"Fazia do mega hair meu escudo para ninguém mexer comigo", diz Erika Januza
Aos 8 anos, ela começou a alisar o cabelo. Dezenove anos depois, conseguiu seu primeiro papel na TV justamente ao adotar os fios naturais. E, há poucos meses, a atriz Erika Januza, 35, percebeu que se desfazer do cabelão é o que lhe daria força.
Contar sobre suas mudanças no cabelo e como essas transformações também trouxeram mudanças na forma como ela se relaciona com o mundo foi um dos pontos da conversa de Erika com Universa. Para Universa, ela se diz vaidosa e conta também sobre suas rotinas com produtos de beleza.
Mineira e encarando a quarentena no Rio, Erika, que na vida normal pré-pandemia vivia Marina da novela de Amor de Mãe, diz que isolamento pede cuidado, sim. "Eu me arrumo na quarentena, tá? Não fico a Deus dará não. De manhã, lavo o rosto com sabonete, passo protetor solar com cor todos os dias para não manchar —porque a pele negra mancha—, me arrumo, me visto" conta ela.
À noite, o roteiro inclui limpeza, vitamina C, água micelar, creme hidratante noturno e creme para a áreas dos olhos. "Eu tenho creme específico para bunda, para as pernas, para axila e para virilha, porque depois que depila, [a área] escurece, e as pessoas comentam. Então, basicamente, eu tenho uma coisa para cada ocasião. Me diz o que você precisa que eu tenho", diz ela, rindo.
Seios PP com muito orgulho
Erika conta que a vaidade nasceu antes de sua carreira de atriz, que teve início há 8 anos, quando estreou em Suburbia, na Globo. Mesmo mais nova e com bem menos recursos, ela sempre curtiu cuidar da pele e do corpo. "Eu sou bastante vaidosa, sempre amei um creme, nunca tive preguiça de cuidar da pele, Eu comprava creme e maquiagem naquelas revistinhas, sabe? Sempre amei me cuidar", diz ela.
Mas o prazer em ficar bonita tem limites bem estabelecidos. "Eu só não gosto de coisas invasivas, nada com agulha, botox, nada assim. Já me ofereceram silicone e o meu peito é PP, eu visto 40, o menor manequim que tem é o meu, e eu sou feliz assim. Não quero entrar em um padrão porque todas as mulheres são peitudas. Se me der 40 potes de creme, eu vou usar tudo certinho, mas paro por ai", diz.
Na adolescência, ela via as propagandas de maquiagem e queria usar. Mas, ao comprar, descobria a limitação do mercado para o seu tom de pele. "Sempre fui influenciada pela mídia, então tinha uma propaganda de um pó compacto que falava de deixar sua pele perfeita e eu usava. Era um produto que me deixava de outra cor. Por muito tempo eu saí por aí com a cara estranha, clara. Eu queria me adaptar ao o que o mercado oferecia, mas o mercado não oferecia algo para todas as pessoas. Então, eu usava o que tinha, e o que tinha não era para mim", diz ela.
Por anos, gloss sem cor foi a única coisa que Erika usava na boca — ela mantinha até estoque. "Eu achava que eu não podia usar cor porque não combinava com meu rosto e usava só gloss incolor. Hoje, se você me der um batom amarelo, dependendo do contexto, eu uso", brinca ela, que é apaixonada por batons e tem muitos, de cores bem variadas.
"Eu fui descobrindo que existia maquiagem pra mim quando eu me tornei atriz. Lembro de um trabalho em que um maquiador escureceu a minha pele e eu nem sabia que existia base mais escura do que meu tom. Daí fui pegando dicas e conhecendo produtos", lembra.
Erika conta que há oito anos, era mais difícil encontrar produtos ideais para seu tom de pele, além de serem mais caros. "Mas parece que, enfim, o mercado está entendendo que a maior parcela da população brasileira é negra, e não adianta oferecer produto só para a outra metade. Antes a gente aceitava porque não tinha, mas não mais!", diz ela.
Em sua penteadeira, a atriz uma variedade de produtos de beleza e maquiagem, de marcas bem variadas, das mais baratas às mais caras. "Se um maquiador chegar aqui em casa e esquecer a maleta, ele não vai ter problema: tenho tudo e adoro testar coisas novas", diz.
"O mega hair era o meu escudo"
Aos 8, ela começou a alisar os cabelos. "A época da escola era massacrante, eu era chamada de cabelo duro, cabelo de bombril, e comecei a alisar. E, eu via na TV aqueles xampus que prometiam deixar os cabelos lisos, lindos ao vento, então eu comprava aquilo e acreditava, como se aqueles produtos fossem funcionar no meu cabelo", conta ela.
Até que veio a fase mega hair. E ela não foi fácil. "Eu usei mega por muito tempo, era um cabelo liso, enorme, na bunda, lindo. E aquilo era meu escudo. Eu sentia que ninguém podia mexer comigo, ninguém podia falar do meu cabelo. Quando tinha que trocar, eu não saía de casa, não deixava ninguém me ver e era um processo que durava um dia inteirinho a troca, doía. Vivi 15 anos da minha vida fazendo isso."
Suburbia, sua estreia como atriz na TV, teve a força de mudar o rumo dessa autoestima. "Chegou em uma etapa dos testes em que perguntaram se eu toparia cortar meu cabelo, porque eles queriam um cabelo cacheado. Eu queria muito aquele papel, então aceitei. Tirei o cabelo ali e fui embora arrasada, me sentindo nua, com meu cabelo super caro na bolsa, eu investia muito nos fios, estava ali minha autoestima, minha proteção", diz ela.
Assim como para muitas mulheres negras, não foi fácil se reencontrar com um cabelo que ela nem mesmo sabia mais como era. "A produção me ajudou a deixar meu cabelo crescer. Falavam "vai cachear" e eu nem sabia mais se iria cachear, nem lembrava mais. Aos poucos ele foi tomando outra forma, e eu pude conhecer o meu cabelo", conta.
Sem cabelão, virou uma inspiração
E foi ao ter coragem para abandonar o que era seu ponto de força que fez com Januza crescesse ainda mais. Depois de abandonar o mega hair ela conta que encarou muitos processos. "Como atriz, fui fazendo muita coisa no cabelo, e ele começou a cair de tanto procedimento. E eu fiquei pensando em raspar. Teria Amor de Mãe [novela das 9 que foi interrompida] e eu resolvi propor para o [José Luiz] Villamarim, diretor da trama, cortar. Comecei a pensar que podia inspirar muita gente. Ele deu ok."
Para a mudança radical, uma decisão certeira: Erika escolheu um cabeleireiro de Madureira, na zona norte do Rio. "Eu não queria um salão chique que só entra cabelo grande e liso." O resultado foi uma chuva de elogios.
"Eu recebi muitos directs, eu troquei mensagens com mais de 100 meninas, gente de Angola e de várias partes do Brasil. Disso, reuní 15 meninas, com histórias sobre seus cabelos curtos, suas transições. Uma falava e a outra chorava, foi muito emocionante esse encontro."
Esse corte foi a melhor coisa que eu fiz na vida. As pessoas acham que a Globo obrigou! Não foi nada disso, eu quis e pedi
Junto com a mudança no cabelo, a atriz conta que vem descobrindo em si outra forma de se vestir, de ser e de estar no mundo.
"Quando a gente faz a transição, é meio de dentro para fora, é você que decide. Para uma mulher negra ter desejo de cortar o cabelo, já começou essa mudança interna, e você sente que o estilo vai pedindo outras coisas. Faixa de cabelo, que eu nunca usava, agora gosto. Tomara que caia passei a gostar, porque fica bonito com o colo livre, brincos diferentes. Eu resgatei coisas antigas e senti vontades novas", diz.
O novo corte também revolucionou o guarda-roupa. "Como eu achava que minha cor já era uma questão, eu não me permitia usar roupa branca ou colorida, nem estampada. Sério, eu só tinha roupa preta. Queria passar despercebida."
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