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"Atacar e se desculpar não resolve", diz jornalista que processa Bolsonaro

Bianca Santana é colunista de Ecoa, no UOL, e recebeu pedido de desculpa de Jair Bolsonaro na live de 5ª-feira - Arquivo Pessoal
Bianca Santana é colunista de Ecoa, no UOL, e recebeu pedido de desculpa de Jair Bolsonaro na live de 5ª-feira Imagem: Arquivo Pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

31/07/2020 17h44

No início da live de ontem, no canal do Youtube, Jair Bolsonaro (sem partido) leu uma nota com um pedido de desculpa à jornalista Bianca Santana, colunista de Ecoa, dizendo que ela não é a autora de uma matéria a que se referiu publicamente em 28 de maio e que, para ele, era parte de "fake news".

Pela menção ao seu nome, a jornalista escreveu um texto dias depois e entrou com ação judicial com pedido indenizatório por danos morais contra Bolsonaro. Ela diz que, na semana em que foi citada por ele, levantava a discussão, por meio de texto publicado e discussões públicas, sobre as vantagens que Bolsonaro poderia dar a mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes caso as investigações fossem federalizadas (o que não aconteceu).

Mesmo com a retratação do presidente, ela afirmou que manterá o processo - e, para Universa, explica o porquê.

Entre outros efeitos, Bianca explica que dar seguimento à ação colabora para a proteção à liberdade de imprensa. "O presidente é o que mais ataca jornalistas no Brasil. E isso não se resolve com um pedido de desculpa em um caso. Uma possibilidade de ele ser condenado na Justiça pode inibir essa prática", resume.

A advogada e presidenta - como prefere ser chamada - da comissão de Igualdade Racial da OAB-PE Manoela Alves faz coro à fala. "Ainda que ele diga que está arrependido, a postura de ataque a jornalistas virou uma praxe do governo Bolsonaro. Penso que a desculpa não terá tanto peso no processo porque é uma conduta reiterada dele", analisa.

"E quando Bolsonaro falou o nome dela na live, que é o meio que escolheu como oficial, estava ali no papel do Estado. Espero que quem julgar o processo aja em consonância com o fato de que enquanto presidente da República, deveria pautar suas ações sabendo que têm um peso muito maior".

Bianca Santana processa Bolsonaro por danos morais

Bolsonaro reconheceu o erro ao atribuir reportagem sobre "PT tem propaganda barrada pelo TSE" à jornalista. Para ela, o posicionamento oficial teve uma "simbologia importante", que atravessa questão de identidade, liberdade de imprensa e de expressão e mobilização jurídica para garantia de direitos.

Acho simbólico que as desculpas tenham sido a mim, mulher negra, e espontaneamente.

"Em 2019, ele pediu à deputada Maria do Rosário, mas por ordem judicial", diz. "Também acho significativo que tenha sido nesse momento político, e para mostrar a força das mulheres negras, especialmente quando estão organizadas coletivamente".

O presidente Jair Bolsonaro acaba de pedir desculpas publicamente por ter me acusado, na live de 28 de maio, de ser autora de um texto que nunca escrevi. Tirou toda a live do ar. E diz que não tem problema em errar, nem em reconhecer erros, e que teria dito meu nome por estar "lá embaixo", na mesma página. Mas a menção ao meu nome não foi meramente um erro. Na página em que está publicada a notícia lida por Jair Bolsonaro, não há o meu nome. Por que o presidente insiste, com outra informação falsa? Bolsonaro não se equivocou, ele violou direitos e provocou um dano à minha honra. Vale lembrar que, na semana quando fui citada pelo presidente, havia escrito um texto sobre as relações da família Bolsonaro com a milícia acusada do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Durante a live, Bolsonaro segurava um papel em que é possível ver uma fotografia de Marielle. Por que o meu nome estava na mesa do presidente naquele dia? Qual o envolvimento da família Bolsonaro com o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes? #QuemMandouMatarMarielle? Também repito que, desde o início do governo Bolsonaro, ele ou seus ministros atacaram jornalistas mulheres 54 vezes, segundo levantamento da Artigo19. E que a maior parte dos ataques a jornalistas, segundo a Fenaj, foi praticada pelo próprio presidente. Sigo exigindo, individual e coletivamente, que os ataques sejam interrompidos e que o Estado brasileiro garanta um ambiente seguro para a liberdade de expressão, organização e manifestação política. Entendendo as desculpas. Fico animada por meus pedidos no processo terem sido parcialmente atendidos pelo presidente antes mesmo do julgamento. Mas sigo com a ação judicial, que tem também o objetivo de inibir que Jair Bolsonaro siga atacando jornalistas e para que seja atendida a solicitação de indenização, a ser doada integralmente para a busca de justiça pelo assassinato de Marielle Franco. Agradeço e parabenizo o excelente trabalho des advogades que me representam: Sheila de Carvalho, Flavio Siqueira, Priscila Pamela, Thiago Amparo e Maria Clara D'avila. Para finalizar, por favor, leiam o pedido de impeachment divulgado hoje pela @coalizaonegrapordireitos

Uma publicação compartilhada por Bianca Santana (@biancasantanadelua) em

Santana diz ainda que Bolsonaro ter desmentido a associação a seu nome suscita a possibilidade de sucesso quando entidades dos movimentos negros e de direitos humanos entram na justiça para garantia dos direitos.

"E, para jornalistas/quem produz conteúdo, é sobre o direito à liberdade de expressão. Não podemos receber acusações de que estamos noticiando algo falso, quando não estamos".

A ação

Duas das três medidas práticas solicitadas na ação judicial já foram cumpridas por Bolsonaro: a retratação pública e a retirada do vídeo em que ele cita Bianca Santana das plataformas.

A equipe de cinco advogados que representam a jornalista - que também está sendo assessorada pela Coalizão Negra por Direitos - ainda pede indenização de R$ 50.000. A quantia, caso ela ganhe o caso, será destinada inteiramente "ao Instituto Marielle Franco, para projetos dedicados à luta por verdade, justiça e pela memória de Marielle", diz o documento.

"Após avaliação do grupo jurídico da Coalizão, decidimos que a ação deveria ser individual por danos morais. O grupo estudou o caso por entendermos que tem a ver com o texto que eu havia publicado sobre a federalização do caso de Marielle".

Sheila de Carvalho é uma das advogadas que concebeu a peça do caso e acredita que, se houver êxito, será criado um parâmetro positivo para profissionais de comunicação que tiverem o mesmo direito violado. "Cria jurisprudência, porque os ataques que Bolsonaro faz a jornalistas nas lives são sistêmicos".

A indenização, ela diz, tem caráter educativo. "Ninguém quer lucrar com a ação, a ideia é que ela sirva como mecanismo para que isso não aconteça mais. A decisão de destinar à memória de Marielle, por sua vez, se dá porque ela também foi uma mulher negra, alvo do bolsonarismo, e porque o texto de Bianca era sobre a responsabilidade daqueles que estão perto do presidente da República no caso Marielle".

Caberá agora à Justiça o entendimento do processo e se o valor indenizatório será cumprido. "A retirada do material do ar e o pedido de desculpa não tiram o dano causado à imagem e à honra de Bianca, que é jornalista conhecida, que assume a postura de denunciar a relação da família Bolsonaro com a milícia. Esse dano é imensurável", avalia Alves.

Universa pediu ao Planalto posicionamento para esta matéria a respeito do caso. Até a publicação da reportagem, a Presidência não retornou o e-mail.