Por que é tão difícil escolher entre a esposa e a amante?
Juliano foi para o litoral com dois filhos pequenos e a esposa. Entre um arbusto e outro, escondido, Juliano chorava a sua verdade: "Estou com muitas saudades dela! Não posso conversar com ela, nem vê-la, não sei o que está acontecendo. Dói muito."
Sim, Juliano está com saudades de seu outro amor, com quem vive uma relação há dois anos. Do tipo emocionada e profunda, essa relação começou com conversas sobre o trabalho, ideias semelhantes, pontos de vista que se completavam e evoluiu para uma experiência que, segundo ele, é "a mais profunda de sua vida", com trocas de mensagens diárias e um encontro presencial semanal onde os dois mergulhavam em "uma profunda fusão de corpos estelares".
Sabe aquele refúgio de amor, respiro cotidiano, o pequeno prazer que você se dá diante das obrigações do mundo adulto? Pois é, e era nos braços da amante que ele se permitia esse direito, o único lugar onde se sentia "livre como homem de desejo no mundo". Ali, entre as paredes do consultório da amada, durante 3 horas toda semana, ele diz que "não é pai, nem marido, nem filho, nem chefe" e encontra um prazer que não é só sexual, mas que advém da liberdade que a situação oferece.
Só nos braços da amante ele se sentia "livre como homem de desejo no mundo"
Sinto informar, caro leitor, mas esse lugar privilegiado, onde os dois vivem um para o outro sem interferências, garantindo a importância de cada um, é uma ilusão. Refletimos sobre isso. Juliano e a amante não se separaram de seus parceiros, porque, segundo eles, também os amam. Com eles, construíram uma história que começou no capítulo da paixão e já é um livro inteiro, com dezenas de personagens, tramas e afins. "Muita gente envolvida." "Filhos que sofrerão." "Não me vejo sem ela." Qual? "Nenhuma das duas."
É possível viver dois amores ao mesmo tempo? Os adeptos do poliamor responderão em coro que sim. Também acho. Se na prática seria uma confusão sem tamanho? Os incrédulos responderiam que bem provável. Também acho. O que mais me chama a atenção, no caso deles, é que o desejo está sempre no lugar inalcançável. Separação da mulher? Nem pensar. Fim do caso extraconjugal? Impossível. Abrir o jogo? Nunca. Propor relação aberta? Não daria certo.
O desejo é alimentado justamente pelo seu caráter inatingível. É reviver a história de Tristão e Isolda, que se amam loucamente quando separados, mas quando juntos precisam se separar. O desejo vira um constante desafio. A distância e as poucas informações, por estarem os amantes próximos demais dos seus cônjuges, alimentam o romantismo da história e o desejo do encontro. Apresenta-se assim a tão procurada liberdade que agora se tornou também uma prisão.
É possível viver dois amores ao mesmo tempo? Acho que sim. Se na prática seria uma confusão sem tamanho? Também acho.
Você pode pensar que um traidor é mau caráter, desajustado ou covarde. Eu não estou aliviando ninguém, afinal cada um com suas escolhas, mas quando me contam todo o romance, os dilemas, a culpa e a redenção, eu chego a me confundir. Era tão mais fácil ser transparente e dizer: meu bem, seguinte, me apaixonei. Foi sem querer. E não quero me separar de você. E estou confuso.
Mas isso vem acompanhado de espero que você não passe horas se descabelando, que não me agrida e me acuse de ser a pior pessoa do mundo. Que não conte para todas as pessoas da família, e os amigos, que depois de tantos anos doando toda a sua vida eu resolvi me apaixonar pela primeira mulher que me fez um agrado. Que não conte para os nossos filhos, que não faça a minha mala e me expulse de casa. Que não chame um advogado para tirar tudo de mim, aquilo que foi construído em conjunto. Que não entre em depressão nem tente se suicidar. Que não diga que a sua vida acabou por minha causa.
Pois é. A vida definitivamente não é justa.
*Ana Canosa é psicóloga, terapeuta sexual e apresentadora do podcast Sexoterapia. Escreverá semanalmente nas páginas de Universa, dividindo casos reais que atende em seu consultório.
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