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"8 meses depois da laqueadura, descobri que estava grávida pela quarta vez"

Grávida de 3 meses, Joyce posa ao lado dos três filhos - Acervo pessoal
Grávida de 3 meses, Joyce posa ao lado dos três filhos Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

14/07/2020 04h00

Depois que soube que estava grávida pela terceira vez, a advogada Joyce Guedes, que na época estava com 31 anos, tinha uma vontade: a de "fechar a fábrica". A certeza de que não desejava mais ter filhos era tanta que entrou com um processo judicial logo no início da gestação para que conseguisse realizar uma laqueadura pelo SUS depois do parto. No dia da cesárea, chegou ao hospital com a decisão do juiz em mãos e conta que se sentiu aliviada quando o médico mostrou, após o nascimento da filha, as trompas cortadas.

Oito meses depois, no entanto, Joyce teve uma surpresa: estava à espera do quarto filho. Como isso é possível?

A ginecologista e obstetra Karina Tafner explica que a técnica mais amplamente utilizada no Brasil para realização da laqueadura, chamada de Pomeroy, não garante 100% de proteção contra a gravidez.

Técnica de Pomeroy usada para laqueadura - iStock - iStock
Técnica de Pomeroy usada para laqueadura
Imagem: iStock
"A trompa é como se fosse uma mangueirinha. Durante o procedimento, simples de ser realizado, o médico amarra um lado de cada vez, como se fizesse uma alça. Em seguida, faz uma sutura nessa dobra e corta. Dessa forma, a continuidade do órgão é interrompida, impedindo a gestação."

No entanto, existe uma chance de 0,5 a 1% de o organismo feminino se regenerar espontaneamente. "Esse número pode aumentar de acordo com a idade da paciente e o tempo que se passou desde que a laqueadura foi feita. Quanto mais jovem ela for e mais tempo tiver passado desde o procedimento, maiores os riscos de falha na contracepção", explica. Caso aconteça uma regeneração parcial do órgão, pode ocorrer uma gravidez tubária, quando o óvulo, depois de fecundado, não consegue ser transportado pela trompa para o útero. Nesses casos, é necessária a intervenção médica para interromper a gestação.

No caso de Joyce, no entanto, houve a regeneração completa após oito meses de laqueadura, o que tornou seu caso ainda mais raro. Hoje, três meses depois de receber a notícia, ela conta sua história:

"Sempre tive o sonho de ser mãe"

"Minha primeira gravidez foi bastante sonhada. Na época, tinha 24 anos e estava casada, me formando na faculdade de Direito. Tomava anticoncepcional há alguns anos, mas parei e no quinto mês confirmei a gestação. Adorei a sensação de ser mãe e desejava ter também um menino. Por causa disso, três anos depois, engravidei novamente. Tudo correu como eu sempre havia planejado.

Dois anos após o nascimento do meu segundo filho, me divorciei. Um tempo depois conheci meu atual marido, que trata as crianças com muito carinho, como se fossem dele. Já me sentia realizada com relação à maternidade, mas como ele não tinha filhos de sangue, concordei em engravidar de novo. Estava com 31 anos quando, após algumas tentativas, descobri a gravidez de outra menina."

"Lutei pelo direito da laqueadura"

"Assim que completei o terceiro mês de gestação, conversei com meu marido e decidimos entrar na Justiça para que pudesse realizar uma laqueadura logo após o parto. Para mim, três já era um número grande e não pretendia aumentá-lo. Sabendo que a esterilização feminina pelo SUS é um processo demorado e burocrático, entrei imediatamente com uma ação judicial para que tivesse o direito de realizá-la no parto. Já sabia que seria uma cesariana, porque tive um descolamento de placenta e minha gravidez era de risco.

No dia 6 de outubro do ano passado, minha bebê nasceu. Fui para o hospital carregando a autorização do juiz para que a equipe médica pudesse realizar a laqueadura no mesmo momento. Logo depois do parto, o médico me mostrou a parte que cortou das minhas trompas dizendo 'prontinho, olha aqui' e me senti imensamente aliviada."

"Cai no choro quando vi o resultado do teste"

"Demorei para retomar a vida sexual, mas quando aconteceu, já não me preocupava em usar nenhum método contraceptivo. Só consegui amamentar por dois meses, então minha menstruação voltou a ser bastante regrada. Inclusive, uso um aplicativo que calcula com exatidão o dia em que ela irá descer.

De repente, houve um atraso. No terceiro dia, não aguentei e pedi para o meu marido comprar um teste, um pouco desacreditada. Ele voltou da farmácia com dois, caso um deles falhasse. No momento em que fiz o primeiro e vi dois pauzinhos, confirmando a gravidez, desabei a chorar. Fiquei muito chateada porque ainda estava na fase de recuperação do meu corpo e sinto que minha bebê demanda total atenção de mim. Ele me consolou pedindo que ficasse calma e foi então que comecei a pesquisar sobre as chances de falha na laqueadura."

"Pensei que era uma gravidez tubária"

"Tinha esperanças de ser um falso positivo. Mas, pelo que li na internet, poderia ser também uma gravidez tubária, mais comum nas mulheres que já passaram pelo procedimento. Marquei então os exames. Mas assim que realizei o ultrassom, ouvi o coração do bebê. Ele estava saudável, abrigado no meu útero. Fui informada pela médica de que, apesar de ser raro, casos como o meu realmente poderiam acontecer. Apesar do choque, comecei a me acostumar mais com a ideia."

"Só engravida quem quer? Com certeza não"

"Acredito que cada pessoa tem o direito de decidir o que é melhor para si, mas, particularmente, não faria um aborto. Via às vezes posts de outras mulheres em grupos de Facebook dizendo que estavam tentando engravidar e pensava: 'Meu Deus, logo agora na pandemia?'. Então, depois que me vi grávida em meio ao coronavírus, precisando cortar gastos e me planejar financeiramente para receber mais uma criança em casa mesmo depois de ter feito uma laqueadura, decidi escrever sobre o incômodo que a frase 'Só engravida quem quer' me traz. Eu definitivamente não queria.

Fiz um post no Facebook falando sobre o assunto e me surpreendi com a repercussão. Quarenta e quatro mil pessoas curtiram e me deparei com histórias de mulheres muito semelhantes às minhas. Algumas diziam ter ficado extremamente chateadas com a situação, mas que depois se tornaram muito próximas do filho que não foi planejado. Isso me consolou, porque no início me culpava por não conseguir sentir felicidade diante da novidade. Hoje, já consigo enxergar a situação toda de uma forma diferente."