#AssédioNoQuartel: Tenente-coronel cria movimento contra machismo militar
A tenente-coronel Camila Paiva integra o Corpo de Bombeiros de Alagoas e, assim como outras mulheres, cansou de sofrer com o machismo no ambiente militar. Desafiada a participar da moda de postar uma foto em preto e branco, ela fez uma publicação: pela luta contra o machismo nas corporações.
A Universa, Camila contou que a ideia da campanha foi motivada por uma sequência de acontecimentos em apenas três dias e que a proposta vem ganhando força nos quartéis, com relatos de bombeiros e policiais de todos os estados denunciando seus casos. Um perfil no Instagram agora reúne mais de 300 depoimentos e conta com 33 mil seguidores.
"O que aconteceu primeiro foi um áudio vazado de um policial militar do Ceará há uma semana falando que as mulheres no quartel deveriam ter a função de tirar o estresse do homem, que elas deviam ficar lá para quando ele chegassem estressados, elas virem lá 'tirar' os estresses deles, meia hora com um, meia hora com outro. Ou seja, sugerindo tarefas sexuais", conta.
Com o áudio em mãos, ela fez um vídeo denunciando o caso, e a postagem viralizou. "Aí eu comecei a receber vários relatos de várias militares do Brasil inteiro falando sobre situações de assédio, de abuso, de importunação sexual, de machismo, de misoginia. Aí fui e fiz um outro vídeo, que também viralizou no meio principalmente militar", conta.
"Será que gosta de 'rola' aí?", diz PM
Por conta da repercussão das postagens, ela mesma virou alvo. Ainda no sábado, ela recebeu um print de um comentário feito sobre ela em um grupo de oficiais no WhatsApp. Um dos militares mandou um vídeo postado por ela de biquíni em seu Instagram.
"É um grupo só de oficiais que jogam futebol. São só homens, tanto da PM [Polícia Militar] como do Corpo de Bombeiros. Nesse grupo, uma pessoa postou um vídeo meu de biquíni, e um major da PM fez o comentário: 'Será que gosta de rola aí?' em relação a mim. Outros militares o repreenderam, disseram que era absurdo. Ele apagou, mas ficou lá gravado", conta.
A partir desse print, ela fez um terceiro vídeo tornando público o próprio caso. Ela também decidiu fazer uma denúncia contra o policial que fez o comentário na Corregedoria da PM.
"Além de tudo ele era meu subordinado hierárquico, não me respeitou nem como pessoa, nem como mulher, nem como superiora hierárquica dele profissionalmente. Ele não teve o mínimo constrangimento, mesmo sendo um major e eu, tenente-coronel", diz.
Campanha já reuniu mais de 300 relatos
No domingo, ela lançou um desafio a suas colegas: que as militares contassem seus casos postando uma foto em preto e branco e se intitulando como "Maria". Para isso, ela foi a primeira a postar a foto e contando um caso de assédio vivido por outra "Maria."
De lá para cá, Camila já recebeu mais de 300 relatos —boa parte republicada nos stories de sua conta e no perfil de uma colega bombeira de Minas Gerais.
Camila diz que a situação atinge muitas mulheres da corporação, especialmente de patentes menores, que optam pelo silêncio por medo de represálias. "Se isso acontece comigo, tenente-coronel, imagina com soldado, com sargento, com as praças, que são a base da corporação? A partir daí gerou todo o movimento porque nós somos todas 'Marias'", diz ela.
O silêncio, diz ela, é fruto do medo de represálias. "As mulheres têm muitos casos, mas nunca querem relatar porque muitas que falaram foram perseguidas, transferidas. Até mesmo o procedimento disciplinar se voltou contra elas. Geralmente quando acontece está só o abusador e a vítima, e elas não têm provas. Há casos até em que foram processadas. Então elas não falam", conta.
Para ela, é preciso que mais militares tornem público os seus casos de assédio. "As mulheres estão compartilhando, e é preciso dar voz a essas mulheres, porque a instituição militar é muito masculinizada e muito machista. Lá são 90% homens, é lógico que é mais potencializado o machismo. E nunca se fala sobre isso, é um assunto quase que proibido. Por isso pedi para que elas postassem casos de assédio", completa.
Entretanto, ela deixa claro que não se trata de uma luta contra as corporações militares. "As corporações são respeitáveis, têm missão digna, desenvolvem um trabalho muito bonito. Essas ações são feitas por pessoas, e são esses indivíduos que precisam ser identificados e punidos", diz.
Corporações repudiam machismo e preconceito
Por meio de nota, a PM do Ceará diz que "rechaça, veementemente, os comentários preconceituosos sobre a atuação da mulher policial na corporação, proferidos por um de seus integrantes em aplicativo de conversas na noite de ontem [último domingo]. Todas as mulheres que compõem os quadros da Polícia Militar do Ceará merecem respeito, são todas profissionais dedicadas ao mister de servir e proteger a sociedade cearense", diz o texto.
O comando do Corpo de Bombeiros de Alagoas também se manifestou por nota e disse "reiterar, em nome dos valores da Corporação, seu repúdio a todo e qualquer ato relacionado a abusos, misoginia ou preconceito de gênero, praticado contra militar ou civil dentro ou fora do âmbito castrense."
Diz ainda que o comando encaminhou "para devida apuração legal e imparcial, a luz dos regulamentos, fatos do gênero quem tenham ocorrido envolvendo militares da corporação e cheguem ao conhecimento institucional por meio dos canais devidos".
A PM de Alagoas informou que a Corregedoria recebeu a denúncia e que, "diante dos fatos apresentados, a PM-AL adotará as medidas necessárias para apuração da denúncia, reafirmando o seu respeito a todas as profissionais da Segurança Pública."
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