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Juliana Lohmann sobre abusadores: Queria dar nomes, mas crimes prescreveram

A atriz Juliana Lohmann - Felipe Araujo Lima/Divulgação
A atriz Juliana Lohmann Imagem: Felipe Araujo Lima/Divulgação

Marcela de Genaro

Colaboração para Universa

05/08/2020 04h00

Há três semanas, a atriz Juliana Lohmann ficou sem internet no sítio em Macaé de Cima (RJ), onde está em isolamento social devido à pandemia. Estava nervosa e o corpo refletia a desconexão com a rede exatamente no dia em que, por meio da publicação de um relato à revista Claudia, revelava que havia sido estuprada por um diretor de cinema, aos 18 anos. E que tinha vivido um relacionamento abusivo com um namorado, em que sofreu violência psicológica, verbal e física.

"Sentia tremeliques. Estava muito nervosa, mas ao mesmo tempo eu sabia que tinham pessoas ao meu lado que diziam: 'Olha, calma, eu tô com você'", diz a atriz, que atuou em novelas como "Malhação" e "I Love Paraisópolis", em entrevista para Universa.

Após o relato vir a público, outras atrizes, como Tatá Werneck, Paula Braun, Giselle Itié e Mônica Iozzi, manifestaram apoio a Juliana.

Quando voltou à internet, a atriz leu com desconforto as palavras "estupro e Juliana" juntas na mesma frase e recebeu uma enxurrada de reações, de mensagens de apoio de seguidoras a mais de 50 relatos de histórias semelhantes.

A iniciativa do relato, no entanto, também gerou uma discussão sobre os motivos de ela não dar nomes aos agressores: "Não adianta você falar isso tudo e não dizer quem são as pessoas, porque elas vão continuar fazendo coisas por aí", "Você pode acabar com a vida de uma pessoa porque acham que é essa pessoa", afirmavam.

Hoje, aos 30, Juliana conta que levou anos para elaborar o que passou desde os 18. Nesse tempo, os crimes prescreveram, o que a impede de revelar quem foram os abusadores.

"Tem a Juliana que quer dar nomes. Só que eu não posso. Simplesmente porque os crimes prescreveram. Se eu der nomes vou ser acusada, por várias questões jurídicas. Não existe essa possibilidade", diz.

"Então, se eu não posso expor meu relato, se eu não posso alertar outras mulheres para que se identifiquem e assim possam denunciar os seus abusadores, eu faço o quê? Isso é uma maneira de silenciar a mulher que já foi violentada."

Juliana não denunciou seus agressores, mas, quando entendeu as violências sofridas e que não tinha culpa, decidiu agir e compartilhar para incentivar outras mulheres:

"Se eu não posso fazer justiça, que outras mulheres façam. Se eu vivi o que vivi, que outras mulheres não vivam, ou, se viverem, possam identificar e denunciar, fazer valer a Lei Maria da Penha".

E se oferece pra ajudar quem possa ter passado por situações semelhantes com os seus abusadores. "Se alguma mulher viveu o mesmo com esses homens, esteja em tempo de denunciar e resolver ir à justiça, me ofereço para ser testemunha."


"Eu também fui vítima"

Crimes de violência sexual passaram a ser mais graves no Código Penal após uma alteração de 2018. Até então, o prazo para a vítima fazer o registro e a representação, o que significa dizer que quer processar a pessoa, era de até seis meses. A mudança penal acabou com este prazo, mas não pode ser aplicada para situações ocorridas antes da alteração, de acordo com a defensora pública Flávia Brasil Barbosa do Nascimento, coordenadora de defesa dos direitos da mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

"Com a alteração, hoje, se eu for vítima de violência sexual e, por exemplo, depois de um ano vejo que outras vítimas desse meu agressor começaram a denunciar o fato, eu posso tomar coragem, ir à delegacia e dizer: 'Eu também fui vítima'", diz a defensora.

Juliana cita os casos recentes do médium João de Deus e do produtor de Hollywood Harvey Weinstein, que trouxe à tona o movimento #MeToo, como episódios em que várias mulheres se uniram contra seus abusadores, mesmo nos casos que já haviam prescrito.

"Algumas vítimas de Harvey Weinstein e de João de Deus sofreram abuso há 30 anos. Nessas situações, casos que não tinham prescrito foram denunciados e registrados. Então, as mulheres que haviam sofrido abuso há anos serviram como testemunhas e fortaleceram os casos recentes", diz Juliana.

A palavra da mulher, em casos como esses, vale como denúncia coletiva, de acordo com a defensora pública.

"Elas se identificam com aquela que está denunciando, ganham coragem, e a palavra de cada uma delas narrando aquela dinâmica dá um peso maior [à denúncia]. Infelizmente, para que a palavra delas tenha valor, é preciso de todas as denúncias reunidas. Quando a denúncia é de uma única vítima, ela não recebe tratamento adequado", diz Flávia.

Mudando as relações de poder

O possível impacto profissional de tornar públicas as agressões que sofreu pesou na decisão de Juliana: o fim da carreira, a especulação de nomes não envolvidos, a possibilidade de não ser chamada para trabalhar devido à atitude, tudo isso passou pela cabeça da atriz.

"Não estou falando de uma pessoa específica que me violentou sexualmente, eu estou falando de um diretor. Quando você fala de um diretor, isso pode acabar incomodando os diretores, no geral, porque começam especulações, nomes são citados injustamente", diz.

"Pensei muito sobre o medo de não ser mais chamada para trabalho, o medo de ser de alguma maneira rechaçada porque: 'Ah, a Juliana é a feminista, é aquela que denuncia'. Pensei até mesmo sobre a própria pessoa, que é muito conhecida, sobre de que maneira ela pode mexer os pauzinhos para acabar com a minha carreira. Porque essa pessoa sabe que eu estou falando dela. Ele é influente, até que ponto ele pode estar me prejudicando? Eu não sei."

Foi olhando no espelho que ela se entendeu:

"Me lembro de um momento que parece uma cena clichê. Estava fazendo 'skincare', lavando as mãos, em frente ao espelho. Fiquei olhando para mim muito nervosa: 'Será que ele vai fazer alguma coisa de mal contra mim?'. Mas ele já fez, ele já teve o poder de me abusar sexualmente e o medo não acaba", relata a atriz.

"Então pensei: "Tá bom, Juliana, o que você quer ser? Uma profissional que está sempre botando o que sente que precisa colocar no mundo pra debaixo do tapete, por que tem medo desses homens poderosos e ricos e do que eles podem fazer com você ou alguém que tem coragem de dizer o que precisa dizer? Porque tem outras pessoas maravilhosas, que não têm rabo preso, que não vão se sentir ameaçadas. Então não vou me dobrar, ficar nesse lugar de querer agradar, de não querer prejudicar para não ser prejudicada, porque senão a relação de poder se perpetua, e a gente não muda nada."

Corrente de depoimentos

O processo de entendimento das agressões que sofreu que culminou no relato trouxe também o impacto de virar uma referência para outras mulheres que também sofreram abusos, conta a atriz.

"Em algum instante, eu virei um porto seguro. Comecei a receber mensagens de amigas, uma delas aos prantos contando que entendeu ter sido abusada. Mulheres mais velhas da família do meu companheiro [Felipe Araújo Lima, com quem está há quatro anos] falaram sobre coisas que viveram antigamente e que nunca tinham debatido entre elas."

Mas o que mais impressionou Juliana foram mensagens diretas e impactantes de seguidoras. Foram mais de 50 mulheres contando que já viveram ou vivem o mesmo tipo de violência:

"Foi assustador porque a gente percebe que somos muitas que fomos abusadas e violentadas, que, infelizmente, acontece com muitas mulheres. Ainda não respondi, porque realmente quero saber o que posso fazer, com o aval delas, claro."

A ideia inicial da atriz é criar um canal para que as vítimas possam escrever esses relatos. "Como posso prestar apoio, não sendo psicóloga e nem advogada? Como agir de forma efetiva na vida delas? Algumas escreveram coisas que não tinham contado para ninguém. Entendi que o processo de escrita da vivência é importante. Estou organizando porque as últimas semanas foram um vendaval, agora estou tentando aterrar."