Teste, mala e banho: eles contam o que fizeram para transar no isolamento
Quando Bianca*, de 35 anos, conversou pela primeira vez sobre furar o isolamento social para transar com um rapaz com quem já se relacionava antes da pandemia, cogitou levar uma mala com panos, álcool e um lençol de casa para colocar a cama quando os dois chegassem ao motel onde estavam acostumados a ir, que continuava funcionando normalmente.
"No fim, a gente não trocou nada. Acabou botando na mão de Deus", ela conta à Universa. A preocupação, explica, era pequena porque ambos vivem em uma cidade do interior de São Paulo, com aproximadamente 45 mil habitantes — e demorou até aparecerem os primeiros casos de Covid-19. Mesmo depois da chegada da doença, ela confessa que mantiveram o hábito de frequentar o lugar. "Costumamos ir à casa um do outro, mas moramos com nossas famílias e não temos privacidade. Desde que tudo começou, fomos pelo menos cinco vezes", diz.
Nas metrópoles, casos semelhantes acontecem frequentemente. Lucas* mora em São Paulo, é cientista social e precisou continuar comparecendo ao trabalho diariamente durante a quarentena. "Quando a doença chegou ao Brasil, estava ficando com um rapaz há dois meses. Ele pediu que não nos víssemos mais, porque nossa relação era recente e ele morava com a avó. Terminamos e decidi ficar na minha. Tomo todos os cuidados ao ir e ao voltar do serviço: uso máscara, troco de roupa e tomo banho todos os dias ao colocar os pés em casa".
No entanto, após alguns meses, decidiu furar o isolamento pela primeira vez. "Em maio comecei a trocar mensagens com um colega de trabalho e resolvemos nos encontrar. Pela insegurança, pedi que ele viesse até a minha casa. Nos vimos primeiro na rua, passando álcool em gel nas mãos. Demos um abraço e um beijo, os dois usando máscaras, foi uma situação bem estranha. Depois ele entrou e nos beijamos de verdade, mas ficamos só nisso. Não foi legal", avalia.
Houve ainda outra experiência. "Quase um mês depois, entrei no Tinder para me divertir, mas acabei me envolvendo com um dos matches de uma forma intensa, de um jeito que não estou acostumado. Ele tinha receio da pandemia por morar com a mãe. Combinamos de nos encontrar na Av. Paulista, por ser um espaço aberto. Ficamos. Na segunda vez em que nos vimos, o convidei para vir à minha casa. Percebi que ele ficou com a consciência pesada, mas nem por isso paramos de nos ver", conta.
Até o momento, Bianca, Lucas e seus respectivos parceiros não manifestaram sintomas da doença.
Por que algumas pessoas furam o isolamento em nome do carinho e do sexo?
De acordo com Gabriela Daltro, psicóloga e terapeuta sexual da Plataforma Sexo Sem Dúvida, o que se observa nos consultórios com relação aos solteiros é um aumento da sensação de solidão, pela impossibilidade de paquerar e de sair com os amigos. "Mesmo assim, algumas pessoas nem cogitam furar o isolamento, seja por princípios éticos, pelo medo de adoecer ou por questões familiares", diz. Aos precavidos, ela aconselha voltar a atenção para outras áreas da vida, como o trabalho e as relações de amizade, para amenizar a solidão. Romances à distância também são uma opção.
Outros, no entanto, não resistem à carência: geralmente calculam o risco e partem para o encontro presencial. "É comum encontrar pessoas que retomaram contato com parceiros antigos neste período, uma vez que existe uma abertura maior para conversar sobre a rotina, os medos, desenvolver um diálogo mais aprofundado e arquitetar uma flexibilização", aponta.
Flexibilizar em nome do amor ou do tesão é seguro?
A resposta, de acordo com Gilberto Martin Berquio, médico sanitarista e professor da PUCPR, é não. O especialista explica que trocar o lençol do motel, beijar usando máscara ou se encontrar ao livre para depois ter momentos de intimidade, seja através do beijo ou do sexo, são medidas que funcionam como um autoengano: não são eficazes para barrar o vírus e sua única função é aliviar a culpa.
A fisioterapeuta Mariana*, de 30 anos, é prova do quanto as relações oferecem risco. Durante o Carnaval, conheceu um rapaz com quem começou a se relacionar. Enquanto isso, teve contato com uma amiga que havia viajado recentemente para os Estados Unidos. Apesar de a quarentena oficial da cidade ainda não ter começado, o vírus já circulava na região e a recomendação era de que as pessoas mantivessem distância social. Ela, no entanto, continuou o romance. Até que manifestou os primeiros sintomas da Covid-19 e, quatro dias depois, descobriu que o parceiro estava infectado também.
"Eu tive sintomas leves, em compensação ele ficou muito mal, mas não chegou a ser internado. Ambos morávamos sozinhos e acabamos passando quase todo o período juntos, para que pudéssemos nos cuidar. É difícil dizer se me arrependo, porque estávamos sempre colados. Não sei poderíamos ter evitado. Hoje somos namorados", avalia.
Sem um chamego até a vacina?
Seria impossível se encontrar com alguém em segurança até que um remédio ou uma vacina eficazes contra o cornavírus surgissem? Gilberto explica que algumas medidas podem ser tomadas para diminuir as chances de transmitir ou contrair a doença ao encontrar outra pessoa, mas elas não são totalmente eficazes e dependem de fatores externos e muita disciplina. "Primeiro, ambos precisariam morar sozinhos ou com pessoas que efetivamente não estejam saindo de casa. Em seguida, precisariam cumprir um isolamento social, sem idas ao mercado ou à farmácia, durante pelo menos 14 dias".
"Também é recomendado que ambos façam um teste, para saber se estão livres do vírus, se já desenvolveram anticorpos ou se estão assintomáticos. O teste de laboratório tem um resultado mais seguro do que o de farmácia. Por fim, o deslocamento precisaria ser feito de carro, com a própria pessoa dirigindo e usando máscara. Para que o risco fosse menor, seria necessário que a chegada até a residência do outro não envolvesse o uso do elevador, já que ele oferece risco de contaminação. Então, ela precisaria chegar, deixar os sapatos na porta, tirar a máscara pela lateral, lavar as mãos, tomar um banho, trocar de roupa e só então ter contato com a outra".
Para evitar que o trabalho todo seja repetido, vale a pena levar uma mala e passar pelo menos alguns dias no novo local, a fim de diminuir ao máximo o intervalo de tempo entre as visitas. Por fim, o médico alerta: "Variar o parceiro sexual em condições normais já é arriscado para contrair doenças sexualmente transmissíveis. Fazer isso em tempos de coronavírus seria uma verdadeira roleta-russa".
*As identidades foram omitidas a pedido dos entrevistados.
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