Elas defendem mulheres no centro das decisões durante e após a pandemia
No Brasil, que sofre os efeitos diretos e indiretos do novo coronavírus, as mulheres são a principal força de trabalho nas áreas que demandam cuidados, como saúde e educação básica: enfermeiras, psicólogas, cuidadoras, assistentes sociais, professoras. Porém, para além dessas funções, muitas ainda precisam dar conta da criação e do ensino dos filhos, das tarefas domésticas e ainda prover o sustento da família.
"A perspectiva é de sobrecarga absoluta. E a maioria não só está desassistida como também em risco pela doença, pela precarização de suas funções e pelos diferentes tipos de violência que sofrem pelo simples fato de serem mulheres. Não tenho dúvida em dizer que, muito em breve, fenômenos de estresse, ansiedade, depressão e outros distúrbios serão recorrentes na vida delas", afirma Marlise Matos, cientista política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Tanto ela quanto Lilia Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, e Pâmela Billig Mello Carpes, pesquisadora de fisiologia humana da Universidade Federal do Pampa, no Rio Grande do Sul, concordam e defendem que por isso é urgente as mulheres assumirem decisões políticas e de poder em diferentes áreas.
Perspectiva feminista no enfrentamento da crise
Nos últimos dez anos, Marlise estudou as várias dimensões das desigualdades associadas às questões de gênero, raça e sexualidade, temas que também leciona em suas disciplinas acadêmicas. Agora, tem se dedicado à formação política de mulheres e vai lançar um curso para que concorram às eleições deste ano —um possível ponto de partida para mudanças.
"É direito delas ocupar esses espaços e serem figuras de interlocução importantes para a construção de um novo modelo de gestão pública", diz Marlise. "Somos maioria da população e não há nenhuma de nós com perspectiva crítica de gênero feminista nos comitês de enfrentamento de crises para fazer uma reflexão do que estamos passando e precisando agora."
"Tenho ainda construído junto com outras companheiras a 'PartidA', uma movimentação feminista com foco na promoção de mulheres candidatas e que opera no campo da esquerda progressista. Trabalho com uma agenda tanto para o Legislativo, quanto para o Judiciário e o Executivo".
E acrescenta sobre outras linhas de frente de seu trabalho: "Nós conseguimos passar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais uma lei que obriga, em casos de violência doméstica, o registro da denúncia poder ser feito online. Dessa forma, a vítima, em isolamento, não precisa se expor e correr riscos".
Líderes mais atentas e cuidadoras
Nova Zelândia, Alemanha, Taiwan e Noruega são alguns dos países liderados por mulheres que têm se destacado no combate à covid-19, por apostarem em medidas mais inclusivas e democráticas. Além de seguirem os protocolos, elas até colocam jovens e crianças para participar das discussões, entender os problemas da sociedade e ver como contorná-los.
"Enquanto isso, temos visto que governos masculinos, de presidentes e primeiros-ministros com um viés autoritário, estão mais comprometidos em mandar e em proferir soluções milagrosas do que preocupados com as várias faces de uma mesma realidade e com as maiorias minorizadas", aponta Lilia, que também é autora do livro "Sobre o Autoritarismo Brasileiro".
Para ela, é mais que passada a hora de se prestar atenção nas novas formas de fazer política e de cuidar da população que estão sendo aplicadas pelas lideranças femininas. E garante que as mulheres estão mais preparadas, pois sempre desempenharam o papel de cuidar e proteger.
"Se elas foram construídas histórica e culturalmente para cuidar dos filhos e da casa, com a pandemia estão mostrando que existem outras formas de diálogo, menos machistas e misóginas, de lidar com a população, e mais atentas em incluir seus cuidados na política, em uma nova 'economia', de que o mundo vem entendendo o valor", diz Lilia.
Por uma ciência mais justa e diversa
Na ciência, também é urgente as mulheres assumirem o protagonismo. Com a chegada da pandemia, a situação delas, que já era desigual antes, só piorou com o combo home office, filhos e maridos em casa e isolamento social. A produção científica das mulheres despencou: mais da metade das que são mães deixou de entregar artigos, e as que continuam estão produzindo mais em coautoria —e menos como primeiras autoras ou sozinhas, ao contrário dos homens.
"Por mais que os homens contribuam nas tarefas domésticas e nos cuidados com os filhos, a carga cognitiva sobre as mulheres é muito maior, pois as crianças naturalmente, quando precisam de ajuda, chamam as mães", diz Pâmela, que, por suas contribuições no campo da neurociência, recebeu em 2017 o prêmio internacional e conjunto L'Oréal-Unesco-ABC (Academia Brasileira de Ciências) Para Mulheres na Ciência.
Pâmela integra o projeto brasileiro Parent in Science, em que pesquisadoras se mobilizam pela equidade de gênero e a aceitação da maternidade no meio acadêmico. Com o grupo, fez um levantamento sobre as dificuldades atuais de milhares de colegas e como quantificá-las em dados para obter condições de igualdade.
"Na Unipampa, por exemplo, passamos a considerar o período de licença-maternidade na análise do currículo, para fazer comparações mais justas. Agora, deveríamos avaliar o currículo levando em conta esse período da pandemia. Outro aspecto importante é prorrogar os prazos de submissão a editais e o envio de relatórios de projetos, pois, se não conseguirmos cumpri-los, não teremos como concorrer com as mesmas chances em editais das agências de pesquisa para garantir bolsas e pedidos de financiamento", explica.
Ela argumenta que ter mulheres em posições de decisão é importante para superar esses desafios e garantir diversidade. "E ter diversidade representa ter mais mulheres também. Só assim podemos fazer uma ciência maior, enfrentar desafios e fazer escolhas que considerem a realidade das diferentes parcelas da população."
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