Qual é o tamanho de cada minoria na sigla LGBT
Existem minorias dentro das minorias? A charge do artista Ribs, reproduzida em sua conta do Instagram e que ganhou grande repercussão com mais de 35 mil curtidas, levanta a questão. LGBTs são uma minoria, mas, entre lésbicas, gays, bissexuais e travestis e transexuais há muita diferença em termos de voz, visibilidade e bandeiras.
Sem dados que indiquem a representação de cada grupo na sociedade brasileira, o ponto mais comum de reclamação dentro do grupo é que gays cis acabam ocupando um espaço maior com suas pautas em relação a outras letras do movimento. A pesquisadora transfeminista Jaqueline de Jesus acredita que o movimento acaba dominado pelas pautas de homens gay cisgênero, que joga sombra sobre outras demandas. "Isso acontece principalmente na relação com as pessoas trans. Há um sequestro do protagonismo e um apagamento sistemático de outras pautas", afirma.
Basta parar para pensar que costumamos chamar datas comemorativas como Parada Gay, ou Dia do Orgulho Gay. Assim, acaba havendo um apagamento das demais sexualidades (e aqui nem estamos levando em consideração todas as outras possibilidades que vêm depois do T). A seguir, ouvimos lésbicas, bissexuais e transsexuais para entender essas demandas.
Lésbicas
Fetichizadas, violentadas, vítimas de agressões física e com uma representatividade bem reduzida. É dessa forma que o movimento lésbico, apesar de organizado, se entende.
"Vejamos um dia 28 de junho [Dia do Orgulho LGBT], nos tempos atuais de pandemia, em que os eventos se distribuíram em programas de TV, lives e festivais virtuais. Por onde podemos mapear as invisibilidades? Observe as composições de webnários, de lives e de programas, e quantifique as lésbicas", propõe Bruna Irineu, presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH).
"Cheguei a ver programações sem lésbicas, ou as mesmas lésbicas em várias programações, quase que nos resumindo a 3 ou 4 em um Brasil tão diverso e numeroso de sapatões. A exemplo, podemos perguntar a alguém se conhece uma LGBT inspiradora, um número alto vai lhe trazer no máximo Daniela Mercury ou talvez Bruna Linzmeyer", diz ela, sobre a invisibilidade das lésbicas no movimento.
Bissexuais
Indecisos, confusos, promíscuos. Os bissexuais lidam com vários destes estigmas e se sentem, muitas vezes, invisibilizados no movimento.
"Nosso ativismo é interrompido e impactado por políticas públicas que não trazem esse debate. Quando a gente fala da bissexual, a gente fala de uma sexualidade que tem grande passabilidade hétero. O movimento lésbico se marca e se define", explica a bissexual e articulista do Bisexual Resource Center Tainá de Paula.
Por passabilidade, Tainá se refere a uma maior aceitação social, diferentemente das outras letras. "As mulheres bissexuais não se organizam com o movimento lésbico e são até mesmo rechaçadas por ele, por não se inserirem, já que, de fato, tem maior passabilidade. Mas em ambientes heteronormativos, se a bissexual fala de sua sexualidade, é vista como vadia, vulgar."
Ou seja, é opressão por todos os lados.
O medo de ser taxada, assim como no caso dos demais, faz com que elas fiquem no armário por muito tempo. Mas a falta de visibilidade, de ativismo, não incentiva a identificação pública. Se há um movimento grande organizado, diz Tainá, ele pode estimular um processo de autoafirmação de sexualidade dissidente. "Também há diferença entre homens e mulheres bis. Para os homens bis, há mais facilidade, eles são homens livres, que querem experimentar. A mulher bi é a degenerada. Estamos no marco histórico de reivindicar nossa bissexualidade e acho que a organização vai partir de uma luta amplificada", acredita Tainá de Paula.
Transexuais
Em um dos países que mais matam transexuais no mundo, pessoas trans vêm se organizando de maneira independente para ter mais voz e conquistar a necessária visibilidade dentro da sigla.
Para a pesquisadora transfeminista Jaqueline de Jesus, o que acontece, de forma geral no movimento é o que acontece fora dele. "A gente tem que lembrar que vive numa sociedade machista, o homem cis é privilegiado de maneira geral, nas falas, na representatividade, ele tem centralidade, existem recortes de raça e classe, então se ele for branco, classe média, ganha ainda mais visibilidade", lembra ela.
Jaqueline narra que, por conta desse apagamento, o movimento trans teve que se mobilizar por si só. "Neste momento existe um movimento mais autônomo que é resultado de uma reação. Porque, enquanto havia generalização, as pautas eram apagadas. Quem morre mais são as mulheres trans e as travestis e até mesmo essas mortes foram usadas como propaganda para o movimento LGBT, que, por outro lado, tinha as pautas trans apagadas", pondera ela.
Bruna Irineu levanta, ainda, uma última questão dentro de uma discussão sobre pluralidade e diversidade do movimento como um todo. "Quando analisamos as programações de orgulho LGBTI+, há diversidade étnico-racial? Há pluralidade de gerações, ou só se convida jovens? E pluralidade geográfica? Temos a sensação que a intelectualidade política e artística só reside no sudeste, pois raramente se vê alguém da região Centro-Oeste, exceto Brasília, e Norte, às vezes até mesmo do Nordeste. E as pessoas com deficiência? E a militância anti-gordofobia?", provoca.
"Ainda que seja desafiador representar a diversidade que constitui a humanidade, esse exercício é fundamental, pois a pluralidade de sujeitos em sua representatividade na cena pública precisa estar em nossos horizontes de compromisso.
E os gays?
Ativista gay, Iran Giusti afirma que o movimento como se organiza até hoje nasce nos anos 70 por meio de homens gays brancos e cis dentro das elites brasileiras —ele cita como exemplo o Grupo Somos, na USP (Universidade de São Paulo). "Ao longo das décadas, ainda que a luta tenha se expandido, o protagonismo realmente se concentrou entre esses mesmos homens gays brancos —e cis em especial— porque a nossa própria estrutura social é machista e patriarcal", analisa.
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