Faxineira usa auxílio emergencial para realizar sonho do negócio próprio
Quando a faxineira Luana de Jesus, 33, pegou o dinheiro do auxílio emergencial, concedido durante a pandemia do novo coronavírus, não correu para quitar as dívidas. Em vez disso, decidiu realizar o sonho que tinha desde criança e virou empreendedora.
Com os R$ 2.400 das duas primeiras parcelas do benefício (ela recebeu o auxílio para mulheres que são chefes de família), montou um pequeno frigorífico de frangos, no interior de Sergipe, e com menos de um mês já pensa em expandir os negócios.
Precisando comprar um sofá novo para casa e pagar uma dívida da faculdade de administração para receber o diploma, até pensou em adiar o sonho.
"Mas avaliei bem e vi que nada disso me daria uma vida melhor de imediato", diz a nova empreendedora.
A ideia de montar um negócio próprio é antiga, mas a de abrir um frigorífico surgiu em 2019, quando Luana começou a trabalhar cortando frangos em um estabelecimento na cidade onde mora, em Itabaianinha, a 120 quilômetros de Aracaju.
"Sempre tive esse espírito de empreender: fazia unha, vendia produtos de catálogo, mas não sabia o que montar. Um dia fui chamada para trabalhar em um frigorífico no caixa. E, aos sábados, cortava frangos. E não é que levava jeito mesmo? Me identifiquei", conta.
Até pouco antes de inaugurar o empreendimento, em 4 de julho, Luana se mantinha com os dois filhos, somando os R$ 100 que ganhava no frigorífico, mais R$ 214 do Bolsa Família e faxinas esporádicas ao valor de R$ 30.
Sem carteira assinada, Luana foi dispensada do frigorífico em maio ao revelar para a patroa que também gostaria de vender frangos por conta própria. No mesmo mês, recebeu a primeira parcela do auxílio emergencial, de R$ 600, e não quis mexer no valor à espera da segunda.
"Quando disse que iria vender frango, ela me tirou do emprego na hora. Não foi só a questão da concorrência. É que ela não sabe trabalhar quando vê outra querendo crescer", diz.
Marketing em troca de frangos
Luana não tinha nada para montar o empreendimento. Com R$ 200, pagou a água e energia do local que alugou, próximo de casa. O restante foi usado para pagar o aluguel e comprar os apetrechos do novo negócio: balança de precisão, tábuas para cortar frangos, mesa de aço inox, toldos e placas.
A despesa para abrir o empreendimento passou dos R$ 2.400. O caixa no vermelho a fez pedir um empréstimo enquanto esperava a terceira parcela do auxílio emergencial para quitar o débito.
Como também faltou dinheiro para comprar os frangos, Luana fez parceria com outro frigorífico. Ela pega os produtos de um fornecedor, paga apenas pelo que vende e devolve o que não consegue comercializar.
"Esse outro frigorífico está ajudando e muito. De manhã cedo, levo três frangos. Se vender tudo, volto lá e pego mais", conta.
Com o mínimo de equipamentos de que precisava para abrir e os frangos garantidos, Luana usou a criatividade para driblar outro desafio, o marketing. Ela criou um perfil no Instagram e entrou em contato com um influenciador digital de Itabaianinha para que marcasse o frigorífico nos stories. Sem dinheiro, o pagamento só poderia ser com o que tinha disponível: frangos.
"Não tinha mais dinheiro. Falei com o blogueiro que tinha vontade de abrir um negócio e ofereci um frango para divulgar minha empresa. Ele aceitou na hora. Me marcou no Instagram e algumas pessoas foram lá comprar depois", comemora. "Isso é marketing, né? Como fiz administração, sei que a propaganda é alma do negócio."
Vaquinha para frigorífico
O frigorífico ainda não completou um mês de atividade, mas o sucesso em Itabaianinha já faz Luana sonhar com a expansão. Ela quer montar um pequeno abatedouro na própria casa para atender a demanda, que só cresce.
"O próximo sonho é fazer minha casa virar um abatedouro. É um caminho sem volta. Estamos na dificuldade, mas, se eu quiser ser uma empreendedora, tenho que lidar com cada desafio", diz.
Para dar o novo passo, a empreendedora pondera que precisa terminar de equipar o atual frigorífico. O auxílio emergencial fez abrir o próprio negócio, mas não foi suficiente para comprar um freezer e um balcão expositor para conservar os frangos. Por isso, ela criou uma vaquinha virtual para arrecadar recursos.
"O auxílio emergencial foi tudo, mesmo com as dificuldades que o frigorífico ainda tem. Não estou mais preocupada pensando se amanhã terei trabalho. Sem contar que em breve posso ser uma grande empreendedora", acredita.
Com Bolsa Família fez faculdade
Luana perdeu a mãe aos 11 meses de vida e o pai aos 12 anos. Foi criada pela avó, que era agricultora e, desde os dez anos, já trabalhava com faxinas para se sustentar. "Não tive mãe nem pai. Se eu quisesse algo precisava correr atrás", diz.
A empreendedora tem orgulho de ter sido faxineira, mas frisa que era no ramo dos negócios que via a oportunidade de mudar a vida dela e dos filhos.
"Casei aos 16 anos e parei o colégio. Mas nunca desisti do meu sonho de estudar e montar meu comercinho", diz.
Quando morava com o ex-marido e os três filhos, Luana recebia R$ 319 do Bolsa Família. O valor era integralmente usado para pagar a faculdade de administração, que tinha parcelas iniciais de R$ 350. O restante do valor do curso era complementado pelo então marido.
Segundo Luana, o dinheiro do benefício foi usado na faculdade porque a família acreditava que, com os estudos dela, poderiam garantir uma vida melhor para todos.
Quando se divorciou do marido, em 2017, estava no último semestre da faculdade. A separação fez o então companheiro parar de complementar o valor da mensalidade, que no final do curso custava R$ 500.
Luana teve de parar os estudos, retomados só em 2018, quando conseguiu um estágio na prefeitura de Itabaianinha. Com a ajuda ainda do dinheiro arrecadado com rifas, pagou parte da dívida com a faculdade.
"Sei administrar e vender. Ainda não veio o diploma, mas o conhecimento ficou."
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