí para vencer. Ele falou que me ajudaria e no dia seguinte ia transferir a grana.
Às 4h da manhã de uma noite de muitas risadas, fui dormir já ansiosa para o dia seguinte. Sonhei com a ideia de que eu viraria uma verdadeira "iFood baby" (expressão irônica em referência aos sugar daddies e sugar babies, modalidade em que homens mais velhos sustentam mulheres mais jovens).
Acordei na quarta-feira sem esperanças. Será que era tudo uma grande armação? Ou eu não era boa o suficiente naquilo? Vi novas fotos. Prospectei alguns alvos. A única certeza até aquele ponto era que eu nunca tinha me humilhado tanto pra macho como nas últimas 24 horas.
O cara que tinha prometido o açaí continuava me mandando mensagem — de um jeito muito educado e respeitoso. O pagamento viria no dia seguinte. À noite, no grupo fake onde "homens fingem pagar" iFood, reparei que um usuário comentava em todas as fotos fazendo piadas e brincadeiras.
Respondi um comentário dele — modéstia à parte, com um ótimo flerte — e daí pra frente a sorte brilhou pra mim. Conversamos um pouco, ele disse que ia me dar um "lancho" porque tinha me achado engraçada e assim foi feito. Enviei um boleto e ele pagou o valor da sobremesa. Em 20 minutos tinha recebido o meu mimo.
Em troca, postei no grupo o meu agradecimento a ele que, depois disso, decidiu deixar a comunidade — talvez pelo excesso de nudes não-solicitados e de mensagens de estranhas recebidas no inbox. Continuamos nos falando normalmente, eu não sou mal agradecida, né.
Para minha surpresa, o cara do açaí que eu tinha conversado um dia antes continuava mandando mensagens dizendo que sim, iria me dar comida. E, na quinta-feira, a promessa foi cumprida. Recebi um novo mimo. Agora estava relaxada, o problema não era comigo e o grupo não era uma armação. Mas nem todo mundo sai feliz.
Isso é cilada, bino!
Muitos meninos continuavam insistindo em assediar as garotas com pedidos de nudes e mensagens ofensivas. Alguns deles rebatiam, dizendo que o grupo era pra mostrar que homens podem ser gentis. Embora fosse recomendação e regra do grupo, havia quem teimasse em enviar o endereço pessoal para os possíveis iFood daddies.
Aí, como era de se esperar, uma sequência de golpes se tornou realidade. Teve caras enviando pedidos que precisariam ser pagos na entrega. Teve outros tentando se passar por mulher para conseguir comida. E tinha homem ameaçando as garotas em troca de nudes.
Mas, sendo sincera, tenho mais elogios a fazer do que reclamações. Correntes de solidariedade — para além da tentativa da paquera — também começaram a aparecer por lá. Como o participante que distribuiu alimentos e mimos para mamães solteiras.
O que um "iFood daddy" tem a dizer
E o que um homem ganha ao dar comida de graça para uma estranha? Tentei encontrar uma resposta lógica e não encontrei. Decidi conversar com um dos principais iFood daddies do grupo, Alan Cruz, de 24 anos. Ele é jogador de esportes online e diz que foi o primeiro a mandar comida para alguém.
Quando chegou lá, apenas 50 pessoas participavam da comunidade. Viu que várias garotas estavam desapontadas por não receber nenhum mimo e decidiu mudar isso. Publicou uma foto de si mesmo e disse que selecionaria quem fizesse o melhor comentário. Do nada, recebeu 300 seguidores no Facebook, 100 no Instagram e milhares de inbox no Messenger. Porém, só 4 foram escolhidas. O critério? "Não escolhi pelo local, mas sim pela pessoa. Tinha muita gente pedindo, decidi aleatoriamente e chequei para saber se o perfil era fake ou se tinha namorado. Não tem porque pagar algo para quem está em um relacionamento. Se o namorado ou marido não paga, então estão se relacionando errado."
(Essa não era uma questão só de Alan, no grupo teve quem perguntasse: "Mulher casada ganhar lanche de outro homem é considerado traição gastronômica?")
Quando quis saber se aquilo era um fetiche, o expoente do iFood daddy no Brasil respondeu que não. "Só sinto prazer de comprar ou dar algo para a pessoa de quem eu gosto." A brincadeira, porém, custou caro para Alan. E não estou falando de dinheiro. O problema foi que um "contatinho" dele viu a farra no grupo, e não gostou de nada daquilo.
É fetiche ou não é?
Para Ana Canosa, sexóloga e apresentadora do podcast Sexoterapia, não dá para afirmar que pagar comida para alguém seja um fetiche — a não ser que a pessoa se excite sexualmente com aquilo. "Até pode haver uma relação de submissão aí, mas a gente não pode dizer que é só isso. O cara pode se sentir dominador ao pagar para uma mulher, assim como a mulher pode se sentir dominadora ao 'obrigar' um homem a pagar comida para ela. Porém, vale lembrar que comida também é demonstração de afeto", diz.
Procurei por mulheres dominatrix no grupo e não demorei para encontrar a Milena, que um dia antes tinha jantado um hambúrguer delicioso graças a um submisso. Ela tinha usado suas técnicas profissionais para conseguir o "lancho", e disse que o segredo era a simpatia.
Quando perguntei pra ela se achava que havia motivação sexual por trás da bondade masculina, respondeu: "No começo tudo acontecia como um fetiche. Mas com a exposição do grupo isso foi banalizado. Entraram pessoas curiosas, homens querendo brincar e mulheres com fome."
Pesquisando, descobri que além da relação de dominatrix versus submisso, existe também o fetiche do feederismo, quando alguém sente tesão em engordar o parceiro. Não acho que era o caso. O grupo realmente se encaixava mais numa busca por afeto. No meio da pandemia, enviar comida para amigos e familiares virou uma alternativa para demonstrar amor sem colocar ninguém em risco. Senti um pouco disso quando estava no grupo. Parecia uma forma de suprir a carentena.
Também tive questionamentos sobre aquilo ser moralmente correto, se não soava como prostituição — tipo aquele meme do "Eu me prostituia pra comer x-burguer". Ao finalizar essa matéria, acessei novamente o grupo e vi que a quantidade de membros já passava dos 80 mil. Um outro resultado no campo da busca, porém, me fez rir. Tinha encontrado o "Grupo em que mulheres pagam comida para homens". Obrigada, internet, por existir.
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