"Grito da masculinidade" viraliza: só um meme engraçado ou preocupante?
O trecho de um vídeo sobre masculinidade publicado originalmente no canal de Youtube de Wendell Carvalho há quase um ano viralizou nas redes sociais nos últimos dias ao mostrar um homem liberando seu "grito de masculinidade", e sendo correspondido por outros homens, em um evento.
No Youtube, o vídeo tem o título "Energia masculina - como acessar sua masculinidade". Wendell sugere ao participante — que está em cima de uma cadeira, como se vê no vídeo abaixo — que mude sua postura em relação a quem o incomoda. "Todas as vezes que você tiver dúvida do que você precisa ser, essa é a sua essência. É colocar sua opinião, o que você acredita", aconselha Wendell. Ele pondera, ainda, que "um homem masculino não evita conflito", mas que "não é violento".
Nas redes, o "grito da masculinidade" virou polêmica. O que ele diz sobre os homens representados? E qual o perigo para as mulheres dessa imagem construída?
"O grito da masculinidade": só meme ou preocupante?
No vídeo original, Wendell explica que o tal grito é associado a uma "energia primal, primitiva". Segundo o pesquisador do Grupo Inanna - Sexualidades, Feminismos, Gêneros e Diferenças (PUC-SP), Fabio Mariano da Silva, essa ideia serve para reforçar valores como a virilidade e a liderança. "Esse modelo de homem foi forjado na cultura da violência; ele vence pelo grito, pela força, pela apropriação", analisa Silva, que prepara um livro sobre masculinidades para a Coleção Feminismos Plurais, organizada pela filósofa Djamila Ribeiro.
Essa seria uma resposta aos avanços do feminismo. "Cada vez que as mulheres se movimentam em uma luta de equidade de gênero, historicamente, eles vão reagir. E é sempre de uma forma muito violenta. O grito, aliás, é uma das formas com que ele será ouvido quando se sente acuado".
Para a filósofa Márcia Tiburi, o vídeo traduz um ritual em que os homens estão fascinados pela performance, conduzida pelo coach a um "momento apoteótico". E que, apesar de o "grito da masculinidade" poder ser visto como "um papelão" para muitos, encontra eco na sociedade brasileira atual. "É vigente no Brasil uma performatividade grotesca, e a masculinidade entra nisso. É uma teatralização estética na base da violência decorativa, mas também ostentatória". O "ridículo", diz a filósofa, não como xingamento, mas como uma categoria de análise, ganha espaço. "Aliás, é um fato de capitalização política e estética no Brasil."
Padrão de masculinidade e machismo
O fato de o jovem que aparece no vídeo ser apoiado pelos outros homens é outro elemento que sinaliza como a masculinidade se torna um lugar de identificação e proteção masculina. "Mesmo que alguns não estejam completamente à vontade, eles não dizem o contrário. É como se precisassem colocar para fora esse ideal do que é masculino, ainda que com ar cômico, satirizado", afirma Silva.
Nem todo homem, claro, se sente contemplado com o ritual do vídeo ou mesmo concorda com a masculinidade apresentada ali — mas o que fazer, então, com esse incômodo?
"O homem pode entender que não precisa fazer aquilo para ser homem", diz Silva. "Mas pode ser que não consiga pactuar com um comportamento diferente por conta do entorno onde vive. Talvez falte uma base de apoio, ou seja de uma geração mais conservadora, por questão política, religiosa e ideológica".
Para mudar esse padrão, abrir diálogos sobre o tema é um dos caminhos para dar novo sentido a essa "postura de macho" que tanto se cobra dos homens.
É importante salientar que quando misturada com o machismo, a masculinidade é nociva - às mulheres, às pessoas trans e, por fim, para toda a sociedade. "Isso extrapola para gerar comunidades misóginas. O que a masculinidade construiu até agora não foi bom, não tem ajudado na construção de uma sociedade mais justa, democrática. A masculinidade é um padrão a ser superado, assim como o da feminilidade", afirma Márcia Tiburi.
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