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"Escondi 8 anos por medo da reação", diz youtuber com bolsa de colostomia

Lorena Eltz - Reprodução/Instagram
Lorena Eltz Imagem: Reprodução/Instagram

Ana Bardella

De Universa

16/07/2020 04h00

A criadora de conteúdo Lorena Eltz, de 20 anos, já perdeu as contas de quantas desculpas inventou para não ir à piscina com os amigos ou não tirar a camiseta quando estava na praia, com receio de que alguém visse seu corpo.

Aos 12 anos, após ter uma crise inflamatória desencadeada pela doença de Crohn, que atinge os intestinos, a jovem precisou fazer uma cirurgia para remover uma parte do órgão. Ao sair do centro cirúrgico, foi informada pelo médico de que, a partir dali, precisaria usar uma bolsa de colostomia, uma vez que seu corpo não era mais capaz de realizar a digestão de forma completa, e o acessório acoplado à barriga supriria esta necessidade.

Sem previsão de retirada da bolsa, nasceu também um segredo. Prestes a iniciar a adolescência, Lorena jurou que ninguém além da sua família saberia sobre seu corpo. Então modificou sua forma de se vestir, investindo em roupas mais largas, e também sua maneira de agir, evitando situações em que precisasse se expor. E fez isso por tantos anos que incorporou os hábitos na rotina como se eles fossem naturais.

Aos 15 anos, começou a postar vídeos no YouTube, falando sobre maquiagens e assuntos diversos. Com o crescimento do público, criou coragem para abordar também outras partes da vida, como a convivência com o problema intestinal, que não tem cura. Ela ocultava, no entanto, informações sobre suas cirurgias e também sobre a bolsa, com medo das reações.

Em 2018, Lorena cogitou revelar aos seguidores sobre o fato. Um acontecimento, no entanto, fez com que mudasse de ideia: em setembro, Jair Bolsonaro, que na época estava concorrendo à presidência do país, levou uma facada durante a campanha e precisou se submeter a uma cirurgia. Provisoriamente, também utilizou a bolsa de colostomia. Na época, surgiram diversas piadas associando o uso dela à sujeira, falta de higiene e sentimento de repulsa. Diante da repercussão negativa, Lorena desistiu.

A quarentena, no entanto, veio para ressignificar a maneira como a jovem se relaciona com o corpo. Com o passar dos dias em isolamento social, foi cultivando novamente a ideia de dividir com mais de 100 mil seguidores no Instagram esta parte significativa da vida — e como ela influenciou na construção da sua autoestima.

Até que, no início do mês de julho, tirou pela primeira vez uma foto com a barriga à mostra em frente ao espelho, escreveu um texto sobre o processo de aceitação e postou. Agora, se sentindo mais leve, grava diversos vídeos sobre o assunto.

A seguir, ela conta com detalhes sua história:

"Entrei para a cirurgia sem saber que usaria a bolsa"

"Tenho os sintomas da Doença de Crohn desde bem pequena, quando tinha cerca de 3 anos. Por causa disso, minha família me levava a diversos médicos, mas ninguém descobria o que era. Até que uma médica, aos 5 anos, chegou ao diagnóstico. Trata-se de um problema inflamatório crônico, ou seja, sem cura, e que pode desencadear períodos de crises. Aos 12 anos, tive uma bastante intensa: sentindo muitas dores na barriga e com diarreia, o médico achou melhor que passasse por uma cirurgia".

"Durante a operação, quando pode ver a situação do meu intestino internamente, ele se deu conta de que o caso era mais grave do que pensava. E a parte que precisaria ser retirada, era maior do que a esperada inicialmente. Quando acordei, já estava com a bolsa. Foi uma surpresa porque ele disse que existia essa possibilidade, mas que era pequena. No entanto, depois disso, nunca mais a retirei".

"Precisei reaprender tudo"

"O pós-operatório foi um período muito complicado. As enfermeiras me ensinavam como eu deveria fazer a limpeza, a manutenção, a troca. Enquanto isso, eu só pensava que ninguém poderia saber sobre aquilo. Tinha vergonha e medo. Pensava que, se alguém na escola soubesse, eu viraria alvo de piadas. Então comecei a adaptar todo o meu guarda-roupa. Às vezes, mesmo estando muito calor, usava casaco e calça para me sentir mais segura. Nem me lembro quantas vezes deixei de ir para a piscina, para a praia. Ficava insegura nas viagens ou quando ia dormir na casa de alguma amiga".

"De repente, todo mundo só falava em 'bolsa de cocô'. Aquilo me abalou"

"Com o passar do tempo, aprendi a fazer todas as adaptações necessárias para que as pessoas não desconfiassem. Incorporei aquilo ao meu dia a dia, como se fosse natural. Então, aos 15 anos, comecei a produzir vídeos para o YouTube, falando sobre filmes, maquiagens e outros assuntos. Comecei por pura diversão. Com o tempo, passei a falar também sobre a vida e sobre como era conviver com uma doença crônica. Mas não tocava no assunto das cirurgias, nem da colostomia.

Em 2018, isso mudou. Pretendia mostrar na internet a minha realidade. Estava prestes a fazer isso quando surgiu o meme sobre o Bolsonaro. Aquilo me abalou muito. Pensei: 'Agora que não vou mostrar mesmo'. Parecia uma comprovação de que seria rejeitada. As pessoas falavam da esposa dele, como ela estava sofrendo. E também faziam ataques a ele como se fosse uma pessoa suja por estar com a colostomia. Aquilo foi me deixando para baixo. Pensei que ninguém acharia normal e nem iria chegar perto de mim"

"Queria achar uma referência, mas não conseguia"

"Quando o furor passou, voltei a procurar pessoas na internet com as quais pudesse me identificar. Queria saber como elas usavam calça jeans e outras roupas, mas não encontrava. Me sentia muito sozinha. Como já falava sobre a doença de Crohn há algum tempo, sabia de mais pessoas com ela, mas que mantinham essa informação em sigilo. Percebo que quase ninguém se expõe. Então fui construindo ao longo de um ano a ideia de tornar a informação pública.

Até que um dia escolhi uma roupa e tirei uma foto, pela primeira vez, com a barriga à mostra. Só ver a imagem na tela do celular já foi libertador.

Quando postei, tive uma sensação de liberdade. A resposta das pessoas foi muito boa e me senti acolhida. Muitos amigos vieram me dizer que estavam surpresos com a informação, porque até então os únicos que sabiam eram meus parentes e algumas pessoas com quem me relacionei amorosamente, para as quais eu geralmente não queria contar, mas precisava. No fim, percebi que está tudo bem. Sempre foi algo muito maior na minha cabeça. Acabei criando um monstro que não existe. Agora, é como se estivesse cem por cento aberta. Sinto que posso ser eu mesma, fico aliviada e tudo isso ajudou muito na minha autoestima".